A regulamentação dos eSports é um passo importante para que os jogadores profissionais de campeonatos de Free Fire, League of Legends e outros jogos, conquistem direitos trabalhistas e o apoio de políticas públicas, como bolsas, para se dedicarem à prática.
Sem uma definição clara da constituição federal sobre o tema, as Assembleias Legislativas de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraíba, Paraná, Santa Catarina e São Paulo discutiram o assunto. Alguns dos projetos que passaram por essas Casas Legislativas estão valendo como lei, reconhecida pelos governos estaduais, como é o caso de Goiás.
Outros estados passaram por processos diferentes: aprovaram a regulamentação dos esportes eletrônicos no Legislativo, mas receberam veto do Poder Executivo. É o caso de São Paulo. Os deputados da Assembleia Legislativa (ALESP) aprovaram a regulamentação em 2019, mas ela acabou vetada pelo governador João Doria (PSDB-SP).
A gestão tucana de São Paulo argumentou que o projeto da ALESP era inconstitucional, pois a lei estadual não poderia legislar sobre jogos protegidos por propriedade intelectual. Os direitos autorais estão previstos na Constituição Federal, que não pode ser negada ou atropelada por leis estaduais.
O conflito em São Paulo é apenas um exemplo das dúvidas geradas pela regulamentação da prática esportiva eletrônica. No Ceará, deputados estaduais entraram em conflito e quase foram parar na Justiça durante o debate sobre o tema.
Tudo começou quando o deputado estadual, André Fernandes (PSL-CE), protocolou uma denúncia no Ministério Público acusando o colega Nezinho Farias (PDT-CE) de querer financiar a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) com a regulamentação dos eSports.
De acordo com o parlamentar do PSL, o projeto de lei que reconhecia os esportes eletrônicos, poderia abrir brecha para a regularização do jogo do bicho, usado, segundo o deputado, para lavar dinheiro para as organizações criminosas.
Diante da acusação do colega, o deputado Nezinho precisou explicar ao deputado André Fernandes a diferença entre "jogos de azar", como o jogo do bicho, dos jogos eletrônicos. O caso acabou arquivado e a discussão sobre a regulamentação dos eSports segue sem definição no estado, segundo sistema do Legislativo cearense.
O exemplo do que aconteceu no Ceará mostra, no geral, o desconhecimento e a necessidade de uma regulamentação da prática de esportes eletrônicos de forma profissional no Brasil. Além dos casos de São Paulo e do Ceará, confira como os estados brasileiros debatem e legislaram sobre o tema:
Alagoas
O governo estadual alagoano sancionou, em 2019, o projeto de lei de regulamentação dos eSports de autoria da deputada estadual Cibele Moura (PSDB-AL). A matéria transforma, por lei, os praticantes de jogos eletrônicos no estado em atletas, possibilitando que o estado invista em projetos para fomentar a prática. O texto ainda definiu o dia 28 de junho como o Dia Estadual do Esporte Eletrônico.
Amazonas
A Assembleia Estadual amazonense aprovou, em novembro de 2020, o projeto de lei n°5321, que institui o Dia Estadual do Esporte Eletrônico em 27 de junho. A data faz alusão a fundação da Atari, em 1972. O projeto de lei de autoria do deputado Carlinhos Bessa (PV-AM) ainda reconhece a prática esportiva eletrônica no estado. A matéria foi sancionada pelo governo que agora pode, a partir da proposta, investir em políticas públicas para o fomento dos esportes eletrônicos.
Bahia
A Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) aprovou, por unanimidade, o projeto do deputado estadual Paulo Câmara (PSDB-BA), que não só reconhece as competições eletrônicas como prática esportiva, como também elemento de fomento ao setor turístico e para a geração de emprego e renda. A matéria foi sancionada pelo governador Rui Costa (PT-BA), colocando o estado nordestino na lista de entes da federação que regulamentaram os eSports.
Espírito Santo
Ainda está em discussão na Assembleia Legislativa do Espírito Santo uma proposta que visa a reconhecer os esportes eletrônicos como prática esportiva. O projeto apresentado pelo deputado Dr. Emílio Mameri (PSDB-ES) está parado há mais de 60 dias aguardando uma deliberação do plenário. Como em outros estados, a proposta visa reconhecer a prática legalmente para permitir que o governo estadual invista na difusão e no fomento. Além disso, o texto institui o Dia Estadual do Esporte Eletrônico para o dia 24 de junho.
