
As mulheres são cerca de 83% dos 20,3 milhões de titulares do Bolsa Família e são minoria entre apostadores, segundo as principais pesquisas de raio-x do segmento. Levantamento da Futura Inteligência apontou que elas são 30% dos jogadores. Além disso, o volume de recursos aportados nas plataformas é considerado pequeno no universo de apostas online.
A proibição foi antecipada em entrevista ao Estadão pelo secretário de Prêmios e Apostas (SPA), Régis Dudena. A medida foi a saída traçada pelo governo para cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou o veto ao uso de recursos de programas assistenciais em apostas online.
Uma parte do mercado viu o anúncio como positivo para todo o setor de bets. Outros grupos, entretanto, apontam que a decisão é inconstitucional por comprometer o livre arbítrio de um beneficiário de um programa social que não restringe a utilização do auxílio para determinado tipo de produto ou serviço.
O diretor-executivo do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), Fernando Vieira, afirmou que a entidade encara as apostas como forma de entretenimento e não como fonte de renda.
“Entendemos que recursos despendidos em apostas online jamais devem tomar o lugar de recursos básicos utilizados para as necessidades das pessoas – que é a função dos programas sociais, como o Bolsa Família e o BPC (Benefício de Prestação Continuada)”, diz.
“O IBJR acredita que a medida trará maior proteção ao apostador vulnerável, contribuindo para a construção de um ecossistema de apostas sustentável e responsável”.
O IBJR representa algumas das principais empresas de apostas legalizadas. Procurada pela reportagem para comentar a medida do governo, a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), outra organização que defende o interesse de empresas, disse que “apoia todas as iniciativas do governo que têm o intuito de criar regras que incentivem o jogo responsável”.
Especialista em regulamentação de bets, o advogado Gustavo Biglia avalia que o recorte do governo pode ser considerado inconstitucional.
“O governo dá o recurso e não condiciona o que o beneficiário deve fazer. Se assim fosse, teria que restringir para bebida, cigarro, apostas na Mega Sena. Restringir para uma atividade dizendo que ela é malefício vilaniza as casas de apostas, que são modalidade de entretenimento”, disse o sócio do Ambiel Advogados.
Presidente da Comissão de Direito de Jogos e Apostas da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Fabiano Jantalia não vê inconstitucionalidade na decisão do governo que visa a cumprir uma ordem do STF. Ele também considera que o volume de dinheiro das pessoas com menos renda é pouco relevante no cenário de apostas, mas acende o alerta para um possível efeito colateral da medida.
“Qualquer proibição relacionada a pessoas do Bolsa Família, além de não trazer impacto relevante para o mercado de apostas, tende a trazer um efeito muito nocivo. Essas pessoas acabaram sendo empurradas para o mercado informal, marginal. Isso vai colocá-las em situação de extrema desproteção, principalmente do ponto de vista do Direito do Consumidor”, afirmou o sócio do Jantalia Advogados.
O professor de Direito Civil e Direito do Consumidor Jesualdo Eduardo de Almeida Junior considera a iniciativa do governo “constitucionalmente compatível e racional sob a ótica da proteção social”.
“Tais benefícios possuem natureza finalística vinculada à subsistência do núcleo familiar, o que autoriza a imposição de condicionantes pelo Poder Público quanto ao seu uso, em estrita observância ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não se trata de restrição arbitrária, mas de salvaguarda normativa diante de um cenário de vulnerabilidade econômica”, diz.
Informalmente, a avaliação de empresários e advogados ligados a empresas de apostas é a de que a decisão da Fazenda cumpre, principalmente, um objetivo político para o governo. O veto a 20 milhões de beneficiários do maior programa social do País soa como uma ação restritiva, mas impacta pouco o volume de dinheiro movimentado. Em média, cada pessoa recebe R$ 668 do Bolsa Família.
Sob reserva, eles se queixam de que o governo não teve o mesmo cuidado para limitar o dinheiro dos programas sociais para finalidades como jogo do bicho e compra de bebidas alcoólicas. Além disso, considerando toda a composição familiar dos beneficiários, o auxílio alcança 53,8 milhões de pessoas, entre crianças, jovens e adultos, homens e mulheres.
Os cadastros oficiais do programa trazem uma única pessoa por núcleo familiar como titular do benefício, geralmente a mulher. Os outros 33 milhões de atendidos não estão proibidos de apostar.
Fonte: Estadão