LUN 3 DE MARZO DE 2025 - 09:10hs.
Davi Tangerino e Victor Labate, advogados

O papel das bets no reporte de operações suspeitas de lavagem de dinheiro

A Portaria nº 1.143/2024 regulamenta a prevenção à lavagem de dinheiro em apostas esportivas, exigindo que operadores adotem uma abordagem baseada em risco para identificar e reportar transações suspeitas ao Coaf. Neste artigo para o Jota, os advogados Davi Tangerino e Victor Labate, do escritório Davi Tangerino, apontam a importância da comunicação de práticas atípicas para que as empresas sejam preservadas no novo mercado regulado.

A regulamentação das atividades de gerenciamento de apostas esportivas foi reforçada por meio da Portaria n.º 1.143, de 11/07/2024 – editada pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF) – que cuidou de desenhar os contornos mínimos das “políticas, procedimento e controle internos de prevenção à lavagem” a serem implementadas pelos agentes operadores de apostas.

Adotando o novo paradigma regulatório baseado em risco (risk-based approach), a Portaria atribui aos operadores de apostas o papel de “definir a matriz de risco utilizada para sua gestão” (art. 14, §1º), levando em consideração o perfil de risco inerente ao seu modelo de negócios, produtos e serviços oferecidos, além do risco representado pelos usuários das plataformas, seus colaboradores e terceiros com quem estabelece relações comerciais.

O resultado de um programa corretamente implementado será a detecção e pronta comunicação de operações com aparência de lavagem de dinheiro ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão criado com a promulgação da Lei n.º 9.613/98 como uma Unidade de Inteligência Financeira (UIF) dotada de certo grau de independência com relação às instâncias investigativas e judiciais.

Após sucessivas alterações estruturais, desde janeiro de 2020, o Coaf se encontra vinculado ao Banco Central (Bacen), mas mantendo sua autonomia operacional para o desenvolvimento das atividades de regulamentação, investigação e sanção de condutas que indiquem a prática de lavagem de ativos junto a setores sensíveis da economia (citando-se exemplificativamente, o mercado de obras de arte e artigos de luxo, o setor bancário e, agora, o setor de apostas).

Diz-se setores sensíveis à prática de lavagem em razão de exercerem atividades ou oferecerem serviços tradicionalmente utilizados para o escamoteamento da origem ilícita de valores e bens e em face dos quais são exigidos deveres específicos de identificação de clientes e terceiros e reporte de operações atípicas.

A exemplo do citado mercado de obras de arte e artigos de luxo, sua utilização para fins de lavagem decorre da possibilidade de movimentação e ocultamento físico dos bens oriundos de atividade criminosa associada ao elevado valor subjetivo no seu processo de precificação.

O uso do setor bancário, por sua vez, por viabilizar a transferência remota de altas montas de valores. Agora, com a regulamentação das atividades de apostas esportivas, o foco de atenção se volta às bets em razão da possibilidade de eventual apostador, partindo de dada taxa probabilística, justificar o ingresso do prêmio em seu patrimônio legal e, ao assim fazê-lo, mascarar eventual origem ilícita da quantia que foi apostada.

É visando coibir essa instrumentalização dos agentes operadores de apostas por terceiros para realização de atos de lavagem, por meio da uniformização dos parâmetros de identificação de clientes e terceiros, bem como estabelecendo standards para comunicação de operações suspeitas, que a SPA editou a Portaria n.º 1.143, cujas regras devem ser implementadas sob risco de sanção desde o último dia 1º.

Assim, compete aos operadores qualificar e classificar os perfis de usuários de sua plataforma (art. 16), partindo de sua própria matriz de risco de exposição à prática de lavagem, compreendendo a análise de compatibilidade do perfil econômico-financeiro do apostador com suas movimentações, bem como seu eventual enquadramento como pessoa exposta politicamente (PEP), sujeito a maior escrutínio por parte dos agentes operadores.

Baseadas nesses critérios, compete também aos operadores monitorar e analisar operações, com especial atenção àquelas sem fundamento econômico ou legal para sua ocorrência, incompatíveis com as práticas de mercado ou que, por qualquer outra razão, denote a prática de lavagem de ativos ou financiamento ao terrorismo, para posterior comunicação ao COAF na hipótese de constatação de “indícios de prática de LD/FTP” (art. 27).

Na Europa, o modelo de regulamentação PLD/FTP baseado em risco já é implementado desde a edição da 4ª Diretiva da União Europeia de Prevenção à Lavagem – Diretiva [EU] 2015/849, cuja transposição integral ao direito nacional dos Estados-Membros se tornou obrigatória desde janeiro de 2020.

A experiência destes países tem evidenciado a necessidade de maior grau de transigência por parte da autoridade fiscalizadora na imposição de sanções decorrentes de possíveis descumprimentos dos deveres de identificação e reporte pelos operadores, sob risco de, ao justificar uma crescente responsabilização das plataformas nessa maior discricionaridade conferida ao setor privado, ocasionar um fenômeno de “supernotificação” por parte das entidades reguladas.

Sob receio de responsabilização, os operadores diminuirão seus parâmetros internos para constatação de indícios de lavagem, elevando o volume de comunicações de operações atípicas feitas ao Coaf.

Na Europa, esse fenômeno de “supernotificação”, além de uma elevação dos custos de operação do setor privado, a quem já competirá adequar suas estruturas institucionais, realizar aprimoramentos em TI, treinamento de pessoal e reforço dos times de compliance para fins de cumprimento, e também da Administração Pública, que deverá dispensar cada vez mais recursos para fazer frente ao crescente número de comunicações, é associado também a uma redução da capacidade de triagem e investigação de situações típicas de lavagem e financiamento ao terrorismo por parte da UIF.

Tal fenômeno é usualmente explicado com recurso à fábula do “menino e o lobo”, em que, analogamente, o aumento do volume de comunicações levará a um natural descrédito do material recebido pela unidade de inteligência financeira.

Davi Tangerino
Sócio do Davi Tangerino Advogados e professor da UERJ

Victor Labate
Advogado no Davi Tangerino Advogados