MAR 3 DE DICIEMBRE DE 2024 - 14:29hs.
Entrevista com Neil Montgomery

Advogado brasileiro alerta que operadores de iGaming devem se preparar para altas multas

À medida que o mercado brasileiro de iGaming se prepara para decolar, a IDnow discute surpresas regulatórias, os desafios de incentivar os jogadores a saírem do mercado negro e a viabilidade do Brasil se tornar o maior mercado de jogos de azar do mundo. Nesta entrevista, o advogado Neil Montgomery explica tudo sobre legislação do consumidor, impostos, KYC e porque os operadores brasileiros podem ter vantagem sobre seus concorrentes estrangeiros mais fortes.

Embora à primeira vista possa não parecer haver muito em comum entre as indústrias brasileiras de aviação e de jogos de azar, para o advogado Neil Montgomery, existem paralelos que os operadores de jogos de azar seriam bem servidos em seguir.

No final do ano passado, a indústria de jogos de azar online brasileira deu passos significativos em direção à regulamentação, quando a Lei nº 14.790/2023 foi promulgada para abordar ainda mais as apostas esportivas de odds fixas e o iGaming.

Apesar de a saída do principal conselheiro do governo, José Francisco Mansur, no mês passado, provavelmente resulte em consideráveis atrasos no processo de licenciamento, isso não diminuirá o apetite pelo lançamento oficial de um mercado de jogos de azar totalmente regulamentado no Brasil em nível federal.

A empolgação e a expectativa por um mercado regulamentado em nível federal (já que alguns estados brasileiros - como Paraná e Rio de Janeiro - já disponibilizaram licenças estaduais) se devem em grande parte a duas coisas: o governo federal percebendo que está perdendo receitas significativas de impostos, e os jogadores brasileiros podendo se beneficiar de uma experiência de jogador mais segura e justa que apenas uma plataforma regulamentada pode oferecer.

No entanto, Neil adverte que, a menos que os operadores de jogos de azar tomem as medidas necessárias para se tornarem 'prontos para a regulamentação', incluindo a adesão aos requisitos de KYC, verificação de identidade e medidas de jogo responsável, é provável que haja problemas à frente.

"A legislação do consumidor é rigorosa e estritamente aplicada no Brasil, então os operadores estrangeiros terão de enfrentar o pesadelo de fazer negócios quando se trata de reclamações de consumidores".

Neil explica que o Brasil é infamemente classificado como número um do mundo em termos de reclamações de passageiros de companhias aéreas. O motivo, sugere ele, é que, embora o Brasil cumpra as convenções internacionais sobre a limitação da responsabilidade do transportador, essas convenções não se aplicam aos chamados 'danos morais', ou seja, a dor e o sofrimento infligidos ao passageiro.

"Acredito que uma situação semelhante se repetirá na indústria de jogos, porque consumidores insatisfeitos agora terão uma porta local para bater e usar os tribunais brasileiros para obter decisões favoráveis. Os tribunais brasileiros considerarão os operadores de apostas esportivas e iGaming como empresas ricas e terão expectativa de que as empresas compensem os danos causados aos consumidores".

Nesta entrevista, Neil explica tudo sobre legislação do consumidor, impostos, KYC e porque os operadores de jogos de azar brasileiros podem ter vantagem sobre seus concorrentes estrangeiros mais fortes.

 

IDnow - Agora que as regulamentações brasileiras para apostas esportivas e cassinos online foram aprovadas, houve algo no texto final que o surpreendeu, positiva ou negativamente? Há algo que você gostaria de ver revisado em futuras iterações?
Neil Montgomery -
Bem, acho que, em termos gerais, foi muito positivo. Tivemos de esperar até o último minuto em 2023 para ver a lei aprovada, porque houve muita discussão sobre se isso sairia neste ano ou não. O governo federal, é claro, estava focado em fazer com que fosse aprovado, pois tem como objetivo atingir déficit fiscal zero em 2024.

Qualquer receita adicional é bem-vinda e, é claro, os mercados de apostas esportivas e jogos são vistos como uma fonte muito boa de receitas adicionais. Para que essa receita seja incluída no orçamento de 2024, tudo precisava ser aprovado em 2023. Uma surpresa positiva foi a inclusão do iGaming na lei, porque originalmente se destinava apenas a regulamentar apostas esportivas de odds fixas.

