VIE 29 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 01:35hs.
Professores Ricardo Uvinha e Rubens Ricciardi

“A regulamentação dos cassinos no Brasil poderia auxiliar na promoção de atividades artísticas”

Em entrevista conjunta, Ricardo Ricci Uvinha, professor titular da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), e Rubens Russomanno Ricciardi, professor titular da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) afirmaram que “caso sejam aprovados os jogos de apostas em dinheiro no Brasil, além de alavancar a economia, os mesmos podem auxiliar de forma substancial na promoção de atividades artísticas locais e regionais, entre estas o nosso Carnaval e a Festa Junina”.

“Por certo há potencial de convênio e também de participação de jovens talentos nos eventos musicais dos cassinos. Uma vez aprovada a atividade no Brasil, saindo do contexto atual de clandestinidade, os cassinos poderiam simbolizar uma importante aproximação com o contexto universitário por conta dos cursos de Lazer e Turismo, Música e Sistemas de Informação, entre outros”, afirmam eles.

Luiz Carlos Prestes Filho: Cassinos, entretenimento, lazer e música. A relação é histórica no Brasil?
Uvinha e Ricciardi
: A música deve ser sempre executada com músicos no palco e ouvintes na plateia porque nenhuma forma de reprodução mecânica substituirá a apresentação musical ao vivo. Antes de sua proibição, em 1946, os cassinos no Brasil contemplavam uma alternativa importante para a atividade musical. Como dizia Aristóteles, “a música nos dá prazer e nos faz pensar”. A condição de entretenimento da arte não pode ser ignorada, ainda mais quando viabiliza espaços permanentes para o mundo do trabalho em música. A tradição dos cassinos costuma contemplar espaços (salas ou teatros) com amplo palco para apresentações musicais, o que viabiliza formações instrumentais e vocais, muitas vezes sinfônicas, com mais de 11 músicos, permitindo, assim, a atuação coletiva e conjunta de dezenas de músicos ao mesmo tempo. Há notícias de que as antigas orquestras, atuantes em cassinos no Brasil, chegavam a ter até 60 músicos. 

Portanto, é uma alternativa fecunda não apenas para compositores, arranjadores e maestros, mas para os músicos instrumentistas e cantores, os quais sempre são em maior número, para que tenham novas possibilidades em seu mundo de trabalho. A relação entre lazer e cassinos é sim histórica no Brasil. A atividade, hoje classificada como “jogos de azar”, constituiu importante elemento de entretenimento no Brasil Império, sendo formalmente interrompida durante o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra. Até então, empreendimentos famosos foram constituídos para servir de alicerce ao desenvolvimento do entretenimento por tal modalidade de jogos, sendo um exemplo emblemático o Palácio Quitandinha, construído em 1944, em Petrópolis, que ainda hoje simboliza importante atrativo turístico da Região Serrana fluminense.

Seria importante, com a regulamentação de cassinos e bingos no Brasil, valorizar as atividades artísticas e dentro dos estabelecimentos?
A exemplo do que já ocorre em cassinos localizados nos navios que navegam em águas brasileiras (e que são autorizados formalmente a funcionar, atraindo um grande interesse por parte de turistas brasileiros), as atividades artísticas podem se consubstanciar como importante elemento atrelado aos jogos de azar, potencializando a tão almejada experiência de lazer e entretenimento. Grandes hotéis brasileiros, como o Copacabana Palace, incentivavam a atividade e recebiam constantemente hospedes ilustres, como Frank Sinatra. Há relatos históricos de grandes performances de Carmem Miranda e Ary Barroso, entre outros, nos palcos do Casino da Urca, antes da proibição da atividade no país, em meados de 1940. A regulamentação dos cassinos no Brasil, além de atrair orçamentos significativos para as cidades-sede destes empreendimentos, poderia se tornar uma opção relevante de entretenimento no lazer da nossa população.

O conteúdo musical brasileiro deveria ter prioridade nos cassinos e bingos?
Por certo, poderia haver lei que contemplasse os repertórios musicais brasileiros enquanto prioritários, com música ao vivo. Importante valorizar os repertórios brasileiros não apenas da atualidade, mas de todas as épocas. O Brasil tem rica produção musical (de compositores brasileiros) desde o período colonial, nos mais diversos gêneros: música sacra, música militar, ópera, música sinfônica e de câmara, tanto instrumental como vocal (com conjuntos de câmara e formação orquestral-sinfônica, envolvendo também cantores solistas e corais). O Brasil possui ainda repertórios musicais populares os mais variados, como o batuque, a modinha e o lundum, desde o século XVIII. Posteriormente, desde o final do século XIX, novos gêneros musicais surgiram, como o samba (inicialmente só instrumental, depois vocal), dobrados de banda, o chorinho, o tango brasileiro, o maxixe, o frevo, moda de viola caipira, repentistas, bandas de pífaros, a valsa brasileira e a bossa nova etc. Toda essa rica produção histórica pode ser revigorada com leis especiais para a atividade musical nos cassinos. Importante, portanto, que essa alternativa profissional não se restrinja a DJs, mas que possa viabilizar e mesmo fomentar o trabalho dos músicos de verdade, atuando ao vivo nos palcos dos cassinos.

Em Las Vegas, Macau, Monte Carlo, Punta do Leste e em Estoril as atividades artísticas têm um papel importante. Como seria no Brasil? Festas como o carnaval e festas juninas poderiam fazer parte do calendário/imaginário de cada estabelecimento?
As mencionadas cidades são conhecidas mundialmente pela qualidade de seus cassinos e por atrair um grande número de turistas que anualmente as visitam, gerando divisas e oportunidade de empregos numa notável cadeia produtiva associada ao turismo, ao lazer e ao entretenimento. Caso aprovada a atividade no Brasil, além de alavancar a economia como mencionado, poderia auxiliar de forma substancial na promoção de atividades artísticas locais e regionais, entre estas o nosso Carnaval e a Festa Junina. Demais atividades de lazer associadas à dança, ao teatro, às artes marciais, aos desfiles de moda e ao circo poderiam complementar este rico cardápio de entretenimento para o frequentador do cassino em localidades pelo Brasil.

As plataformas nacionais de jogos de cassinos e bingos eletrônicos poderiam dar potência para divulgar a música brasileira?
Sim, caso haja uma definição precisa de indústria da cultura e, além disso, uma diferenciação ainda mais clara entre indústria da cultura e arte popular.

Será que as universidades brasileiras poderiam aproveitar os cursos de matemática e computação, design e música para realizar pesquisas sobre softwares para a indústria de jogos?
Os departamentos de música nas universidades brasileiras formam centenas de jovens músicos, ainda mais hoje com a proliferação de corais e orquestras acadêmicas jovens em todo o Brasil. Por certo há potencial de convênio e também de participação desses jovens talentos nos eventos musicais dos cassinos. Uma vez aprovada a atividade no Brasil, saindo do contexto atual de clandestinidade, os cassinos poderiam simbolizar ainda uma importante aproximação com o contexto universitário por conta dos cursos de Lazer e Turismo, Música e Sistemas de Informação, entre outros. Entre os alunos estudantes desses cursos, boa parte seria diretamente beneficiada, com a possibilidade não somente de estágios (e uma futura colocação profissional), mas também se torna um interessante locus para o desenvolvimento de pesquisas com o tema central do entretenimento e suas implicações artísticas.

Fonte: Luiz Carlos Prestes Filho - Diretor Executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre