O mercado, de modo geral, espera uma regulamentação e, juridicamente, a questão já é discutida no país desde 2017. O Projeto de Lei n° 383, de 2017, de autoria do senador Roberto Rocha (PSDB-MA), tem como objetivo estabelecer as regras para a prática do esporte eletrônico no Brasil, bem como fomentar a modalidade. A justificativa do texto é de que “o esporte virtual se revela como mecanismo de socialização, diversão e aprendizagem, seguindo o mesmo caminho dos esportes tradicionais” e que “o Brasil possui vários adeptos, porém ainda não dispomos de uma regulamentação dessa modalidade esportiva.”
A questão da socialização é um fator que o advogado e gestor da Netshoes MinersGG, Victor Targino, considera como peça-chave da regulamentação. Ele defende que os eSports sejam reconhecidos como esportes e possam ter acesso a leis de incentivo — como a Lei Pelé, por exemplo —, mas acredita que o tema é interdisciplinar.
“O atleta de eSport começa em uma idade muito tenra, e se não houver controle, ele pode se tornar um jogador compulsivo, ainda mais se tiver dificuldades de socialização na escola, por exemplo. Essa questão da infância e da adolescência precisa colaborar com outras pastas, como Saúde, Educação, até Casa Civil”, diz.
Exemplo europeu
Targino cita o caso de Andorra, em que uma comissão foi formada para tratar da questão, abordando diversas consequências, inclusive as trabalhistas. O advogado explica que a profissionalização do atleta de eSport serviria para regulamentar questões como horário de trabalho, folgas e, principalmente, o funcionamento das gaming houses, locais disponibilizados pelas empresas donas de times onde os jogadores residem e treinam.
“A rotina é muito parecida com a de uma modalidade tradicional, como o futebol. Os jogadores trabalham com psicólogos, técnicos, analistas de performance, fazem parte de um esporte coletivo, e treinam durante a semana para jogar no final de semana, por exemplo. Em um país continental como o Brasil, há gaming houses em condições precárias, e com a legislação isso poderia mudar”, analisa.
A extensão territorial do Brasil é um fator que pesa a favor da regulamentação para Cynthya Rodrigues, que combinou a paixão pelos jogos eletrônicos com a profissão. Ela é sócia de uma empresa que realiza projetos para conectar gamers a anunciantes publicitários, o que ajuda a viabilizar, financeiramente, o trabalho dos jogadores profissionais.
“Hoje, a maioria dos eventos que acontecem são de iniciativa privada, o que muitas vezes dificulta o acesso de pessoas que estão localizadas nas periferias ou fora do eixo Rio-São Paulo. A regulamentação vai contribuir muito para o acesso de todos os públicos que hoje sonham e desejam ser profissionais de eSports no Brasil”, afirma.
No país, o crescimento do mercado nos últimos anos culminou com a etapa de um torneio de Counter Strike: Global Offensive, popularmente conhecido como CS:GO, sediado no Rio de Janeiro. Foi o Major Rio, evento que reuniu mais de 100 mil pessoas durante uma semana no Parque Olímpico em novembro. A transmissão oficial teve um pico de audiência de mais de 1,4 milhão de pessoas assistindo simultaneamente a final da competição.
Rio cria meta
O evento foi um passo dado pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, para incentivar a prática – e o turismo – dos eSports na cidade, mas não o único. Na última semana, ele se reuniu com jogadores, apresentadores e pessoas da indústria para dar forma ao projeto “Rio Capital dos eSports”. Pelas redes sociais, ele afirmou que criará uma coordenadoria para o tema, que será ligada ao seu próprio gabinete.
“O Rio reconhece os eSports como uma importante modalidade de esporte e que traz consigo os princípios mais importantes da prática esportiva como disciplina, foco, inclusão social e competição. Vamos fazer do Rio a capital mundial dos eSports”, publicou o prefeito.
A atitude foi elogiada por diversos representantes da indústria. Cynthya acredita que o diálogo entre o poder público e os representantes do mercado é fundamental para estabelecer parâmetros para a prática, como é o caso da tributação.
“Cada segmento dentro dessa indústria tem um modelo de negócio diferente. Então, sentar-se com os desenvolvedores, com os times, as empresas que fazem campeonatos e entender cada modelo de negócio e, dessa forma, definir como o eSport deve ser reconhecido, para estabelecer as taxas e encargos tributários que precisam ser aplicados."
Quem corrobora com essa opinião é o advogado Luciano Del Monaco, sócio da Daniel Advogados na área de tecnologia e especialista em propriedade privada.
“A regulamentação pode ser bastante benéfica e assegurar a segurança jurídica. Uma regulamentação adequada permite garantir aos atletas os direitos básicos que já existem em outras modalidades, reduzindo a sua fragilidade. E os times poderão contratar estrangeiros de forma mais facilitada com a questão do visto de atleta”, opina.
Fonte: O Globo