VIE 11 DE ABRIL DE 2025 - 22:55hs.
Amilton Noble, CEO da Hebara

“Loterias estaduais não são concorrentes da União e devem combater juntas o jogo ilegal”

Um dos maiores especialistas do mercado lotérico do Brasil, Amilton Noble, CEO da Hebara, concedeu entrevista exclusiva ao GMB, quando analisou o atual momento do setor. Para ele, as loterias estaduais e a União se completam e não são concorrentes. “Todos devem trabalhar contra um inimigo comum, o mercado cinza”. Sobre a regulação das bets, disse que o processo é dinâmico e mudanças são bem-vindas para melhorar o segmento.

 

Games Magazine Brasil - Que avaliação você faz deste momento em que as apostas esportivas estão regulamentadas, e o que virá pela frente na área de loterias?
Amilton Noble -
Nós tivemos seis anos de mercado legal e mas não regulado e agora começando uma experiência regulada. Brigamos por isso durante anos e muitos atores estiveram nessa luta para esse momento chegar. Estamos muito felizes por ele ter chegado. Obviamente que é o início de um processo. A regulamentação é um processo vivo e tem muita coisa ainda para acertar e melhorar. Mas a gente está muito feliz e acha que tem bastante espaço ainda de uma atuação conjunta de todos os entes federados no sentido de uma regulamentação.

O que eu tenho dito é que nós não podemos nos digladiar entre nós mesmos. O nosso inimigo comum é o jogo não regulado. Então, os órgãos reguladores têm de encontrar um caminho de estar todo mundo remando para o mesmo lado.

Sim, há um inimigo comum que é o mercado cinza. Como combater isso?
Não se combate um mercado com essas características com uma bala de prata. O que existe é um conjunto de fatores que farão com que, efetivamente, explorar um mercado não regulado, o mercado ilegal, fique menos atrativo. Uma das principais, que aí esperamos um movimento concreto dos órgãos governamentais, que é a questão do meio de pagamento, o Pis. Se você asfixia os operadores não regulados com restrições do meio de pagamento, você acaba diminuindo o interesse pela atividade ilegal.

 



Que caminho você acredita que as loterias estaduais seguirão a partir de agora, vendo a regulamentação federal? E como elas vão se comportar diante dessa nova realidade?
Entendo que a loteria estadual é uma operação complementar ao processo de regulação. Independentemente do que seja, que saia eventualmente, no futuro, até as loterias municipais. Eu não entendo como loterias estaduais e a regulamentação federal possam ser concorrentes. Na minha concepção, são complementares. Muitos operadores sérios e sólidos, não têm a capacidade de pagar R$ 30 milhões de outorga, por exemplo. Poderiam estar operando no estado com outorgas menores e é o que eu chamo de fazer um test drive.

Ou seja, aproveitar uma operação menor em um estado para ganhar robustez, para depois pegar um segundo estado, pegar um terceiro estado e, eventualmente, no futuro, tendo capacidade financeira para pagamento da outorga, por exemplo, que é um dos elementos, essa empresa já estaria capacitada a ter uma operação nacional. Então, eu sempre vejo de uma forma complementar.

E assim, partindo da premissa de que você amplia o espectro de empresas que poderão estar atendidas pelo ambiente regulado, não tem razão para estar não regulado. Quando você tem condições diferenciadas, mesmo que para mercados menores – e aí, quando a gente fala em mercados menores, você pega o Rio de Janeiro com 17 milhões de habitantes, você pega Minas Gerais com 21 milhões de habitantes, você pega Paraná com 11 milhões de habitantes – é mais do que a maioria dos países do mundo. Então, você tem mercados gigantescos para serem explorados nos estados. Não quero entrar na questão da discussão de territorialidade porque isso é algo que ainda vamos ouvir por um tempo. Mas mesmo não entrando nesse mérito, o Paraná, por exemplo, que define o seu mercado como apenas no estado, tem 11, 12 milhões de habitantes. Ou seja, há espaço para todo mundo explorar e começar a sua operação regulada de forma oficial.

