VIE 27 DE DICIEMBRE DE 2024 - 04:57hs.
Opinião dos advogados do escritório Pinheiro Neto, na Folha

Cadeia de fornecimento das bets e tributação: uma aposta no nearshoring

Estar próximo da cadeia de consumo em uma atividade econômica pode ser o segredo para o sucesso do ponto de vista tributário. Para os advogados João Rafael Gândara, André Santa Ritta e Maria Eduarda de Andrade, do escritório Pinheiro Neto, os fornecedores das bets deveriam se fixar no Brasil para minimizar os efeitos dos impostos. Os benefícios de estruturas locais para mitigar o peso do tributo sobre suas atividades reduzem para cerca de 15% a carga total.

Com o avanço da regulação da atividade de exploração de apostas de quota fixa no Brasil, o mercado tem visto uma movimentação considerável de operadores para se estabelecerem no país e conseguirem sua autorização até o fim do ano, de modo a estar em condições de operar regularmente a partir de 1º de janeiro de 2025. Contudo, para além de observar as normas regulatórias, cambiais e tributárias, os operadores devem estar atentos a uma questão extremamente relevante: a situação de seus fornecedores.

Para viabilizar as ofertas de apostas online, as operadoras, que estão em grande parte atualmente domiciliadas no exterior, valem-se da contratação de licenças de uso de software e de serviços de outras empresas também situadas fora do Brasil. No entanto, com os operadores agora vindo a se estabelecer aqui, a importação de todos esses serviços pode ter um custo tributário proibitivo.

As operadoras no Brasil podem vir a ter que pagar nada menos do que seis diferentes tributos sobre os valores pagos a seus fornecedores no exterior:

(i) IRRF de 15 a 25% sobre remessas ao exterior para remunerar a prestação de serviços;

(ii) PIS-Importação, de 1,65%;

(iii) Cofins-importação de 7,6% sobre serviços importados;

(iv) CIDE, de 10% sobre contratos com transferência de tecnologia, de serviços técnicos ou de assistência técnica;

(v) ISS de 2 a 5% sobre serviços importados; e

(vi) IOF/câmbio de 0,38% sobre remessas em moeda estrangeira.

Como os fornecedores no exterior normalmente exigem o recebimento do seu preço líquido de tributos, isso significa que, além do valor do serviço, o contratante no Brasil acaba arcando com uma carga de mais de 60% do preço em tributos. Isso, na prática, pode afetar significativamente o desenvolvimento das atividades das bets no país.

Além da carga tributária sobre a importação de serviços, o setor já é onerado por uma elevada tributação sobre os rendimentos dos operadores, abrangendo:

(i) 12% sobre os rendimentos brutos do jogo ("GGR");

(ii) 34% de IRPJ e CSLL sobre o lucro das operadoras;

(iii) 9,25% de PIS e COFINS sobre a receita bruta; e

(iv) 2 a 5% de ISS sobre o preço do serviço, isso sem mencionar as elevadas taxas cobradas pelas autoridades locais apenas para obterem sua autorização para operação.

No contexto da reforma tributária, há de se considerar a previsão de CBS e IBS sobre as receitas de concursos de prognósticos e também a possibilidade de incidência do imposto seletivo sobre esse tipo de atividade, que segue em tramitação no Congresso.

Nesse cenário, nos parece que a solução para viabilizar o desenvolvimento do setor de apostas no país seria propiciar as condições para o ingresso conjunto dessa cadeia de fornecedores também no território nacional.

Pode estar próximo de ocorrer no Brasil algo muito semelhante que se passou nas décadas de 1950 e 1960, com a chegada ao Brasil das principais multinacionais do ramo automobilístico. Não houve apenas a vinda das fábricas de automóveis, mas o ingresso conjunto de todo um complexo industrial que integrava a cadeia de fornecedores desses mercados (fabricantes de autopeças, pneus, vidros etc.).

De forma mais contemporânea, no mundo pós-pandemia, observa-se também o fenômeno denominado de "nearshoring", com as reestruturações das cadeias globais de produção, de modo a transferir negócios localizados em países mais afastados, para centros localizados em mercados mais próximos do consumidor final.

Caso os fornecedores das bets sigam essa tendência e venham a se estabelecer no Brasil, poderão se beneficiar de uma série de estruturas locais que podem mitigar consideravelmente o peso do tributo aplicável sobre suas atividades, podendo chegar a valores em cerca de 15% de carga tributária total.

Sabemos que muitas empresas estrangeiras por vezes têm o receio de investir no Brasil, em função das conhecidas críticas relativas à burocracia e à complexidade tributária. No entanto, é preciso destacar que o Brasil é uma das maiores economias e democracias do mundo e um dos países que mais tem atraído investimento direto estrangeiro nos últimos anos, segundo dados da OCDE.

É verdade que o país invariavelmente alterna momentos de euforia com descrença econômica, mas se há algo de constante que se pode observar nos últimos anos é o crescimento do mercado brasileiro de aposta online, que vem ganhando cada vez mais corpo com a progressiva regulação estatal sobre a atividade.

O Brasil já é considerado o terceiro mercado mais relevante de aposta do mundo, o que está atraindo muitas operadoras internacionais a se estabelecerem no país. Que a carga tributária no Brasil sobre produtos e serviços importados seguirá alta, também é uma constante que se verifica ao longo dos anos no país e não há a menor tendência de alteração nesse cenário, ainda mais com a pressão fiscal existente para elevação da arrecadação para cumprimento de metas de equilíbrio fiscal.

Se há sempre riscos envolvidos em se investir em um país, a verdade é que ficar fora do Brasil nesse momento, pode significar ficar fora desse jogo. Nesse cenário, estar bem estruturado do ponto de vista fiscal e empresarial para atender o setor no Brasil parece ser a melhor aposta. Como já disse certa vez um lendário jogador de hóquei: "Você perde 100% das tacadas que você não dá".

João Rafael Gândara
Sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados

André Santa Ritta
Associado do escritório Pinheiro Neto Advogados

Maria Eduarda de Andrade
Associada do escritório Pinheiro Neto Advogados