De acordo com a legislação brasileira, ainda precisamos aguardar para ver o que o Ministério da Fazenda fará com suas muitas portarias. São esperadas 12 a serem lançadas, e veremos qual será a definição de iGaming. Outra surpresa foi o fato de que os operadores precisarão ter 20% da sociedade brasileira. No entanto, a forma como está redigido foi um pouco ambígua porque não se refere explicitamente a um indivíduo brasileiro e, portanto, adotar uma estrutura corporativa de dois níveis no Brasil (onde o operador estrangeiro primeiro incorporaria uma empresa local e teria essa empresa incorporando o operador local solicitando a licença - este último, portanto, tendo um acionista brasileiro de 100%). O outro aspecto positivo foi a redução do imposto sobre jogadores de 30%, inicialmente proposto, para 15%.

Certos parágrafos foram vetados pelo presidente Lula, como o jogador tendo que calcular o imposto de renda sobre os ganhos líquidos em base anual. Todos os vetos ainda serão ouvidos no Congresso, e há muita incerteza sobre como o imposto de renda será calculado e arrecadado.

Você notou um aumento de interesse ou atividade entre os operadores de jogos brasileiros desde sua aprovação?
Bem, há muito poucos operadores brasileiros porque a maioria deles são todos estrangeiros que agora terão de abrir lojas no Brasil para obter uma licença federal. Por muitos anos, os jogadores estavam acostumados a jogar em plataformas offshore. As próximas mudanças na lei tornarão a experiência de usar uma plataforma não licenciada muito mais difícil. Por exemplo, haverá restrições à publicidade e aos métodos de pagamento.

Portanto, os operadores estrangeiros terão de obter uma licença do Ministério da Fazenda e os jogadores terão de jogar apenas em operadores licenciados no Brasil. No momento, estamos em um mercado cinza até que o quadro legal completo seja estabelecido, mas a partir do momento em que as licenças forem disponibilizadas em nível federal, isso oficialmente se tornará um mercado negro e será considerado significativamente mais arriscado.

Sempre haverá maneiras de contornar o mercado regulamentado, mas acredito que será mais complicado para eles jogarem no mercado negro. Portanto, espero que as portarias permitam um equilíbrio entre o que os operadores precisam fazer, o que os jogadores precisam fazer e o que o governo precisa fazer para que o novo mercado regulamentado seja suficientemente atrativo para incentivar os jogadores a apostarem em um ambiente licenciado.

Com muitos jogadores brasileiros já familiarizados com jogos de azar no mercado cinza, quão prontos e dispostos você acha que eles estarão para mudar para plataformas regulamentadas e domésticas, onde serão obrigados a passar por um processo KYC e seguir pagamentos de impostos?
Tudo depende de como é fácil operar no mercado regulamentado. Acho que ainda existem algumas incertezas em relação à forma como o imposto será calculado e arrecadado. Acredito que, se tivessem publicado a metodologia de como o imposto de renda do jogador será calculado, isso teria sido muito positivo em termos de incentivar os jogadores a fazerem suas apostas no mercado doméstico. Precisamos apenas esperar para ver o que acontece. No entanto, se o quadro legal for mais demorado e oneroso do que continuar fazendo apostas no mercado negro, é claro que teremos problemas de canalização, o que, é claro, o governo federal gostaria de evitar.

Além disso, as regulamentações deixarão espaço suficiente para garantir o retorno do investimento, porque a taxa de licença será bastante alta: R$ 30 milhões, o que equivale a cerca de 6 milhões de dólares por uma licença de cinco anos. Isso coloca o Brasil como um dos lugares mais caros do mundo para obter uma licença.

Não vamos esquecer, é claro, o verdadeiro motivo da regulamentação do mercado, que é a proteção ao jogador e a proteção ao investimento, então espero que o equilíbrio seja encontrado para evitar que os jogadores continuem fazendo suas apostas no mercado negro.

O Brasil está previsto para se tornar o maior mercado de jogos de azar do mundo. Você vê algum obstáculo no caminho para alcançar isso?
Sou um eterno otimista, então se um bom equilíbrio puder ser encontrado, o que exigirá que todas as partes façam concessões, então acredito que sim. No Brasil, o futebol profissional depende massivamente do patrocínio fornecido pelos operadores, e houve um aumento no valor do patrocínio ao longo dos anos e agora que a lei foi aprovada, tenho visto os valores subirem significativamente. É provável que caia novamente em algum momento no futuro, mas agora os valores de patrocínio estão batendo recordes, e toda semana recebemos notícias de que um clube de futebol está recebendo o dobro, três vezes mais do que o valor de acordos anteriores.

Portanto, há muito apetite para que o Brasil se torne o maior mercado de jogos de azar do mundo, e acredito que isso gerará muitos empregos, muito investimento, mas precisamos encontrar o equilíbrio. Esta é a questão-chave; estamos em um mercado recém-regulamentado e tudo é novo para todos. Esta é a grande oportunidade que estamos esperando há décadas e agora é a hora de acertar.

Como advogado, qual é sua opinião sobre os requisitos de licenciamento do Brasil? Muito árduos, muitas brechas, ou a serem esperados?
A lei foi formulada de tal forma que se um operador não obtiver uma licença, ele estará sujeito a muitas restrições para acessar o mercado brasileiro.

O governo federal brasileiro sempre disse que, uma vez que as licenças estejam disponíveis, eles vão aplicar a legislação. Vimos em nível estadual muitas ações de fiscalização por parte de certos estados, especialmente Rio de Janeiro e Paraná, porque não apenas temos o regime de licenciamento federal, mas também temos licenças estaduais porque a legislação federal demorou tanto para ser promulgada.

Desde 2020, os estados promulgaram sua própria legislação para conceder licenças estaduais para loterias tradicionais e para apostas esportivas de odds fixas, já que as apostas esportivas de odds fixas foram legalizadas no Brasil como uma forma de loteria, e vimos muitos clientes nossos receberem notificações e intimações pois não obtiveram uma licença estadual. Um dos principais problemas que temos são os problemas legais causados pela dicotomia entre licenças federais e estaduais.

Estamos aguardando os requisitos oficiais de licenciamento. Temos apenas os pontos principais na lei. Portanto, sabemos que é um modelo de licenciamento aberto sem limite para o número de licenças emitidas, o que é bom, esse é o modelo que tenho defendido há muitos anos. Sabemos que custará R$ 30 milhões por uma licença de cinco anos, e cada operador pode promover até três marcas, e não necessariamente a própria marca do operador, portanto pode haver acordos de licenciamento com outros detentores de marcas.

O plano é ter duas janelas por ano durante as quais as inscrições podem ser feitas. No ano passado, 134 empresas apresentaram inscrições, bem, apresentaram uma expressão de interesse, e o governo federal prometeu prioridade no processo.

Esperançosamente, o Ministério da Fazenda terá recursos humanos suficientes para processar todas essas inscrições, porque eles serão inundados com uma grande quantidade de papelada. Tudo será feito eletronicamente, o que deve ser mais eficiente, mas haverá muitos documentos que precisam ser fornecidos. Ainda não sabemos se os documentos provenientes do exterior terão que satisfazer as formalidades de notarização. Será a primeira experiência no Brasil em termos de licenciamento em nível federal, mas esperamos chegar lá!

Na sua opinião jurídica, quão bem-preparados estão os operadores brasileiros, especialmente as startups, para navegar nas complexidades do novo cenário regulatório no setor de jogos de azar online?
Bem, haverá um aumento nos advogados de iGaming em todos os aspectos da lei, porque este é um ambiente regulatório muito detalhado. Então, há muitos aspectos diferentes. Acredito que os operadores brasileiros podem ter a vantagem de conhecer melhor a lei e como ela poderia evoluir com as regulamentações futuras, já que conhecem tão bem o mercado.

Talvez eles não tenham a força que os operadores estrangeiros têm, mas pelo menos têm o conhecimento do mercado local e conhecimento da lei local, o que deve lhes dar uma certa vantagem competitiva. Os operadores estrangeiros que estabelecerem suas operações no Brasil gradualmente terão de aprender a navegar nas águas traiçoeiras do sistema legal brasileiro porque, como dizemos, o Brasil não é para amadores.

Com outros países nas Américas se abrindo, como o Peru, quão importante você acha que a região se tornará no mercado global de jogos de azar nos próximos 5 a 10 anos? O futuro é brilhante?
Acredito que a América Latina seja a nova fronteira da indústria de jogos. Então, a maior parte ainda é território inexplorado, especialmente o Brasil, mas acho que as coisas ficarão mais claras com o tempo. Mas, sim, a América Latina é o lugar para se estar no momento e acredito que estaremos em destaque por muitos anos.

Vimos outros avanços surpreendentes, até mesmo no mundo muçulmano, com cassinos terrestres sendo considerados nos Emirados Árabes Unidos, por exemplo, e até mesmo lugares como Arábia Saudita agora estão considerando cassinos. Então, acredito que o iGaming seja visto como algo que precisa ser focado, e a América Latina, México, até a Argentina e o Chile, estarão em destaque, com o Brasil provavelmente se tornando o principal player nesse mercado regional.

Fonte: IDnow