Games Magazine Brasil – Como novo diretor de integridade da Sportradar, como você vê a importância do tema para o esporte?
Felippe Marchetti – É fundamental. A integridade é o pilar mais básico do esporte. Se a gente não tiver um esporte limpo, perdemos toda a moral e o interesse das pessoas no mercado esportivo. Ninguém vai querer assistir uma competição que está manipulada, que já está pré-acordada. A grande diferença do esporte, por exemplo, para uma peça de teatro, para o cinema, é a questão de não ser possível identificar o resultado final. A partir do momento que você perde isso, perde-se o exemplo e a motivação das pessoas de assistir as competições esportivas. Então, a integridade é fundamental para manter o esporte seguro e limpo aqui Brasil.
A Sportradar acaba de lançar um novo relatório e o Brasil continua liderando o ranking mundial de manipulação de resultados. Como você avalia esse destaque todo para o Brasil?
Apesar de o Brasil estar ainda na liderança do ranking, com 109 casos, houve uma redução de 29 casos do ano passado para cá. Isso eu vejo como positivo e isso também vai muito das ações da CBF, que apontou um novo diretor de integridade com novas políticas para isso.
Além disso, precisamos colocar esses números em proporção. O Brasil é o país do mundo que tem mais partidas monitoradas pela Sportradar no futebol. São 9.000 jogos. Então, 109 partidas manipuladas equivalem a 1,2% do total. A média global do futebol mundial foi de 0,63. Na média, o Brasil ainda está acima dos níveis globais. Porém, se dividirmos entre jogos de nível nacional geridos pela CBF, seria 0,71, que está próximo da média global, e os jogos das federações estaduais equivalem a 1,35 do total das partidas jogadas no Brasil com indícios de manipulação nas competições regionais.
A que se deve essa discrepância tão grande?
Principalmente pelo fato de que nas competições estaduais, tremos atletas com uma vulnerabilidade muito maior, muitos com salários baixos. Hoje, 84% dos atletas do Brasil recebem por volta de um salário-mínimo com contratos de curta duração. Então, eles vão lá, jogam 2, 3 meses num estadual, acaba o contrato e saem do Sul, vão jogar no Norte em outra competição totalmente diferente. Assim, eles não têm uma segurança financeira para conseguir desenvolver seu o trabalho. E os manipuladores são pessoas muito treinadas para identificar os alvos mais fáceis. Eles procuram justamente essas pessoas que estão em condição de vulnerabilidade para daí sim se aproximar e fazer as ofertas. Então, as competições menores do Brasil são as que estão mais sob risco. Precisamos desenvolver um trabalho integrado entre Sportradar, CBF, federações estaduais, Polícia Federal e agora com o governo federal também, com a regulamentação através do Ministério do Esporte e no Ministério da Fazenda. Assim teremos um fluxo de informação mais rápido, constante e eficiente entre todos os atores, para que possamos identificar quem são os manipuladores e conseguir agir de uma maneira muito rápida e eficaz.
Além disso, também é importante ter medidas educacionais que sejam eficientes e consigam atacar na base do problema, educando os atletas de categoria de base e também os profissionais. Desde que assumi como diretor de integridade, já fechou uma parceria com nove federações do Nordeste e também com as três do Sul por uma plataforma educacional para os atletas. Temos um vídeo de 25 minutos onde o atleta recebe treinamento sobre manipulação e sobre outras questões de integridade do esporte. Ao receber essa informação, poderá ser cobrado para agir da maneira correta e saber dos riscos de se envolver com manipuladores. Ele irá entender que há envolvimento do crime organizado por trás da manipulação e todos os riscos que tem ao se envolver com esse tipo de prática.
A manipulação de resultados existe no mundo todo. Quais são as principais ferramentas para combater do ponto de vista policial no Brasil?
A primeira coisa é o fluxo de informação. O que seria o sistema ideal para a detecção? Primeiro, monitoramento dos jogos, que é o que fazemos nesse acordo que temos com a CBF, para identificar quais partidas foram manipuladas. A segunda fonte é termos um mecanismo de denúncia que seja seguro e anônimo. Muitos atletas não têm a confiança nas entidades esportivas ou até mesmo na polícia de poder reportar, porque eles sabem que aquilo pode se voltar contra eles. Então, ter um mecanismo que garanta essa segurança e confidencialidade. Na Sportradar temos um aplicativo de denúncia que garante esse anonimato dos atletas e pode trabalhar em conjunto com as entidades esportivas.
Esse aplicativo já está à disposição no Brasil?
Sim, está à disposição. No momento ainda não estamos trabalhando com nenhuma federação esportiva que use a ferramenta no Brasil, mas caso alguma entidade tenha interesse, podemos conversar e colocar isso em prática no Brasil.
E cito ainda o terceiro passo, que seria horas de investigação e inteligência. Dentro da Sportradar, temos um grupo especializado em investigação de casos de manipulação de resultados e conseguimos, através dessa inteligência, dar suporte para as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público para mostrar a conexão entre os manipuladores e outros possíveis criminosos que estão envolvidos com atletas, treinadores e dirigentes.
Sabemos que há clubes no Brasil que estão sendo arrendados ou terceirizados por manipuladores. A manipulação, é um fenômeno que envolve diferentes níveis e é muito complexo. Então, não existe uma solução, uma receita de bolo para isso. Através de diferentes soluções integradas, trabalhando de uma maneira holística, vamos conseguir combater o problema e melhorar a situação do Brasil nos próximos anos.
Fonte: Exclusivo GMB