JUE 5 DE DICIEMBRE DE 2024 - 00:30hs.
José Luís Ribeiro Brazuna, advogado e sócio no Bratax

Imposto Seletivo: Nenhuma outra modalidade lotérica tem as obrigações exigidas das bets

A inclusão das bets no Imposto Seletivo é questionada por José Luís Ribeiro Brazuna, sócio do escritório de advocacia Bratax. Para ele, nenhuma modalidade lotérica além das apostas esportivas tem obrigação de transferir parte da receita à saúde. “Parece no mínimo contraditório querer submetê-la ao gravame adicional”, avalia o especialista em artigo no Jota.

Dentre os diversos temas discutidos na votação do PLP 68/2024, que implementará a reforma tributária da Emenda Constitucional 132/2023, chama a atenção a ideia de submeter as empresas de bets ao pagamento do imposto seletivo (IS), coloquialmente chamado de imposto do “pecado”.

A motivação repousa nos alegados danos à saúde mental que seriam provocados pela atividade.

Tudo isso ocorre, concidentemente ou não, em meio à propagação de notícias a respeito do impacto das bets sobre a parcela economicamente mais vulnerável da população. E, de modo açodado, antes de haver a plena regulamentação do setor pela Secretaria de Prêmios e Apostas, o que se deverá concluir até o próximo dia 31 de dezembro.

Não obstante as variáveis já postas à mesa nessa discussão, há elementos estritamente jurídicos que, a nosso ver, deveriam ser objeto de alguma reflexão, a fim de que se evite caminhar para uma tributação futuramente questionada perante os tribunais.

É necessário lembrar que os jogos de azar seguem proibidos pela lei das contravenções penais há mais de 80 anos. Nada mudou aqui.

As vulgarmente chamadas empresas de bets na verdade operam a atividade de loteria, especificamente na sua modalidade “loteria de aposta de quota fixa”.

Trata-se de atividade lícita e regulada pela Lei 13.756/2018, juntamente com a loteria federal, a loteria de prognóstico específico, a loteria de prognósticos esportivos e a loteria instantânea exclusiva (Lotex).

Mais do que isso, cuida-se de serviço público (artigo 29), de responsabilidade não só da União, como também dos estados e do Distrito Federal (artigo 35-A), prestado pelo particular mediante autorização e em ambiente concorrencial (artigo 4º, da Lei 14.790/2023).

Todas as modalidades lotéricas pertencem ao gênero “concurso de prognósticos”, estando assim sujeitas à tributação de 12% a título da contribuição específica para a seguridade social prevista no artigo 195, inc. III, da Constituição. Tal contribuição possui destinação repartida entre diferentes entidades e finalidades, a depender do tipo de loteria.

Em todos os casos, há destinação parcial da contribuição para o Fundo Nacional de Segurança Pública. Excluída a loteria federal, todas as outras revertem parte da contribuição para o Ministério do Esporte. Há previsão de repartição também para a cultura, o fundo penitenciário nacional, confederações desportivas, Ministério do Turismo e até para a Cruz Vermelha.

Curiosamente, porém, são apenas as loterias de aposta de quota fixa, ou seja, as bets, que estão obrigadas a transferir parte da sua receita ao Ministério da Saúde, justamente para a prevenção, o controle e a mitigação de danos sociais advindos da prática de jogos. Nenhuma outra modalidade lotérica tem essa obrigação.

Além de se tratar de serviço público, portanto, a receita das atividades lotéricas é parcialmente “carimbada”, estando vinculada a essas transferências governamentais e extragovernamentais, contribuindo para o custeio de políticas públicas nas áreas da cultura, segurança pública, esporte, turismo e educação.

Faz sentido, diante disso, submeter a prestação de um serviço público ao imposto do “pecado”? É razoável onerar mais gravosamente uma atividade que arrecada recursos destinados diretamente a diversas prestações estatais, dentre elas a própria saúde? E isto por meio de um imposto que, diferentemente da receita gerada pelas bets, não terá destinação específica para o tratamento da saúde mental dos apostadores?

Ademais, se estamos a falar de serviço público de responsabilidade da União, dos estados e dos municípios, ainda que prestado mediante autorização, seria possível cobrar imposto sobre essa atividade quando a Constituição, no seu artigo 150, inc. VI, alínea “a”, prevê a imunidade recíproca sobre o patrimônio, a renda e os serviços estatais? Lembremos que a Suprema Corte já declarou a loteria estadual de Minas Gerais protegida pela referida imunidade recíproca.

É bem verdade que o artigo 150, § 3º, exclui dessa proteção as “atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados”.

Ainda assim, o STF coleciona decisões imunizando todos os serviços prestados pelos Correios (não só a atividade postal), as atividades de consultoria e assessoramento da Infraero (não só a administração, operação e exploração de infraestrutura aeroportuária) e até a fabricação de fichas telefônicas e impressão de selos pela Casa da Moeda (não só a emissão de moeda).

Em outros precedentes, é bem verdade, a corte adotou entendimento mais restritivo, excluindo da imunidade atividades capazes de manifestar riqueza em favor do particular, mesmo que ao mesmo tempo gerassem benefícios para o Poder Público.

No caso das loterias, independentemente de qualquer ponderação em torno de proporções, a geração de benefícios mútuos – para o particular e para o Estado – é inquestionável. Daí por que, ainda que possa soar exagerado sugerir a imunidade para a atividade lotérica, parece no mínimo contraditório querer submetê-la ao gravame adicional do imposto seletivo.

José Luís Ribeiro Brazuna
Professor do IBDT, mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP e fundador do Bratax (Brazuna, Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados)