LUN 25 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 05:20hs.
Maria Clara Martins e Maurício Tamer, advogados do Machado Meyer

As novas lições de casa dos operadores de apostas na prevenção de ilícitos: o que e como priorizar?

A Secretaria de Prêmios e Apostas lançou a Portaria n° 1.143/2024, que detalha medidas contra lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo no setor de betting. Em artigo exclusivo para o GMB, os advogados Maria Clara Martins e Maurício Tamer, do Machado Meyer, analisam como operadores devem proceder para cumprir o regramento. “As bets precisarão ter algo centrado na sua própria operação e as que fizerem as melhores escolhas sairão em vantagem frente aos demais”.

A Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) avançou na sua agenda regulatória e editou, na última sexta-feira (12), a Portaria n° 1.143/2024. Detalhando o que já era previsto em lei, a Portaria traz inovações relevantes no que tange a como o setor de gambling lidará com o tema da lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa.

Importante frisar que a Portaria não inaugura o tema, uma vez que a Lei de Lavagem de Dinheiro, em 2021, foi emendada para prever em seu artigo 9º, VI, que as sociedades de apostas de quota fixa  que realizem distribuição de dinheiro, bens móveis, imóveis e outras mercadorias ou serviços sujeitam-se às obrigações de identificação de clientes e manutenção de registros, bem como de comunicação de operações financeiras (Artigos 10 e 11 da Lei 9.613/98).

Nesse sentido, no que a Portaria inova é em trazer maior detalhamento sobre quem são os atores nesse mercado, quais os seus respectivos papéis no que se refere à prevenção e ao combate à lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa e o que é esperado deles.

Um dos pontos importantes trazidos pela Portaria é a definição do agente operador de apostas como a figura central responsável por implementar os referidos controles.

Vale dizer que os controles mencionados já são aplicáveis a diversas partes obrigadas, como as bolsas de valores, administradores de cartão de crédito, empresas de arrendamento mercantil, pessoas físicas ou jurídicas que comercializem joias, bens de luxo, assim como as que exerçam atividades de promoção imobiliárias entre outras (Art. 9º da Lei 9.613/98).

Assim, com a edição da Portaria os agentes operadores de apostas passam a utilizar o já conhecido Sistema de Controle de Atividades Financeiras (SISCOAF), não tendo havido a criação de um sistema específico para esses atores. A utilização do SISCOAF indica um ponto óbvio, mas muito central: de que é esperado que esses operadores de apostas façam a revisão de cada uma das suas operações e reportem toda vez que identificarem alguma com alto risco de lavagem de dinheiro e/ou financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa. E, para fazer isso, a própria Portaria deixa bastante claro o procedimento de avaliação de risco a ser utilizado.

Nos termos do artigo 16 da Portaria, os agentes operadores de apostas devem adotar procedimentos que permitam qualificar os apostadores por meio de coleta, verificação e validação de informações, compatíveis com o seu perfil de risco. Mais especificamente, os procedimentos devem incluir informações cadastrais de seus usuários, uma avaliação aprofundada entre a aposta e a capacidade econômico-financeira e se o usuário tem ou não a condição de PEP (Pessoa Exposta Politicamente).

Esses pontos, apesar de parecerem elementares, são de extrema relevância para aqueles que atuam no setor, porque significa a necessidade de uma área de Compliance internalizada nessas empresas, que esteja apta a construir (i) mecanismos de elaboração de matriz de risco, (ii) políticas para o tratamento dessa matriz de risco, (iii) verificação documental de cada uma das pessoas que se qualificam como apostador e (iv) rotinas para realizar o cotejo entre a operação do apostador e o seu perfil específico.

O que se percebe é que o atendimento à Portaria demanda uma atuação estratégica e coordenada de muitas tarefas. Por isso, uma visão executiva e lastreada em prioridades é fundamental.

Neste contexto, com base na expertise junto a outros setores que já enfrentaram estes desafios, procuraremos dividir algumas ideias já experimentadas na prática e que podem ser úteis.

Como passo um, é relevante que o agente revisite ou elabore as políticas dedicadas ao tema. São documentos que, de forma macro, irão traduzir e documentar as boas aspirações do agente em prevenir condutas ilegais. Ao mesmo tempo, servirão de verdadeira ferramenta de prestação de contas e prova positiva do compromisso institucional de conformidade com a regulação.

A Portaria é expressa ao determinar que as políticas internas deverão prever definições de papeis e responsabilidades na execução do cumprimento das obrigações previstas e o desenvolvimento de um programa de conformidade que contemple o desenvolvimento de uma cultura organizacional em prol da prevenção da lavagem de dinheiro e do terrorismo. Aliás, a exemplo de outras regulações, tais políticas devem estabelecer rotinas de conformidade by design, em que a prevenção será premissa de análise em qualquer novo produto ou iniciativa (Artigo 7°), antes mesmo do seu go live.

Trata-se de uma abordagem que se propõe funcional, porque a estruturação de tais documentos necessariamente passará por uma revisão cuidadosa das estruturas de governança do agente, identificando eventuais falhas, ausências e pontos de melhoria.

