
Elas estão em todo lugar. Nas camisas dos times de futebol, nos nomes dos campeonatos, nos outdoors, na televisão, nos sites, nos vídeos no YouTube e nas redes sociais. Para onde se olha, lá está uma propaganda de uma casa de apostas esportivas. Pudera. Estima-se que o mercado de jogos online tenha movimentado mais de 100 bilhões de reais no Brasil em 2023 — dinheiro que, segundo pesquisas, deixou de ir para o consumo de bens essenciais, como alimentos, e foi gasto inclusive por beneficiários de programas sociais como o Bolsa Família — e cerca de 5?000 empresas disputam esse bolo que continua a crescer a olhos vistos. A concorrência é tão acirrada que 39 dos quarenta clubes das Séries A e B do Campeonato Brasileiro de futebol são patrocinados por companhias do setor, com valores de contrato até três vezes maiores que os acordos anteriores.
O Brasil se tornou um dos principais mercados do mundo para as apostas online. De acordo com uma pesquisa divulgada em outubro do ano passado pelo Instituto DataSenado, entidade ligada ao Poder Legislativo, mais de 22 milhões de pessoas fizeram uma aposta naquele mês no país, sendo que a maioria dos apostadores (56%) são da faixa de 16 a 39 anos.
O mais impressionante? A indústria dos cassinos digitais está saindo da adolescência desregrada e inconsequente para, desde o primeiro dia de 2025, quando entrou em vigor a sua regulamentação completa no Brasil, entrar em uma era de ainda mais crescimento. “Estávamos vivendo uma terra sem lei nesses últimos anos”, afirma Fellipe Fraga, executivo que comanda os negócios da EstrelaBet. “Agora, vamos ter um ambiente maduro, com os maiores players do mundo, segurança para as empresas e apostadores, e a tendência é que o mercado cresça vertiginosamente”.
A explosão das apostas esportivas tem como marco zero uma lei sancionada em 2018 pelo então presidente Michel Temer, que legalizou as chamadas apostas de cota fixa, ou seja, relativas a eventos reais ou virtuais em que, no momento de sua realização, está definido o prêmio em caso de acerto do prognóstico. O texto exigia que o Ministério da Fazenda regulamentasse a modalidade em até quatro anos, mas a pressão de parlamentares da bancada evangélica impediu qualquer avanço nesse sentido durante o governo Bolsonaro.
O resultado foi o contrário do esperado pelos opositores do jogo: tirado da ilegalidade, mas sem regras que o ordenassem, o mercado foi inundado por sites operados em sua maioria de localidades como Curaçao, Gibraltar, Malta e Reino Unido (que permitem que cassinos on-line atuem no além-mar). Sem regulamentação, empresas mal-intencionadas recusavam saques dos consumidores, ofereciam jogos viciados, cancelavam apostas vencedoras, entre outros golpes, sem risco de sofrerem consequências.
Com a intenção de corrigir essa distorção — e aumentar a arrecadação —, o governo Lula enviou ao Congresso um novo projeto de lei no ano passado para tributar empresas e apostadores e definir regras de exploração do serviço.
As normas foram sendo publicadas ao longo de 2024, para entrar em pleno vigor no primeiro dia de 2025. Para operar legalmente agora, as empresas interessadas precisavam ter se cadastrado junto à Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF) até 20 de agosto, respeitando o prazo de 150 dias para avaliação.
Duzentas e setenta e uma empresas solicitaram licença à pasta, das quais 106 tiveram os pedidos avaliados até o fechamento desta edição. Foram concedidas 69 licenças, sendo catorze definitivas e 55 provisórias — algumas sob liminar da Justiça. Elas precisaram pagar uma outorga de 30 milhões de reais, o que dá direito a operar até três marcas no país — por enquanto, estão registradas 153 casas.
Além disso, é necessário depositar 5 milhões de reais em uma conta-garantia para a eventualidade de uma falha ou uma corrida de saques que deixe a empresa sem liquidez para pagar os prêmios.
