A discussão sobre a legalização dos jogos de azar no Brasil vem de longa data. Desde a assembleia constituinte se debateu esse assunto, quando, por opção, não constou do texto da Constituição Federal nenhuma vedação à legalização do jogo. Essa opção prenunciava que talvez, algum dia, a sociedade brasileira e as suas instituições estivessem maduras o bastante para que o jogo voltasse a ser legal no país. Parece que esse tempo chegou.
Com a aprovação do PL 2234/2022 pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, a legalização do jogo dá um passo importante para se concretizar no Brasil. A partir da aprovação do projeto no Plenário do Senado e da posterior sanção presidencial, ambas prováveis, teremos a finalização dessa saga jurídica.
No entanto, qualquer previsão sobre quando e como vai se desenvolver, efetivamente, a atividade no país se mostrará precipitada. Há, ainda, muitos passos a serem percorridos, até que efetivamente um cassino venha a funcionar nos moldes de outros países. A legislação é um passo importante, mas não o único.
Há alguns desafios a serem vencidos após a aprovação do projeto. O primeiro e mais importante, na nossa visão, é o governo organizar uma agência reguladora e fiscalizadora da atividade, a exemplo do que acontece em outros países. A atividade precisa ser regulada no detalhe.
Nevada, estado norte-americano no qual fica localizada Las Vegas, por exemplo, possui um escritório de regulação e fiscalização que estabelece regras de funcionamento dos cassinos chamado de Nevada Gaming Control Board (NGCB). Esse ente regulador determina que todos os operadores de jogos, funcionários e fornecedores obtenham licenças para trabalhar nos cassinos. Isso garante que todas as partes envolvidas na indústria de jogos atendam a padrões rigorosos de integridade e competência.
O NGCB também define padrões técnicos para todos os dispositivos de jogos, incluindo máquinas caça-níqueis, para garantir que operem de maneira justa e precisa. Isso inclui especificações para software, hardware e geração de números aleatórios. Também obriga os cassinos a manterem registros financeiros detalhados e enviar relatórios regulares, que ajudam o conselho a monitorar as finanças dos cassinos e garantir práticas contábeis adequadas.
Em Nevada, existem regulamentos para proteger os jogadores, incluindo requisitos para divulgação clara e precisa das regras e probabilidades dos jogos. Os cassinos também devem fornecer recursos para o jogo responsável e lidar com disputas dos jogadores.
O NGCB tem autoridade para investigar e fazer cumprir a conformidade com as regulamentações de jogos. Isso inclui a realização de auditorias, inspeções e investigações, bem como a imposição de multas ou revogação de licenças por violações?. Essas medidas regulatórias ajudam a manter a integridade e a estabilidade da indústria de jogos de Nevada, protegendo tanto os jogadores quanto o interesse público.
No projeto de Lei 2234/2022, em seu art. 7º, está prevista a instituição do Sistema Nacional de Jogos e Apostas (Sinaj), que será constituído pelo Ministério da Economia, operadores de jogos e apostas, empresas de auditoria contábil, entidades de autorregulação do mercado de jogos e apostas, empresas locadoras de máquinas e entidades organizadoras de corridas de cavalos. O parágrafo único desse mesmo artigo autoriza o Poder Executivo a criar uma agência reguladora.
É preciso, a partir da criação dessa agência reguladora, estabelecer as regras de funcionamento dos cassinos. Isso não é uma tarefa simples, notadamente por envolver profissionais capacitados tanto na elaboração da regulação quanto na sua implementação. Só para se ter uma ideia, o compilado de regras da NGCB possui mais de 400 páginas, dispondo de regras minudentes.
O projeto de Lei é adequado para a realidade brasileira e está em conformidade com os padrões de outros países que exploram a atividade. Mas o desafio só está começando. A regulação da atividade por uma agência que possua expertise é o grande gargalo para o bom funcionamento do jogo e aposta no Brasil.
Luciano Andrade Pinheiro
Sócio do Corrêa da Veiga Advogados. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em propriedade intelectual e transferência de tecnologia pela UNB; Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/ DF.
Mauricio Corrêa da Veiga
Sócio do Corrêa da Veiga Advogados. Mestre e Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL); Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Membro fundador da Academia Brasiliense de Direito do Trabalho (ABRADT); Presidente da Comissão de Direito Desportivo do IAB; professor do Master Diritto e Sport da Universidade Sapienza de Roma; membro fundador da Academia Nacional de Direito Desportivo.
Lucas Barbosa Araújo
Graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília (UnB). Associado ao Corrêa da Veiga Advogados. Membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD-Lab) e secretário da Comissão de Direito Desportivo da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Distrito Federal (OAB/DF).