A regulamentação do setor é recente. O Ministério da Fazenda baixou as regras em maio de 2024 e deu prazo até 31 de dezembro deste ano para que as casas de apostas sejam regularizadas.
A licença nacional – emitida pela Fazenda –, custa R$ 30 milhões e tem duração máxima de cinco anos, segundo portaria publicada em 21 de maio deste ano. A estadual, emitida pela Loterj no Rio de Janeiro, custa R$ 5 milhões e também tem prazo de cinco anos, segundo edital publicado em 26 de abril de 2023.
Muitas empresas ainda não têm uma licença para operar no Brasil. É o caso da Betano, que comprou os naming rights do Brasileirão de 2024 e tem a marca exibida em todos os jogos do campeonato. O site da empresa está fora do ar para quem tenta acessar do Rio.
A empresa diz que conseguiu uma liminar para voltar a funcionar, mas segundo documento obtido pelo Poder Sports MKT, o pedido da bet foi atendido parcialmente. O juiz Rodrigo de Godoy Mendes, da 7ª Vara do Rio, suspendeu apenas o processo administrativo sancionatório (pelo qual o governo do Rio pode punir a empresa) e não o bloqueio.
De acordo com a Loterj, além do bloqueio do site, a Betano e demais empresas ainda não cadastradas não poderiam ter suas marcas estampadas em uniformes dos clubes nem em placas de publicidade em estádios do Rio. Isso deve afetar diversos contratos de publicidade. O Brasileirão conta atualmente com quatro equipes do Rio, incluindo o líder Flamengo e o vice-líder Botafogo, além de Fluminense e Vasco.
O presidente da Loterj, Hazenclever Cançado, declarou ao Poder Sports MKT que a maioria das agências de publicidade não cumpre a ordem, mas que todas foram notificadas:
“Seria obrigação nossa que todas [as agências de publicidade] já estivessem notificadas. Se alguma não está notificada, é porque ela está low profile e ainda não foi localizada”.
“Os clubes já estão notificados e no Rio eles só podem trabalhar com publicidade nas camisas deles e nos estádios com as empresas credenciadas pelo Rio, pela Loterj ou pela União”, afirmou Cançado.
Dos quatro clubes do Rio na Série A, apenas o Flamengo é patrocinado por uma “bet” regularizada no Estado: Pixbet. O contrato do clube com a empresa é o maior do futebol brasileiro. Vale R$ 105 milhões só em 2024.
Os outros 3 clubes são patrocinados por:
Vasco (Betfair) – R$ 47 milhões em 2024;
Botafogo (Parimatch) – R$ 27,5 milhões em 2024;
Fluminense (Superbet) – 42 milhões em 2024.
Betfair, Parimatch e Superbet não estão regularizadas no RJ. A Loterj notificou Vasco, Botafogo e Fluminense em 20 de maio. Solicitou que os clubes parassem com as propagandas voltadas à “atividade lotérica não credenciada no Estado do Rio de Janeiro”.
A notificação assinada por Cançado também cita sites e produtos oficiais. O Flamengo também foi notificado, embora a Pixbet esteja credenciada junto à Loterj.
Brax foi notificada
Uma das agências que descumpriu a ordem da Loterj é a Brax Sports Assets. A empresa detém os direitos de exploração de placas de publicidade nos estádios de 17 clubes da Série A e negocia cotas de patrocínio com seis casas de apostas não credenciadas no Estado do Rio:
Betano;
Betnacional;
Superbet;
1Xbet;
Aposta Ganha;
Bet7k.
A empresa foi notificada ao menos duas vezes para interromper a exibição de propagandas de casas de apostas não cadastradas junto à Loterj.
A 1ª foi em 8 de dezembro de 2023: “Fica a vossa senhoria notificada a cessar a divulgação de publicidade ou propaganda a todo e qualquer sítio eletrônico ou aplicativo que oferte produtos ou apostas de modalidades lotéricas no âmbito do Estado do Rio de Janeiro sem a outorga da Loteria do Estado do Rio de Janeiro – Loterj, no prazo de 48 horas, sob pena de aplicação das sanções previstas no art. 12 do referido diploma”.
A empresa voltou a ser notificada em 26 de março de 2024. Foi informada a respeito da instauração de um “processo administrativo sancionatório”, que pode resultar em punições como:
advertência;
multa que varia de R$ 50.000 a R$ 2 bilhões;
sanção administrativa, como a proibição do exercício das atividades.
Levantamento do Poder360 mostrou que os contratos de publicidade da Brax com clubes brasileiros e a CBF para exploração comercial das placas de publicidade jogos passam de R$ 2,6 bilhões.
Em nota ao Poder Sports MKT, a Brax disse que entende não haver irregularidades na exposição de marcas não cadastradas junto à Loterj, já que, segundo a lei que regulamentou as apostas esportivas no Brasil, as empresas têm até 31 de dezembro de 2024 ano para se adequar às regras.
Licença nacional x estadual
Segundo a Loterj, a licença para operar no Estado permitiria não só a atuação no Estado, como também a atuação nacional, assim como a emitida pelo Ministério da Fazenda – cuja outorga é de R$ 30 milhões.