As companhias devem ser incorporadas no Brasil, com responsável legal em solo nacional, e apresentar patrimônio líquido mínimo de 30 milhões de reais. Esse é o piso exigido para que operem.
Mas como, exatamente, funciona uma empresa dessas? Grosso modo, o setor hoje pode ser dividido em três grandes grupos. As maiores casas são integralizadas, ou seja, desenvolvem a própria tecnologia de jogos, calculam suas odds (o prêmio que se paga para cada aposta) e fazem o próprio atendimento ao cliente. Só usam serviços de terceiros para funções que não podem ser feitas internamente, como meios de pagamento, certificação da idoneidade de seus jogos e análise de risco (o trabalho de prevenção e investigação de fraudes e manipulação de apostas). A maioria delas atua em vários países, têm ações listadas em bolsas de valores ou são de propriedade de grandes fundos de investimento.
O segundo grupo engloba companhias que compram os jogos de cassino e as plataformas de prêmios e apostas de grandes multinacionais, mas têm em seus quadros equipes de marketing e de serviço de atendimento ao consumidor.
A terceira categoria abrange as chamadas white-labels, empresas que às vezes não passam de trinta pessoas e que entregam toda a operação a companhias estrangeiras, responsabilizando-se apenas pelas áreas legal e financeira. Até o ano passado, algumas operações eram feitas por quatro ou cinco pessoas que trabalham dentro de suas casas ou em escritórios improvisados.
É claro que cada empresa tem as suas particularidades, mas o setor, apesar de recente no Brasil, já é bem maduro no resto do mundo e opera de forma parecida. As apostas esportivas são o grande chamariz do público (muitas casas também ofertam odds em eleições, prêmios no entretenimento como o Oscar, e até nos ganhadores do Big Brother), mas elas respondem por 30% da receita — os 70% restantes vêm do cassino online.
Cerca de 90% do dinheiro que entra na empresa volta na forma de prêmio para as apostas vencedoras, e 10% ficam como receita bruta, que a indústria chama de GGR (gross gaming revenue, na sigla em inglês). Quando se estima que o mercado movimentou mais de 100 bilhões de reais num ano, isso significa que 90 bilhões voltaram em forma de ganhos para quem venceu suas apostas, e 10 bilhões entraram de fato para os cofres das companhias.
Os custos de operação variam enormemente, principalmente se levarmos em conta que as maiores empresas têm presença em vários países, desenvolvem sua própria tecnologia e carregam uma folha salarial com milhares de pessoas.
Uma white-label pequena desembolsa entre 50.000 e 100.000 euros (de 315.000 a 630.000 reais) para contratar todos os serviços de aposta, mais uma taxa mensal de 5% a 6% sobre o GGR. Quando se soma o investimento na burocracia para botar a empresa de pé, conseguir as licenças e estabelecer a estratégia de marketing e aquisição de clientes, a cifra mínima para abrir uma casa era de 4 milhões de reais antes da regulamentação. Agora, com as obrigações junto à SPA, mais todos os sistemas de segurança e compliance, é difícil desembolsar menos de 100 milhões de reais para criar um cassino do zero. Isso sem contar o marketing: Flamengo, Corinthians e Palmeiras, por exemplo, vão receber mais de 100 milhões de reais por ano de seus patrocinadores Pixbet, Esportes da Sorte e Sportingbet, respectivamente.
Para o público, a principal mudança com a regulamentação é o aumento na segurança da aposta. As bets estavam entre as companhias com mais denúncias no Procon e no Reclame Aqui nos últimos anos, quase sempre de consumidores que não conseguiam sacar seus ganhos, já que as empresas estavam no exterior e simplesmente não havia nada que as autoridades pudessem fazer a respeito. Nem sequer o dinheiro estava no país, já que a maioria das empresas remetia os recursos por meio de operações de câmbio para fora do país.
Agora, os sites “bet.br” necessariamente estão sediados aqui, e só podem fazer transações por meio de Pix, o que assegura a celeridade dos pagamentos. A lisura dos jogos de cassino e aposta precisa ser atestada por certificadoras registradas com anos de experiência e reputação internacional ilibada. A exigência de reconhecimento facial para depósitos e saques impede que hackers (ou filhos menores de idade com acesso ao celular dos pais) subtraiam recursos dos usuários.