Inclusive, o dever de publicar tais políticas de forma on-line (Artigo 12), mais que uma obrigação, se apresenta como verdadeira oportunidade de o agente mostrar seu compromisso com a transparência e desmistificar nuances de insegurança social que, na maioria das vezes sem razão, pairam sobre suas atividades.

A Portaria prevê ainda os procedimentos necessários para avaliação de riscos. São estas as tarefas que vão traduzir os objetivos de prevenção das políticas em rotinas práticas. Nesse sentido, destacamos as medidas relacionadas às próprias rotinas internas do agente. Assim, deve a empresa definir uma matriz de risco própria de acordo com suas atividades e que considere apostadores, modelo de negócio, seus colaboradores, terceiros e fornecedores e suas operações (Artigo 14).

A documentação da matriz de risco permitirá ao agente identificar e priorizar os riscos mais significativos, desenvolver estratégias de mitigação e tomar decisões informadas sobre como lidar com esses riscos. Isso é essencial para o gerenciamento eficaz de riscos e para a tomada de decisões estratégicas.

Destaca-se, também, o dever de validação de identidade dos apostadores (Artigo 15), o qual, inclusive, precisa seguir o modelo técnico de reconhecimento facial no cadastro do apostador, conforme definido no anexo de requisitos técnicos da Portaria SPA/MF n° 722/2024.

Conforme mencionado acima, a Portaria prevê que os agentes operadores deverão atuar para qualificar os apostadores. Tal classificação deverá considerar ao menos três pontos que podem ser capazes de revelar riscos: a comparação entre a capacidade econômico-financeira do apostador e suas atividades na plataforma, a condição de pessoa exposta publicamente e a obtenção de informações cadastrais de cada apostador.

O agente operador passa, então, a ter a obrigação expressa de realizar um perfilamento de todos os seus apostadores e usuários de modo a indicar eventuais suspeitas e eventuais comportamentos desviantes (artigos 18, 19 e 20). O uso de tecnologia nesta tarefa é de especial importância, incluindo o uso de inteligência artificial para identificação de padrões e apontamentos de eventuais anomalias ou movimentações atípicas. A governança sobre tais mecanismos é essencial, de modo a trazer segurança nos resultados e avaliações.

Também houve preocupação da Portaria em identificar, qualificar e classificar os riscos dos funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados. Assim, os agentes operadores deverão conhecer os referidos sujeitos e incluir procedimentos de identificação e qualificação para avaliação e mitigação de riscos. Surge ainda a obrigação de se armazenar os dados cadastrais desses atores, por no mínimo 5 anos, após o término do vínculo (Artigos 21 e 22).

No que tange aos procedimentos relacionados ao envio de comunicações ao COAF, há previsão expressa para que os operadores de apostas implantem procedimentos de monitoramento, seleção e análise de apostas e operações, no intuito de identificar aquelas que possam configurar indício de prática de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (Artigos 23 a 26). Os agentes devem adotar uma série de tarefas aptas a identificar e comunicar quaisquer movimentações atípicas conforme uma lista extensa de critérios trazidos na Portaria.

Revisitar os procedimentos com seus colaboradores e terceiros é também fundamental nesta fase. Destaca-se, aqui, a importância da correta gestão dos terceiros com etapas bem desenhadas de homologação, contratação e monitoramento.

Conforme mencionado no início deste artigo, estabelecidas as políticas e aprimoradas as rotinas internas, o agente terá também a lição de casa de estar preparado para realizar os reportes necessários às autoridades. Isto inclui (i) o cadastro junto ao Sistema de Controle de Atividades Financeiras (SISCOAF); e (ii) a realização de comunicações ao COAF sempre que suas análises indiquem ou concluam pela configuração de lavagem de dinheiro ou financiamento ilícito (Artigos 27 a 29). Veja-se que a SPA também deve ser informada no caso de não ocorrência de propostas, transações ou operações passíveis de comunicação (Artigo 30 c/c artigo 11, inciso III da Lei 9.613/98).

De tudo isso, se conclui que os agentes operadores de apostas têm agora uma dor e uma delícia: o ponto positivo é que estamos tratando de um setor que está se estruturando, o que torna possível a implementação dessas políticas nas operações desde o início. Por outro lado, há certa insegurança, tendo em vista que grande parte do que existe de doutrina, boas práticas e treinamento profissional para gestão de risco é direcionado ao setor financeiro ou aos setores tradicionais de lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo. Não há dúvida, portanto, que o setor de bets precisará focar na criação de uma taxonomia específica de risco para, no longo prazo, ter algo centrado na sua própria operação. O que e como priorizar, por ora, permanece uma aposta na qual o agente operador que acertar o prognóstico, sai em vantagem frente aos demais.

Maria Clara Martins
Advogada da área de Compliance do Machado Meyer Advogados

Maurício Tamer
Advogado da área de Direito Digital e Proteção de Dados do Machado Meyer Advogados