Goiás
Foi aprovado pela Assembleia Legislativa de Goiás (ALGO), um projeto que não só reconhece a prática esportiva eletrônica, como institui uma política estadual destinada à concessão de bolsas de estudo integral para atletas que desejam ingressar em instituições de ensino que oferecem cursos voltados à prática esportiva. O passo dado pelos deputados da ALGO é audacioso e pode motivar outros estados a garantirem ingresso em faculdades e instituições de ensino, com bolsa para atletas de competições eletrônicas.
Mato Grosso
Os deputados estaduais da Assembleia Legislativa mato-grossense ainda se preparam para analisar um projeto que cria a Política Estadual de Incentivo à Prática Profissional de Esportes Eletrônicos. O projeto é polêmico, pois equipara os atletas profissionais de eSports eletrônicos com os de modalidades de esportes tradicionais. A ideia não só equipara obrigações para quem deseja competir profissionalmente em competições de Free Fire e outros jogos, como também os benefícios.
O texto prevê que atletas de esportes eletrônicos poderão ser financiados e patrocinados por entes públicos, além de criar o Dia Estadual dos Esportes Eletrônicos e do Atleta de Esportes Eletrônicos em 19 de outubro. A data faz alusão a uma das primeiras competições que se tem notícia. Em 1972, a Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, recebeu uma disputa de Space Invaders.
Paraíba
O governo paraibano sancionou uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa do estado (ALPB) que reconhece os praticantes de competições de esportes eletrônicos como atletas. O projeto do deputado estadual Jutay Meneses (Republicanos-PB) se diferencia do que propôs outros estados, por incluir as modalidades do eSports no programa estadual Bolsa Esporte. Na prática, projeto aprovado em 2020, inclui os participantes de campeonatos de jogos no grupo de atletas que podem receber incentivo financeiro do governo estadual para se dedicarem à rotina de treinos e competições.
Paraná
O Paraná é mais um estado a ter uma lei específica de regulamentação para os eSports. O projeto foi elaborado com auxílio de Daniel Cossi, presidente Confederação Brasileira de Desporto Eletrônico (CBDEL) e marca para o dia 27 de junho, o Dia Estadual do Esporte Eletrônico. A data faz alusão a fundação da Atari, assim como no Amazonas. A lei foi proposta pelo deputado estadual Douglas Fabrício (Cidadania-PR).
Santa Catarina
A Assembleia Legislativa catarinense (ALESC) criou uma frente parlamentar para discutir como uma legislação estadual pode fortalecer e fomentar a indústria de jogos e competições eletrônicas no estado. Números do Legislativo apontam que Santa Catarina possui 6% das desenvolvedoras do país e aproximadamente 5% dos profissionais autônomos da área. São ao todo, pelas contas do ALESC, 17 empresas formalizadas e quatro não formalizadas, colocando o estado da região Sul na sétima colocação no ranking brasileiro do setor. O deputado Fabiano da Luz (PT-SC) é o idealizador e coordenador da frente, que, após as discussões, pode apresentar um projeto de lei para reconhecer os esportes eletrônicos no estado.
A importância de legislação para os eSports
A indústria de games como um todo deve gerar US$ 180 bilhões, cerca de R$ 950 bilhões na cotação atual do dólar, somente em 2021. Dados da empresa de análise NewZoo, apontam que o faturamento desse mercado já supera em até sete vezes a receita gerada anualmente pelas indústrias do cinema e da música.
O Brasil surge nesse cenário como um celeiro de talentos, influenciadores e uma torcida imensa para as modalidades competitivas de games como Counter-Strike, Free Fire e League of Legends. A estimativa é que mercado brasileiro de jogos reúna 12 milhões de torcedores ocasionais e mais de 9 milhões de um público entusiasta, formando a terceira maior audiência cativa desse que é um mercado multimilionário.