E todas as apostas são registradas em tempo real no Sigap (Sistema de Gestão de Apostas do governo federal), para prevenção de lavagem de dinheiro, monitoramento de esquemas e fraudes, e até liquidez das empresas. “O Brasil está muito articulado com os órgãos de controle de outros países, que têm larga experiência no assunto, e a regulamentação está muito mais robusta para garantir a segurança dos apostadores e a lisura das empresas”, diz Magnho de Sousa, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal.
A parte que mais interessa ao governo, porém, são os impostos, que também mudam. Para além dos 2,07 bilhões de reais limpos só em outorgas das bets, o Tesouro também vai recolher dos apostadores 15% de imposto de renda sobre seus ganhos ao final do ano fiscal, e as empresas serão tributadas em 12% sobre a receita, além de uma taxação de 13% a 16% em impostos como CSLL, IRPJ, PIS, Cofins e ISS (enquanto a reforma tributária não entrar em vigor). A consequência mais provável do aumento de custos e obrigações é a diminuição drástica no número de casas operando no país.
A agência reguladora Anatel já derrubou pelo menos 9.600 sites ilegais. E um movimento de fusões e aquisições entre empresas do setor começou a ganhar força no ano passado. “Sem dúvida nenhuma, os ativos que forem relevantes e de boa qualidade sempre vão estar no alvo dos grandes investidores que querem crescer”, afirma Marcos Sabiá, CEO do galera.bet, empresa — parte da Playtech, listada na bolsa de Londres — que adquiriu a F12, do Falcão (ex-jogador de futsal), e a Luvabet (do influenciador Luva de Pedreiro). A Ana Gaming surgiu a partir da compra da Bet7k, CassinoPix e Betvera, agora rebatizadas de 7K, Cassino e Vera. Fez mais barulho a aquisição de 56% do NSX Group, operador da Betnacional, pelo gigante irlandês-americano iGaming Flutter Entertainment, dono do Betfair, por 350 milhões de dólares (mais de 2 bilhões de reais).
Há muita pressão por parte dos empresários, como é natural que aconteça, para que a regulamentação não seja rígida demais sob o argumento de que o aumento dos custos pode jogar parte do público para o mercado ilegal. Mesmo um ambiente maduro como o do Reino Unido, que regulamentou a prática em 2005, ainda observa 6% das apostas acontecendo à margem da lei. No Brasil, há muita reclamação sobre a exigência de reconhecimento facial em cada login — os donos das bets atribuem a essa fricção a diminuição em até 40% das apostas no início de janeiro de 2025, comparado ao primeiro mês de 2024.
O esforço brasileiro para tornar os jogos online mais seguros é bem-vindo e busca evitar os erros da legalização dos bingos nos anos 1990. Eles foram autorizados pela chamada Lei Zico, em 1993, com o objetivo de financiar a popularização do esporte no país. A falta de regras e de uma fiscalização firme gerou uma enxurrada de denúncias de sonegação, lavagem de dinheiro e criação de clubes fantasmas para cumprir a exigência de destinar parte da receita a entidades esportivas.
A Lei Pelé, promulgada em 1998, tentou apertar os mecanismos de controle por meio da Caixa Econômica Federal, que já administrava as loterias, mas o Congresso determinou, em 2000, o fechamento das casas. Muitos estabelecimentos seguiram funcionando graças a liminares, mas um escândalo de corrupção envolvendo Waldomiro Diniz, ex-assessor da Casa Civil do governo Lula, que apareceu em vídeo cobrando propina do empresário Carlinhos Cachoeira para aprovar contratos com a Loteria do Estado do Rio, levou o presidente Lula a editar uma medida provisória proibindo o jogo, em 2004. A banca está aberta de novo, desta vez com regras mais rígidas. Ao que parece, agora é para valer. Quer apostar?
Fonte: Veja