
No dia 21 de março, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) publicou a Portaria 566, com o objetivo de reforçar o combate ao mercado ilegal por meio do bloqueio de contas transnacionais. Só no início de 2025, as casas de apostas não autorizadas causaram um prejuízo estimado em R$ 350 milhões para as operadoras licenciadas e a Receita Federal. A análise da ENV Media identificou que o Pix tem sido amplamente utilizado em plataformas não regulamentadas, o que urge a atenção dos órgãos governamentais.
Pix e o impacto das plataformas ilegais
Em 2024, o Banco Central decidiu entrar no debate, revelando que o volume das apostas no país chegou a R$ 20 bilhões mensais via Pix.
Embora esses cálculos sejam controversos, segundo as Estatísticas de Meio de Pagamento 2024 do BC, com mais de 7 milhões de transações mensais já em janeiro daquele ano, o Pix se consolidou como o meio de pagamento preferido dos brasileiros.
Assim, apesar de o Brasil haver proibido o uso de cartões de crédito — incluindo os benefícios do Bolsa Família — para evitar o endividamento em cassinos e apostas esportivas online, o Pix segue liberado para qualquer transação.
O problema expõe os consumidores a riscos, ainda mais porque as operadoras ilegais ignoram solenemente as políticas de Jogo Responsável.
A maior parte das transações no mercado global de iGaming acontece via PayPal, com cartões de crédito, transferências bancárias e serviços como Google Pay ou Apple Pay sendo opções menos populares. No Brasil, o Pix lidera.
Considerando o volume das transações, o Banco Central já possui dados suficientes para medir o impacto das plataformas ilegais. Assim como foi feito com os cartões de crédito, as transações via Pix para sites ilegais, portanto, também deveriam ser bloqueadas.
Esse bloqueio dificultaria as operações offshore, pois os jogadores precisariam abrir contas no exterior para conseguir apostar, o que tornaria o acesso menos atrativo.
De acordo com a análise da ENV Media, a migração das operadoras licenciadas para o domínio bet.br reduziu drasticamente a sua visibilidade nas páginas de resultados do Google. Por algum motivo aparentemente técnico, o buscador limitou os resultados de buscas das licenciadas a apenas duas posições por consulta.
Em contrapartida, os sites ilegais em domínios .com ganharam destaque. Como resultado, as operadoras brasileiras perderam 79% do tráfego de buscas, o que gerou prejuízos mensais superiores a R$ 575 mil, além de afetar o recolhimento de impostos e o crescimento do mercado regulamentado.
Quanto à tributação, as operadoras licenciadas estão sujeitas a 12% de imposto sobre a Receita Bruta de Jogos (GGR), 15% sobre os ganhos dos jogadores, mais 34% de imposto de renda corporativo, sem mencionar o PIS/COFINS e o ISS. Essa carga supera 50%, enquanto as bets ilegais seguem operando em paraísos fiscais sem pagar tributos para beneficiar o Brasil.
Estratégias de bloqueio de bets ilegais no mundo e no Brasil
O bloqueio de IP, DNS ou URLs de sites de apostas ilegais é a estratégia mais comum em todos os mercados regulamentados. No Brasil, a Anatel utiliza o bloqueio de DNS, o método mais barato e simples para executar as listas de sites a serem banidos que a SPA fornece. No entanto, como também é comum em outros mercados, sempre que um site ilegal é derrubado, outro rapidamente ocupa o seu lugar.
Contudo, abordagens diferentes também obtêm resultados diferentes. A Dinamarca, por exemplo, utiliza um mecanismo de busca que agiliza a detecção e o bloqueio de sites ilegais. Já Grécia, Chipre e Brasil atualizam as listas de bloqueio manualmente. O Chipre, porém, publica a sua lista de bloqueio online para promover a conscientização.
O bloqueio de DNS, portanto, pode ser mais eficaz se combinado a medidas educativas — como mostrar ao usuário o motivo do bloqueio, e não apenas uma página de erro 404.
Assim, apesar da importância do bloqueio de sites, o que realmente pode sufocar as operações offshore é o bloqueio de pagamentos. Ao impedir depósitos e saques, ou cortar o acesso a serviços como PayPal, o mercado ilegal perde força.
Nos Estados Unidos, o bloqueio de pagamentos foi implementado em 2006 pelo Sistema Federal de Reserva. Lá, as instituições financeiras são obrigadas a suspender transações proibidas. Na França, a Autoridade Nacional de Jogos de Azar (ANJ) conquistou o poder de impor bloqueios de pagamento em 2022, tornando o processo mais efetivo que o simples bloqueio de sites.
Enquanto mercados maduros como o dos Estados Unidos empregam estratégias variadas, incluindo o bloqueio de pagamentos e criptomoedas, o Brasil ainda se concentra principalmente no bloqueio de sites. Apenas entre outubro de 2024 e março de 2025, o número de sites offshore bloqueados saltou de 3.440 para 12.500 — um crescimento de 263%.
Por esse motivo, além do bloqueio de sites, o governo também passou a mirar influenciadores que promovem plataformas ilegais. Em janeiro de 2025, a SPA realizou 75 inspeções, das quais 51 envolveram influenciadores digitais.
No mesmo mês, o YouTube anunciou que puniria conteúdos com propaganda de cassinos e apostas ilegais. Em março, porém, a Secretaria Nacional de Apostas Esportivas e Desenvolvimento Econômico (SNAED) identificou 53 contas e 25 canais do YouTube que exibiam vídeos prometendo ganhos falsos para uma grande audiência.
Contudo, as plataformas ilegais continuam proliferando nas redes. Ainda em março de 2025, a equipe de pesquisa da ENV Media identificou mais de 100 vídeos que promoviam plataformas de cassino ilegais ou estratégias falsas de ganho no YouTube. Um deles, que apresentava falsos “hacks” para o jogo Fortune Tiger, acumulava 115 mil visualizações em dois anos.
Principais estratégias contra as bets ilegais
O Brasil já oferece vantagens para operadoras licenciadas, como o uso exclusivo do domínio bet.br. No entanto, problemas de governança das Big Techs — como a dificuldade em identificar conteúdos ilegais — desvalorizam esses benefícios. Por isso, é urgente amplificar essa discussão e pressionar as plataformas por maior responsabilidade.
Além disso, o Brasil pode seguir o exemplo de Chipre e passar a publicar a sua lista de bloqueio para educar a população. Mas o maior desafio está no bloqueio financeiro. No país, é aparentemente mais fácil derrubar sites do que pedir aos bancos e fintechs que suspendam transações.
O Banco Central, como autoridade monetária, precisa ter um papel mais ativo na luta contra o mercado ilegal. O órgão já vem aprimorando o Pix ao excluir chaves de contas irregulares e deveria cooperar diretamente com a SPA para bloquear pagamentos ilegais.
Também é fundamental envolver as fintechs, como o PayPal, que domina o setor de iGaming globalmente. Só assim será possível garantir a legalidade no Brasil.
Como já acontece nos Estados Unidos, o bloqueio de pagamentos — e do Pix em particular — elevaria a segurança dos jogadores e fortaleceria o Jogo Responsável no país. Com isso, o Brasil garantiria um mercado próspero, capaz de gerar benefícios ainda maiores em arrecadação de impostos.
Fonte: Simone do Vale - ENV Media