O mercado de apostas esportivas e jogos online no Brasil tem experimentado um crescimento significativo nos últimos anos. Contudo, é um setor de elevada carga tributária que precisa ser bem balanceada, para que não interfira negativamente na sustentabilidade do setor. Com a reforma tributária em curso, e recente aprovação pela Câmara dos Deputados do Imposto Seletivo sobre jogos, este sutil equilíbrio entre carga fiscal e viabilidade da indústria no Brasil pode se romper, afastando investimentos e recursos do país.
1. A carga tributária atual
Atualmente, os operadores de apostas esportivas e jogos online no Brasil estão sujeitos a uma complexa e onerosa carga tributária. Entre os principais tributos incidentes sobre esse setor, destacam-se:
* Gravame de 12% sobre o rendimento bruto dos jogos (Gross Gaming Revenue): a Lei 14.790/2023 prevê que, do total arrecadado pelas apostas, será deduzido o valor pago aos apostadores e o eventual imposto de renda incidente sobre o prêmio. Do valor remanescente, 88% são destinados ao operador e 12% são destinados a diversos fins especiais, como educação, segurança social, desporto, turismo, saúde e diversas entidades da sociedade civil.
* Contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS): contribuições que incidem a uma alíquota combinada de 9,25% sobre a receita bruta das empresas, no regime não cumulativo, e são destinadas ao financiamento da seguridade social.
* Imposto sobre Serviços (ISS): o valor dos serviços prestados pelos operadores de apostas será tributado pelos municípios e o Distrito Federal a uma alíquota que pode variar de 2% a 5%.
* Tributação da Renda: os rendimentos dos operadores são tributados com uma alíquota de 34%, composta por 25% de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
A depender do tributo, as bases de cálculo variam (receita ou GGR e renda) o que dificulta o cálculo da carga fiscal efetiva.
2. O impacto da reforma tributária
Sob o pretexto de simplificar e descomplicar a sistemática de recolhimento de tributos, a reforma tributária se propõe a reduzir o número de tributos bem como o número de obrigações acessórias sem gerar um aumento de carga fiscal para o país. O discurso amplamente difundido pelo governo é que haverá uma redistribuição da carga tributária entre diversos setores econômicos, mas sempre preservando a carga fiscal global.
A preservação da carga fiscal global é um enorme desafio, pois falta clareza para o governo sobre qual é a atual carga fiscal do Brasil. Assim, trabalha-se com base em presunções que, se não confirmadas nos próximos anos, permitirão ajustes no regime tributário brasileiro. A cada cinco anos, o Poder Executivo e o Comitê Gestor do IBS farão uma avaliação da eficiência, e da efetividade dos regimes e alíquotas aplicadas.
Tantas variáveis e incertezas geram inseguranças, especialmente sobre o setor de serviços que tende a ser mais onerado com a proposta de reforma tributária. A unificação de tributos incidentes sobre os serviços com jogos, o PIS, a COFINS e o ISS, a outros tributos não aplicáveis à indústria como o IPI e o ICMS, de forma como está o texto em trâmite no Congresso Nacional, irá gerar considerável aumento de carga fiscal para a indústria de jogos eletrônicos.
Dos atuais 11,25% cobrados sobre a receita, o setor deve chegar a 26,5% sobre essa base, diante da substituição dos mencionados tributos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ou seja, os tributos cobrados sobre a receita devem triplicar.
No que diz respeito à tributação sobre a renda, o tema ainda deve iniciar suas discussões na Câmara dos Deputados e há pouco coisa definida. Há sinalizações sobre o fim da isenção sobre dividendos distribuídos por empresas, a modificações no juros sobre capital próprio pagos aos acionistas, mudanças na tributação da folha de salários e implementação de um imposto de renda com mais faixas de progressividade. Mas, nesse momento, fica difícil prever se teremos aqui outro aumento de impostos.
Contudo, a proposta de reforma tributária prevê ainda a criação de um novo tributo, o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O artigo 393 do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/24 define o IS como um tributo seletivo, destinado a onerar operações relacionadas a bens e serviços prejudiciais.
No texto aprovado pela Câmara dos Deputados, o IS será aplicável ao setor de apostas esportivas e jogos online, aumentando ainda mais a carga tributária. Nesse momento, o Congresso discute matérias de lei complementar, de modo que a alíquota do IS sobre jogos online, se aprovada, deve ser definida em uma próxima etapa do processo legislativo. Mas como não há limites claros para a alíquota do imposto, desde que ele não seja confiscatório, um significativamente aumento de carga poderá ser imposto ao setor, o que só aumenta as preocupações da indústria.
Sobre esse assunto, vale notar que a Lei 13.756/18, em seu artigo 29, prevê que o operador, além de todos os tributos corporativos que qualquer prestador de serviço paga, terá um encargo adicional: uma contribuição de 12% sobre a sua receita bruta. Essa contribuição tem natureza extrafiscal, ou seja, sua finalidade não é apenas arrecadatória, mas também de desestimular a atividade de jogos, utilizando os recursos arrecadados para corrigir distorções sociais nas áreas da saúde, segurança pública e esporte.
O IS é um tributo de natureza extrafiscal, destinado a desestimular comportamentos e corrigir distorções sociais, assim como a contribuição de 12% já aplicada ao setor de jogos online. Instituir dois tributos com a mesma natureza e propósito é redundante e ineficaz. Uma abordagem mais lógica seria ajustar a alíquota da contribuição existente, ao invés de introduzir um novo tributo que pode gerar insegurança jurídica e aumentar a evasão para o mercado paralelo.
3. Riscos e consequências
A introdução de uma carga tributária ainda mais elevada traz diversos riscos para o setor de apostas esportivas e jogos online:
* Fuga para o mercado paralelo: com a elevação dos tributos, muitos operadores podem optar por seguir no mercado informal, onde os controles e regulamentações são menos rigorosos. Isso não apenas reduziria a arrecadação tributária, mas também aumentaria os riscos de fraude e lavagem de dinheiro.
* Redução da competitividade: operadores estrangeiros poderiam reconsiderar seus investimentos no Brasil devido aos altos custos operacionais, preferindo mercados com regimes tributários mais favoráveis.
* Impacto sobre os consumidores: os custos elevados seriam, inevitavelmente, repassados aos consumidores, encarecendo as apostas e diminuindo o engajamento dos usuários.
Será que esses são efeitos desejados? Será que quem defende aumento de tributos para o setor de jogos tem clareza dos efeitos colaterais do que está defendendo? Acredito que não.
Conclusão
A carga tributária elevada já representa um desafio significativo para o setor de apostas esportivas e jogos online no Brasil. Com a possível introdução do Imposto Seletivo e as incertezas sobre o rumo que a reforma irá tomar em relação à tributação da renda, os riscos de inviabilidade econômica e fomento do mercado ilegal tornam-se ainda mais pronunciados.
O Brasil já dispõe de um mecanismo extrafiscal adequado para regular o setor de jogos por meio da contribuição de 12% prevista na Lei 13.756/18. Instituir o IS sobre esse setor é uma medida desnecessária e potencialmente prejudicial. É crucial que a reforma tributária leve em consideração a necessidade de um equilíbrio entre a arrecadação fiscal e a manutenção de um ambiente de negócios competitivo e seguro, garantindo assim a sustentabilidade e o crescimento saudável desse setor promissor.
Rafael Marchetti Marcondes
Diretor jurídico e regulatório do IBJR – Instituto Brasileiro de Jogo Responsável