O que você vê num futuro próximo para o setor de loterias agora que existe uma regulamentação federal e o embate com operações estaduais que eventualmente estejam extrapolando a geolocalização?
Discutimos nos últimos anos a questão das apostas de quota fixa e ficou relegado a um segundo plano as operações de loteria tradicionais propriamente ditas. Obviamente que são dois mercados completamente distintos, mas que também têm um espaço de crescimento muito grande no Brasil.

Acho que o fiel da balança vai ser, nesse ano de 2025, a estreia do mercado de São Paulo. A loteria de São Paulo, que acabou tendo desfecho no final do ano passado, será regulada ainda neste ano e certamente vai trazer novidades. É o que eu digo: São Paulo é a locomotiva do Brasil. Com São Paulo fazendo um trabalho bem feito, outros acho vão seguir o exemplo.

 



Como você vislumbra o mercado de São Paulo no nosso setor?
O mercado de São Paulo é um desafio à parte. Um estado com 45 milhões de habitantes em 645 municípios traz desafios muito grandes. Mas as pessoas que participaram do processo são experientes no mercado, já operaram em outros países e saberão levar a bom termo essa operação de São Paulo.

Eu entendo que vai fazer uma diferença no mercado porque acredito que trará novidade, trará as boas práticas de outros países. Então, eu vejo sempre com muito bons olhos. Eu luto há muitos anos para ver – ainda não consegui ver, mas um dia eu vou ver – os 27 estados com as suas operações de loterias.

Como um profundo conhecedor do mercado de loterias, faça uma análise rápida sobre os produtos da Loterias Caixa. A empresa vem há anos mantendo a arrecadação na faixa de 20 e poucos bilhões. O que ela tem de mudar para realmente fazer parte do mercado global de loterias, que cresce muito mais do que a estagnação Caixa?
Na realidade, a questão da Caixa não é exclusivamente em função da operação em si. Eu acho que o modelo de loteria no Brasil, que foi monopolista durante muitos anos e que foi entregue para uma instituição que não é o core business dela, é o primeiro fundamento que precisa ser discutido.

Segundo fundamento muito importante que precisa ser discutido é que loteria é um mercado muito dinâmico e que precisa de agilidade. E, infelizmente, a estrutura operante das loterias no Brasil, para lançar um produto novo, por exemplo, depende de aprovação do Congresso Nacional. O que é um absurdo. Um operador lotérico precisa ter autonomia para mudar payout, para lançar produto novo, para enfrentar a concorrência.

Então, acho que tem vários fatores que levam a este resultado que também entendo como um resultado muito abaixo do que deveria. O Brasil, com 210 milhões de habitantes, não poderia ter uma operação da ordem de 4 bilhões de dólares. Eu gosto de trazer como referência – e obviamente uma referência que não dá para fazer uma comparação direta porque os mercados são diferentes –, mas somente a Loteria El Gordo, que é uma loteria de final de ano da Espanha, pagou a mesma premiação das 10 modalidades de loteria do Brasil durante um ano inteiro.

Então, isso mostra que o nosso modelo está errado. Acho que o que precisa é flexibilidade para que os técnicos da Caixa tenham agilidade para enfrentar a concorrência, que, obviamente, hoje nós temos um mercado completamente diferente do que era no passado. Hoje, temos avanços com jogos online, hoje temos avanços com sports betting. Então, se a Caixa mantiver este modelo, nós veremos esse movimento muito tímido de crescimento das Loterias Caixa.

Que pena, não é verdade?
Uma pena. O Brasil merece muito mais. O Brasil precisa muito mais. E o Brasil pode muito mais. Nós temos um ticket médio da ordem de 15 dólares per capita no Brasil, o que é absolutamente irrisório para o mercado, para a pujança e para o que a gente está vendo aqui. Estamos na primeira edição da ICE na Espanha, com quatro pavilhões absolutamente lotados e o Brasil sendo a referência de muitos desses fornecedores. Todo mundo querendo estar no Brasil. Então, certamente, a gente pode mais. Vamos mudar os conceitos, vamos mudar os pensamentos em relação às loterias no Brasil.

Fonte: Exclusivo GMB