Uma questão polêmica, que tem força para se tornar cada vez mais rumorosa nos próximos meses, vem agitando os bastidores do Senado e tudo indica que, logo, estará sendo discutida por toda a sociedade. A discussão diz respeito ao projeto que legaliza os jogos de azar no Brasil. O documento já passou pelo Plenário da Câmara e, no Senado, tem um defensor de peso. Trata-se do ministro da Casa Civil, senador Ciro Nogueira.
A questão é delicada e a maioria dos políticos nem gosta de tocar no assunto. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não diz nem sim nem não à proposta. Alguns, porém, não escondem de que lado estão. A bancada evangélica e outros segmentos conservadores não escondem o descontentamento diante da ideia. O presidente da República Jair Bolsonaro já disse que vetará a legalização do jogo caso o Senado aprove o projeto. A questão é realmente delicada e tanto de um lado quanto do outro existem argumentos sólidos a respeito do assunto.
A discussão, que diz respeito ao país inteiro, tem importância especial para o Rio de Janeiro. O estado tem razões sociais, culturais, econômicas e históricas tanto para gostar quanto para não gostar da ideia. O melhor a fazer, nesse caso, é procurar reunir elementos que ajudem a sociedade a formar seu juízo a respeito de um tema tão importante.
Não se trata de uma decisão simples, que possa ser tomada ao sabor das preferências e dos interesses pessoais de cada senador. É preciso justificar cada argumento. Pelo lado negativo, há razões evidentes para se encarar o tema com reserva. A primeira delas é a presença ostensiva do crime organizado na cidade e o risco evidente de que — uma vez legalizado — o jogo passe a servir de fachada lícita para negócios escusos. E ser utilizado para lavar o dinheiro sujo da bandidagem. Também existe o receio que de os cassinos venham a ser utilizados para acobertar a prática de outros delitos e contravenções — como é o caso do tráfico de drogas e da prostituição.
Do outro lado, há uma série de efeitos positivos que os cassinos podem trazer. A começar pelo estímulo ao turismo, passando pela geração de empregos e pelo o impacto positivo sobre a arrecadação de impostos, os defensores da ideia apontam uma série de benefícios para a cadeia da economia criativa que é uma das mais importantes do Rio de Janeiro. O jogo gerará, além das vagas para crupiês, recepcionistas e seguranças dos cassinos, trabalho para músicos, atores, bailarinos e cenógrafos. Garçons, cozinheiros, auxiliares e outros profissionais da gastronomia também serão beneficiados.
Sem a intenção de fazer o papel de advogado de causas perdidas, atrevo-me a dizer que nem os defensores da medida nem os inimigos da legalização dos jogos de azar se apoiam em estudos consistentes para sustentar seus argumentos. Sendo assim, seria fundamental que providenciassem estudos para evitar que as ofensas de lado a lado comecem antes que se chegue ao xis da questão.
O fato é que o tema da legalização dos jogos de azar é delicado e tanto os argumentos contrários quanto os favoráveis à ideia podem ser postos à prova por questionamentos relativamente simples. Os que não querem saber dos cassinos talvez mudassem se ideia se levassem em conta que legalização da atividade tornará mais visíveis as atividades ilegais relacionadas à jogatina. Isso permitiria a fiscalização e o controle sobre o jogo e seus possíveis efeitos colaterais. Além disso, impedir que os cassinos funcionem legalmente não evitará o funcionando dos estabelecimentos clandestinos onde as pessoas podem jogar à vontade.
A imprensa brasileira volta e meia divulga notícias sobre cassinos bem montados, instalados em endereços nobres e equipados com o que existe de mais moderno no mundo da jogatina ilegalmente em diversos pontos do Brasil. Esses estabelecimentos prestam um serviço ilegal, não recolhem um centavo em tributos e não podem ser questionados legalmente caso sejam flagrados tentando ludibriar os jogadores. Além disso, a internet abriga uma infinidade de cassinos on-line. Quem quiser jogar, joga. Isso sem falar no jogo do bicho, que movimenta milhões em todo país e não presta contas para ninguém. Sendo assim, melhor trazer os jogos de azar para a claridade do que mantê-los funcionando às escondidas.
