Já estão de olho na chance de abrirem cassinos em pontos paradisíacos e buscam construir suas marcas no país. Dirigentes dessas empresas dizem que o Brasil seguiu um processo inverso ao visto no resto do mundo: legalizou bets antes de ter o mercado de apostas presenciais organizado sob as regras do Estado.
Em paralelo à liberação das apostas na internet, o Congresso voltou a discutir o projeto de lei 2.234/2022, que regulamenta jogo do bicho, corrida de cavalo e cassinos. Trata-se da versão para o Senado do PL 442, aprovado na Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022 após tramitar desde 1991.
O Caesars Palace já tem licença da Loterj para operar com bets no Rio, constrói no momento sua sede em Americana, no interior de São Paulo, e está contratando. Já são 28 funcionários com vínculo direto e a projeção é chegar a 100.
O portal do cassino pretende se diferenciar com oferta de jogos exclusivos e a obrigação de um depósito mínimo alto —"deve ser cerca de R$ 1.000", diz o conselheiro da empresa no Brasil Paulo Morais, mais conhecido por fundar a franquia de estética Espaço Laser.
A Big Brazil, que representa o Caesars Palace no país, tem capital social de R$ 36 milhões, dos quais R$ 30 milhões irão para a Fazenda e R$ 5 milhões ficarão em um fundo de garantia exigido pelo governo. "Para nós, o jogo físico, caso venha a ser regulamentado no Brasil, é um caminho natural que a gente vai seguir para pedir uma licença também", diz o presidente da Caesars Sportsbook no Brasil, André Feldman.
Feldman acompanha o debate pela regulamentação das apostas no país desde 1996, quando começou a se envolver com o Campeonato Mundial de Poker, e representa o cassino americano desde 2019, logo após a liberação das apostas online durante o governo Michel Temer, em dezembro de 2018.
O vice-presidente do Hard Rock Cafe para América Latina, Alex Pariente, que já teve reuniões com a Fazenda, afirma esperar uma estabilização no cenário legal do Brasil antes de anunciar planos. "Estamos avaliando todas as possibilidades no mercado. Seria gratificante trazer a nossa marca também para esse setor quando surgir a oportunidade”.
A prioridade da companhia está, porém, no jogo presencial. "O mercado brasileiro sempre foi muito importante para a Hard Rock International, o país contribui significativamente para o número de turistas que visitam as nossas propriedades nos EUA e outras partes do mundo”.
O MGM Resorts já investiu R$ 54,25 milhões no empreendimento que lançará com o Grupo Globo, a BetMGM. Em publicação no LinkedIn, o presidente-executivo do grupo, Bill Hornbuckle, escreveu que a empresa pretende levar a "autêntica experiência de apostas em Las Vegas ao Brasil”.
Regulamentação de bets no Brasil
O relator do projeto que deve liberar os cassinos, senador Irajá Abreu (PSD-TO), disse à Folha que a discussão sobre as bets não deve atrapalhar o andamento do debate sobre a regularização do jogo presencial. Na avaliação dele, há condições de votar a proposta em outubro, após as eleições. "É um texto já maduro, que tramita há mais de 30 anos".
Depois da chegada do texto à Casa, os senadores trocaram o termo "cassino construído" por "cassino instalado". A alteração permite que os resorts internacionais procurem parceiros já consolidados no Brasil, para adaptarem hotéis em cassinos-resorts, em vez de fazerem empreendimentos do zero.
Assim, as multinacionais economizariam o dispêndio de tempo com licenciamento, encurtando o prazo para início de atuação de cinco anos para menos de um ano, diz o presidente do Instituto Jogo Legal, Magnho José.
A medida, contudo, levanta críticas de especialistas no tratamento da dependência em apostas por aumentar à exposição da população ao jogo. De acordo com o psiquiatra do Programa Ambulatorial do Jogo do HC (Hospital das Clínicas), Rodrigo Machado, os jogos de azar, assim como as drogas, têm maior ou menor potencial viciante.
A loteria, por exemplo, tende a ser menos aditiva, porque a notícia do prêmio demora horas ou dias para chegar. "Os caça-níqueis, por outro lado, trazem um espaçamento muito mais curto entre o ato de executar a aposta e ter o resultado, gerando uma hiperestimulação das vias que processam o prazer no cérebro e gerando, portanto, maior excitabilidade”.
