A exploração de jogos de azar no Brasil é proibida desde 1946. A proposta prevê a permissão para a instalação de cassinos em polos turísticos ou em complexos integrados de lazer, como hotéis de alto padrão (com pelo menos 100 quartos), restaurantes, bares e locais para reuniões e eventos culturais.
O texto propõe ainda a possível emissão de uma licença para um cassino em cada estado e no Distrito Federal. Alguns estados teriam exceção, como São Paulo, que poderia ter até três cassinos, e Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e Pará, com até dois cada um, sob a justificativa do tamanho da população ou do território.
A regulamentação dos cassinos já é realidade em diversos países, onde a atividade é devidamente supervisionada e legalizada. Nessas nações, o setor é uma importante fonte de receita, gerando empregos e impulsionando o turismo. Países como Estados Unidos e Portugal, por exemplo, têm mostrado que, quando geridos corretamente, os cassinos podem contribuir significativamente para o crescimento econômico.
Para o ministro do Turismo, a legalização poderia transformar o Brasil em um novo polo de turismo internacional, a ideia é fazer com que os resorts com cassinos integrados possam ser instalados em locais turísticos pouco visitados. Sabino criticou as restrições e chegou a comparar a proibição dos jogos à ideia de impedir o uso de carros devido a acidentes de trânsito.
"O número de acidentes de trânsito nas estradas brasileiras é um número muito elevado, nem por isso nós vamos proibir os veículos automotores no Brasil", disse na última sexta-feira, após abertura oficial do G20 Turismo em Belém (PA). De acordo com ele, a proposta é pensada também para minimizar os riscos de vício.
Para o especialista em direito desportivo e jogos, Felipe Crisafulli, sócio do Ambiel Advogados, a regulamentação dos cassinos e do jogo do bicho segue a mesma lógica da recente regulamentação das apostas esportivas, que está em fase de implementação. "Em vez de o país lutar contra isso e, no fim das contas, ficar enxugando gelo, numa briga de cão e gato, o melhor é regulamentar a matéria e, com isso, auferir receita com a tributação respectiva e proteger os direitos dos jogadores, enquanto consumidores", avalia.
Com regras claras, Crisafulli afirma que o setor de jogos poderia ser monitorado e taxado, gerando emprego e renda. "Assim, as vantagens da regulamentação correspondem, principalmente, ao fato de que essas atividades passariam a estar dentro do estado, em vez de permanecerem na economia paralela. Isso permitirá ao governo federal controlá-las mais de perto, em especial seus operadores e jogadores, além de gerar dinheiro novo ao erário e coibir a prática de determinados delitos, tais quais a lavagem de dinheiro", destaca.
A regularização dos bingos e demais apostas incluiria a criação de dois novos tributos, a Taxa de Fiscalização de Jogos e Apostas e a Cide-Jogos (Tafija) — uma contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a comercialização de jogos.
A advogada criminalista Amanda Silva Santos, do Wilton Gomes Advogados, acredita que a regulamentação seria uma maneira do governo ganhar em impostos hoje perdidos para a ilegalidade. "Além de gerar empregos e movimentar a indústria de turismo, poderá gerar novos investimentos e benefícios econômicos atrelados à arrecadação fiscal e tributária", aponta.
Vício e endividamento
À medida que cresce o mercado de apostas também aumentam os casos de vício em jogos e o endividamento. Uma pesquisa realizada pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) aponta que o Brasil tem uma média de dois milhões de pessoas viciadas em jogos — transtorno chamado ludomania. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o jogo compulsivo é como uma doença, ao lado da dependência de álcool, por exemplo.
A epidemia dos jogos de azar tem mobilizado o governo, que tem elaborado formas de desestímulo ao vício. O Ministério da Fazenda publicou portaria que prevê a exclusão, a partir do próximo mês, de plataformas que não solicitarem autorização formal para operar no Brasil. O chefe da pasta, ministro Fernando Haddad, disse que está se associando ao Ministério da Saúde para tratar a questão.
Segundo o economista Otto Nogami, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), apesar dos possíveis benefícios, a regulamentação dos jogos de azar é questionável. "Há um receio legítimo de que a expansão dos jogos de azar aumente a incidência de problemas como o vício em apostas, que pode levar a problemas financeiros e sociais graves para os indivíduos afetados. Isso poderia ter implicações sociais profundas, como o aumento de dívidas pessoais e a deterioração das condições de vida de famílias afetadas", diz.
Um levantamento recente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apontou que mais de 1,3 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes devido às apostas em cassinos on-line. Foram aproximadamente R$ 68 bilhões gastos em jogos entre 2023 e 2024, o que representa 0,62% do Produto Interno Bruto (PIB) e 22% da massa salarial.
Nogami ressaltou que o debate sobre a legalização e regulamentação dos cassinos e do jogo do bicho no país envolve uma análise cuidadosa. "Embora os potenciais ganhos econômicos e de arrecadação sejam tentadores, é preciso garantir que o país adote uma estrutura de regulamentação rigorosa que mitigue os riscos sociais e garanta proteção aos jogadores vulneráveis", observa.
"A experiência internacional pode servir de guia, mas o Brasil precisa adaptar suas políticas às realidades locais, levando em consideração os riscos de aumento do vício e os impactos sociais a longo prazo", finaliza.
O PL dos jogos de azar foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no fim de junho em placar apertado, com 14 votos favoráveis e 12 contrários. A proposta segue em tramitação na Casa, sem perspectiva de ter a votação finalizada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já sinalizou que deve sancioná-la, se aprovada. Entretanto, o petista afirmou que não é isso "que vai salvar o país" em termos de receitas e geração de empregos.
Fonte: Correio Braziliense