Não são argumentos definitivos — mesmo porque as ideias favoráveis ao jogo também apresentam uma série de rachaduras. Embora acenem com o estímulo ao turismo, com o incremento na geração de empregos e com o aumento da arrecadação, até agora não apresentaram um plano consistente que dê solidez a esses argumentos.
Quantos empregos serão criado em torno da exploração legal do jogo? Ninguém sabe. De quanto será a arrecadação de impostos e qual serão as regras fiscais que pesarão sobre a atividade? Quais serão as medidas concretas que as empresas selecionadas para explorar a atividade terão que adotar para evitar que o tráfico de drogas e impedir que as redes de prostituição atuem nos estabelecimentos? Enquanto não houver respostas claras para essas perguntas simples (que podem ser obtidas com base na comparação com lugares onde o jogo é legal) tudo não passará se suposição.
PATRIMÔNIO CULTURAL
São, como se percebe, questões relativamente simples para que ainda não tenham sido trazidas para o centro do debate. Há outras que, da mesma forma, merecem ser mencionadas e cujas respostas também podem ser obtidas pela comparação com os lugares onde o jogo é permitido.
Qual é, por exemplo, a relação entre a taxa de criminalidade em Las Vegas, a capital mundial do jogo, com a de outras cidades americanas do mesmo porte? Quais são os problemas que o famoso Cassino Estoril gera para a região portuguesa de Cascais? Quantos brasileiros atravessam a cada ano a fronteira com a Argentina para jogar no Casino Iguazu, vizinho à cidade brasileira de Foz do Iguaçu? E no Casino Central, em Mar del Plata, também na Argentina? Ou nos cassinos instalados nos hotéis de Punta del Este, no Uruguai? Se o jogo é tão nocivo assim, por que esses lugares não o proíbem? Se é tão bom, por que outros lugares com potencial turístico que poderiam permitir continuam proibindo a instalação de cassinos?
São, é claro, questões que deveriam ser consideradas e que ajudariam a tornar mais consistente o debate em torno da legalização do jogo — que, se for bem conduzido e bem implementado, pode trazer benefícios importantes. E, no caso do Rio, trazer de volta parte do brilho que havia quando o Cassino da Urca, do empresário Joaquim Rolla — que também era dono do Quitandinha, em Petrópolis — se transformou num dos estabelecimentos mais importantes do show business em todo o mundo.
Em seus palcos brilharam nomes como o de Carmen Miranda, das irmãs Linda e Dircinha Batista, de Emilinha Borba, de Herivelto Martins e muitos outros artistas que marcaram época na noite e na cultura do Rio. Atores como Grande Otelo e Oscarito fizeram ali shows memoráveis. Nomes importantes da música internacional, como Bing Crosby e Josephine Baker, se apresentaram por lá. Vedetes como Virgínia Lane e Mara Rúbia brilhavam nos musicais de Carlos Machado. Todos esses ícones da cultura brasileira devem parte de seu brilho aos cassinos.
Este é um dos lados da história. O outro, como está relatado no livro 'O Rei da Roleta', de João Perdigão e Euler Corradi, editado pela Casa da Palavra, que descreve a trajetória do empresário Joaquim Rolla, é o ambiente de conspiração e de suspeita de corrupção que girava em torno dos cassinos. É, como se vê, um tema sinuoso e rico em detalhes, em torno do qual sobram argumentos, mas às vezes faltam informações que sustentem a melhor decisão. Um tema, sem dúvida, espinhoso que deve ser posto sobre a mesa. Diante da importância do assunto, o pior a se fazer é não discuti-lo e tomar uma decisão que não esteja sustentada sobre fatos.
Nuno Vasconcellos
Empresário luso-brasileiro com uma carreira voltada para a área de telecomunicações, mídia, tecnologia e negócios imobiliários tanto em Portugal como no Brasil. É presidente do portal de notícias IG e mantém no jornal O Dia, do qual é diretor, a coluna dominical Um Olhar Sobre o Rio — com temas relacionados com a vida e a política na cidade e no estado do Rio de Janeiro.
Fonte: O Dia