Para ele, os argumentos a favor da legalização do jogo vão na direção contrária dos critérios da saúde e da ciência.
Em audiência pública realizada no Senado em 9 de agosto, Abreu afirmou ter em mãos dez pareceres técnicos de ministérios da atual gestão, como Fazenda e Turismo, favoráveis a legalização do cassino, do jogo do bicho e do bingo. "O projeto, depois de aprovado, será um grande divisor de águas no turismo brasileiro", afirmou Abreu na ocasião.
O secretário nacional de Infraestrutura, Crédito e Investimentos do Ministério do Turismo, Carlos Henrique Sobral, estimou que a aprovação da lei gerará mais de 650 mil empregos e terá um incremento de R$ 74 bilhões na receita do país.
"Vamos ter um investimento de R$ 66 bilhões, mais de 1.000% de aumento de investimento [em turismo]". Hoje, o setor representa 8% do PIB —passaria a 9,2% nas contas de Sobral. Em nota, a pasta do Turismo diz defender a legalização dos cassinos. "A previsão é de um investimento de US$ 1 bilhão em cada empreendimento”.
A Fazenda, por outro lado, pondera os riscos da atividade, como lavagem de dinheiro e danos à economia popular. A saída, segundo o secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Régis Dudena, é um texto que assegure a possibilidade de uma regulamentação responsável e técnica, baseada em dados e evidências e no tempo hábil para que a atividade não venha a se desenvolver sem regras efetivas, como ocorreu inicialmente com a atividade das bets.
O projeto de legalizar cassinos, embora tenha apoio de petistas e bolsonaristas, ainda tem oposição no Senado, encabeçada sobretudo pelo senador Eduardo Girão.
Deputados evangélicos, que perderam na votação do texto na Câmara durante o governo de Jair Bolsonaro, também têm participado das audiências públicas e levado pessoas que relatam dívidas de centenas de milhares de reais.
O projeto
Os cassinos terão de estar integrados a complexos de lazer, como prédios ou embarcações, e deverão estar adequados aos seguintes requisitos:
- Ter hotéis com 100 acomodações
- Shoppings
- Salões para eventos sociais
- E restaurantes
A proposta prevê autorização para até três cassinos-resorts por estado, a depender do tamanho da população da região ou da extensão do território.
- O estado de São Paulo conseguirá instalar três cassinos-resorts, por ter uma população de mais de 25 milhões de habitantes.
- Minas Gerais e Rio de Janeiro têm entre 15 milhões e 25 milhões de habitantes e poderão ter dois cassinos cada.
- Mesmo sem ter população suficiente, Amazonas e Pará também devem instalar dois empreendimentos por causa de uma exceção à regra, que permite mais cassinos para territórios com mais de 1 milhão km².
- Os demais estados e o Distrito Federal só poderão ter um cassino-resort cada.
As empresas precisarão ser credenciadas pelo Ministério da Fazenda para operar seus cassinos pelo prazo de 30 anos, com possível renovação por igual período.
A aprovação do texto também legalizaria o jogo do bicho e do bingo.
Raio-X
MGM Resorts
Fundação: 1986 (como MGM Grand Inc., posteriormente renomeada para MGM Resorts International)
Lucro líquido no último trimestre de 2023: US$ 313 milhões (R$ 1,7 bi)
Valor de mercado: R$ 63,28 bilhões
Área de atuação: Hotelaria, cassinos, resorts, entretenimento e imóveis
Concorrentes: Las Vegas Sands, Caesars Entertainment, Wynn Resorts
Caesars Entertainment (Caesars Palace)
Fundação: 1937
Lucro líquido no último trimestre de 2022: US$ -72 milhões (R$ -392 milhões)
Valor de mercado: R$ 49,2 bilhões
Área de atuação: Entretenimento, hotelaria, cassinos, resorts, apostas esportivas e jogos online
Concorrentes: MGM Resorts International, Las Vegas Sands, Wynn Resorts
Hard Rock Cafe
Fundação: 1971, em Londres
Lucro líquido no último trimestre de 2022: Empresa fechada
Valor de mercado: É propriedade privada da Tribo Seminole da Flórida
Área de atuação: Entretenimento, restaurantes temáticos, hotéis, cassinos e eventos musicais
Concorrentes: Wyndham Hotels, Virgin Hotels, B Hotels
Fonte: Folha