Na contramão de um setor que só cresce no país, uma legislação federal que regulamente a prática dos esportes eletrônicos no Brasil não passa de fase há anos em Brasília. Atualmente, as ligas e federações de esportes eletrônicos obedecem às determinações da lei geral do esporte, conhecida como Lei Pelé. O texto foi aprovado em 1998, pelo menos dois anos antes da primeira competição de Counter-Strike, a Cyberathlete Professional League (CPL).
Vendo a necessidade de atualizar a legislação sobre o tema, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal iniciaram, em 2017, uma discussão para reconhecer os esportes eletrônicos como prática esportiva.
Discussão no Senado Federal
Os esportes eletrônicos envolvem o direito de propriedade intelectual das empresas que desenvolvem os games das competições. Com a impossibilidade de tratar as modalidades como esportes tradicionais, o Senado Federal iniciou, em 2017, uma incursão para criar uma legislação própria para o mercado.
O Projeto de Lei n° 383 de 2017, de autoria do senador Roberto Rocha (PSDB-MA), já passou pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática, além da Comissão de Educação, Cultura e Esporte. O texto que reconhece a prática esportiva eletrônica no Brasil aguarda a decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para ser incluída na pauta de votação.
O projeto, que poderia ser celebrado pela comunidade, tem resistência no próprio ecossistema de quem acompanha e compete nos esportes eletrônicos. Uma consulta popular no site do Senado revelou que 86% da população que se manifestou contrária à proposta.
Em entrevista à Agência de Notícias do Senado, a senadora Leila Barros (PSB-DF) explicou que a rejeição a uma regulamentação vem do temor que a política brasileira pode interferir e dificultar a prática dos eSports por aqui. “Em geral, a comunidade gamer desaprova qualquer tentativa de regulamentação. Eles entendem que o Estado quer interferir em uma atividade que está consolidada e funcionando muito bem. Não podemos criar algo que engesse o crescimento do setor. Ele gera empregos e aquece a economia”, declarou a senadora.
O temor da comunidade tem seus motivos. Em 2019, o Senado analisou uma emenda do senador Eduardo Girão (Podemos-CE) ao projeto de regulamentação que tentava impedir que jogos violentos fossem reconhecidos como esporte.
Caso aprovada, a ideia acarretaria na irregularidade de atletas que disputam campeonatos de Rainbow Six, Counter-Strike: Global Offensive e outros jogos. O senador argumentou que esse tipo de competição e jogo poderia estimular a violência. A crença tem base em estudos inconclusivos sobre a influência de games com violência em pessoas mais jovens.
Na defesa da proibição, o senador Girão ligou o massacre em uma escola de Suzano, em São Paulo, ocorrido em março de 2019, aos jogos com teor de violência. Na tragédia, dois ex-alunos mataram 11 jovens e deixaram outros 11 feridos. Vale destacar que muitos estudos já comprovaram que não há ligação entre games e comportamento violento. A proposta de emenda foi rejeitada. Mas, desde então, a discussão sobre a regulamentação dos eSports está parada no Senado.
Discussão na Câmara dos Deputados
Assistindo a inércia na casa Legislativa ao lado, a Câmara dos Deputados também começou a debater a regulamentação dos esportes eletrônicos. A casa instaurou, em 2020, uma Frente Parlamentar em prol dos jogos eletrônicos. O grupo de 202 deputados compõe a frente que se predispôs a debater a regulamentação. A bancada realizou algumas audiências públicas com figuras da Confederação Brasileira de Games e eSports, o gerente de Marketing do Flamengo Daniel Bonvini, e o diretor-executivo da empresa BBL e-Sports Leo de Biase. O objetivo era chegar em pontos necessários em uma legalização justa da prática esportiva eletrônica.
O debate também mostrou uma divisão na comunidade. Parte do ecossistema dos eSports, entre eles as publicadoras e times profissionais, não reconhecem as confederações e a necessidade delas para uma normatização dos esportes eletrônicos. De acordo com a Agência de Notícias da Câmara, algumas organizações se manifestaram contra a regularização por acreditar que imposições previstas por lei, podem isolar o Brasil em competições internacionais. Regulado ou não, os esportes eletrônicos já são realidade no país há muitos anos.
Fonte: Canaltech