“Nossa operação física estilo raspadinha e prêmios, essa é dentro do limite do Estado do Rio de Janeiro. Nosso online – apostas esportivas e cassinos online – não tem limite no Estado do Rio de Janeiro. É nacional. Hoje então a outorga é de R$ 5,2 milhões para exploração em nível nacional”, disse Hazenclever Cançado.
O Poder Sports MKT teve acesso, a um livreto que a Loterj distribui a empresas interessadas em atuar no Rio de Janeiro que reforça a tese de que o credenciamento teria abrangência nacional.
A Fazenda notificou o governo do Rio em 21 de março de 2024. Pediu que a Loterj interrompa o credenciamento das bets.
A Loterj confirmou que foi notificada e respondeu ao ofício em 5 de abril. No documento enviado à Fazenda, disse não haver invasão de competências e que está amparada por uma decisão de 2020 do STF (Supremo Tribunal Federal), que entende que a exploração de loterias não é competência privativa da União.
O órgão afirmou também que sua atuação se limita ao Estado do Rio de Janeiro. “Não se constata no caso do edital desta autarquia qualquer violação ou trespasse do limite territorial de sua competência”, afirmou.
“A prerrogativa material e dos Estados de explorar e regulamentar as atividades lotéricas em seus territórios – observada a legislação federal –, considera-se ponto pacífico que cabe ao Estado do Rio de Janeiro, por sua autarquia devidamente constituída, regular esse serviço no âmbito estadual”, escreveu a Loterj.
Em nota enviada ao Poder Sports MKT, o Ministério da Fazenda afirmou que os Estados têm liberdade para regulamentar seus respectivos territórios, mas “qualquer prestação de serviço em âmbito nacional, sem autorização federal, será ilegal”.
O prazo para o credenciamento no Estado vai até 13 de agosto –podendo ser prorrogado. Até 29 de julho, só 5 bets operavam segundo as regras da Loterj no Rio de Janeiro:
Apostou RJ;
Bestbet;
Marjosports;
Pixbet (patrocinadora máster do Flamengo);
Rio Jogos.
Outras duas empresas começam a operar em agosto:
Blaze;
Caesars Sportsbook/BiG Brazil.
As bets que priorizaram o credenciamento nacional não poderão atuar no Rio de Janeiro enquanto não obtiverem a licença estadual. “Enquanto ela tiver pedido na nacional, ela não pode entrar aqui. A partir do momento que ela tiver licença e estiver licenciada, ela também está legalizada aqui [no Rio de Janeiro”, afirma Cançado.
Entenda o bloqueio das bets
A sanção foi aplicada pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) depois de ordem judicial a pedido da Loterj. O bloqueio afetou pelo menos 115 empresas do setor.
A Loterj conseguiu, no fim de junho, uma decisão na Justiça para tirar do ar os sites de casas de apostas sem registro oficial para operar no RJ. Entende que as empresas devem se cadastrar no sistema estadual.
A autarquia se baseou em um decreto estadual sobre a regulamentação de apostas editado antes da aprovação da lei, pelo Congresso Nacional, que regulamenta as apostas esportivas no Brasil (14.790 de 2023). O texto estabelece que, no Rio de Janeiro, é a Loterj quem fiscaliza o setor.
Na época, vigorava uma Medida Provisória (1.182 de 2023) que versava sobre o assunto. Tanto a lei em vigor quanto a MP de 2023 diziam que a Fazenda é responsável por fiscalizar a atuação dessas empresas e conceder novas licenças.
“As apostas de quota fixa serão exploradas em ambiente concorrencial, mediante prévia autorização a ser expedida pelo Ministério da Fazenda, nos termos desta Lei e da regulamentação de que trata o § 3º do art. 29 da Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018.”, diz o Art. 4º da Lei 14.790 de 2023.
Empresas criticam o bloqueio
A ANJL (Associação Nacional e Jogos e Loterias), que representa 17 casas de apostas, afirmou ao Poder360 que posição da Loterj vai contra a lei que regulamente o setor no país. Também citou que o prazo de regulamentação vai até o fim do ano.
“A determinação de suspensão dos sites ocorreu sem que as empresas jamais tenham sido ouvidas seja no processo judicial, seja pela Anatel, em uma fase em que o mercado se encontra sob processo de regulamentação no Brasil, com um prazo de transição garantido nacionalmente às operadoras até 31.dez.2024”, afirmou.
A associação afirmou também que a situação provoca insegurança jurídica e que, apesar de a jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal) dizer que a exploração de loterias não deve ser monopólio do Poder Federal, a regulamentação cabe à União.
O que dizem os envolvidos
O Poder Sport MKT procurou Botafogo, Fluminense e Vasco por meio de e-mail e mensagens de texto para perguntar o motivo de a ordem da Loterj não ter sido cumprida. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. O texto será atualizado caso uma manifestação seja enviada a este jornal digital.
A Betano informou que não irá se manifestar.
A Brax disse não haver irregularidades em sua atuação.
Fonte: Poder360