É de comum conhecimento que os jogos de azar são proibidos[1] no Brasil, porém não se sabe ao certo a razão disso, e se de fato a proibição, visto que já foram permitidos, trouxe mais benefícios ou malefícios para o país.
A primeira lei que tratou especificamente do assunto foi a Lei 3.987, de 2 de janeiro de 1920:
Art. 14. Aos clubs e casinos das estações balnearias thermaes e climatericas poderá ser concedida autorização temporaria para a realização dos jogos de azar em locaes proprios o separados, mediante as seguintes condições:
§ 1º Prévia licença da autoridade respectiva.
§ 2º Na autorização deverão ser discriminados o prazo da concessão, a natureza dos jogos de azar permittidos, as medidas de localização por parte dos agentes da autoridade, condições de admissão nas salas de jogo, as horas de abertura e de encerramento, a taxa de 15 % devida e a maneira de cobra-la.
§ 3º Nas salas do jogo só poderão ter entrada pessoas maiores.
§ 4º A autorização poderá ser cassada, em caso de inobservancia das clausulas preestabelecidas, a pedido justificado do Conselho Municipal, ou quando assim o entender o poder público, sem que aos concessionarios assista direito a qualquer indemnização.
§ 5º Cada club ou casino que obtiver a autorização, seja ou não organizado em sociedade, terá como responsaveis um gerente e um director.
§ 6º Uma vez licenciados e sujeitos á taxa de 15 % os clubs e casinos poderão funccionar sem que incidam nas disposições das leis penaes relativas ao jogo.
Como se pôde depreender, foi nesse período que começaram a surgir os estabelecimentos que exploravam o jogo no Brasil, porém, com poucas garantias de funcionamento e estabilidade, visto que a liberação do jogo era vista com desconfiança e contrariava a parcela mais conservadora da sociedade.
A situação só começou realmente a mudar após a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, especialmente após 1937, quando após um Golpe de Estado inicia-se o Estado Novo e Vargas passa a governar com poderes centralizados e por meio de Decretos-lei. O mesmo simpatizava com a ideia de ter os luxuosos cassinos na Capital Federal e no restante do Brasil, atraindo turistas e gerando grande retorno financeiro aos cofres públicos.
A partir daí tem-se o Decreto-lei nº 241, de 4 de fevereiro de 1938, onde consta em sua ementa que se “Dispõe sôbre o imposto de licença para funcionamento, no Distrito Federal, dos casinos-balneários e dá outras providências”. Ele marca o início da chamada “época de ouro” dos cassinos brasileiros.
Esse Decreto-lei tratava basicamente da autorização e organização dos então chamados cassinos-balneários, locais onde eram permitidas as práticas de determinados tipos de jogos de azar. Também tratava da organização dos novos cargos criados para a fiscalização dos estabelecimentos, de quais seriam as porcentagens de tributos arrecadados e como esses tributos deveriam ser utilizados, como podemos ver nesse artigo do Decreto-lei nº 241/38:
Art. 2º. Da renda liquida apurada, depois de deduzidos os encargos da Inspetoria de Fiscalização e a quota de um terço da renda bruta a título de licença especial de funcionamento, será deduzida a percentagem de 10 %, que competirá à Polícia Civil do Distrito Federal, podendo o prefeito utilizar-se, a seu critério, da de 20 % para subvenções a instituições de assistência social e fomento do turismo.
A partir de então nascem os grandes cassinos no Brasil, funcionando dentro da legalidade e com apoio do Palácio do Catete[2], e inclusive seu irmão, Benjamim Vargas, tinha participação na construção de cassinos, a exemplo do Cassino da Urca e do Quitandinha, em Petrópolis. (GUIMARÃES, 2013)
No entanto, anos mais tarde surge o Decreto-lei nº 3.688, de 3 de Outubro de 1941, a Lei das Contravencoes Penais, que em seu texto proibida a prática e exploração de jogos de azar, senão vejamos:
Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele:
[...]
§ 3º Consideram-se, jogos de azar:
a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;
[...]
§ 4º Equiparam-se, para os efeitos penais, a lugar acessivel ao público:
[...]
b) o hotel ou casa de habitação coletiva, a cujos hóspedes e moradores se proporciona jogo de azar;
c) a sede ou dependência de sociedade ou associação, em que se realiza jogo de azar;
d) o estabelecimento destinado à exploração de jogo de azar, ainda que se dissimule esse destino. (Grifo nosso)
Com a vigência da Lei das Contravencoes Penais, os cassinos, que tinham sido permitidos e possuíam legislação regulatória própria, ficaram em uma situação no mínimo peculiar, pois poderiam ser enquadrados dentro do Art. 50 da mencionada Lei, o que sem dúvida gerou grande desconforto entre os empresários do ramo, que passaram a pressionar o governo para uma maior especificidade do diploma legal, excluindo assim os cassinos de uma possível ilegalidade e de interpretações prejudiciais da lei.
Por conta disso, no ano seguinte o presidente Getúlio Vargas cria o Decreto-lei nº 4.866, de 23 de Outubro de 1942, que dispunha especificamente sobre a aplicação do Art. 50 da Lei das Contravencoes Penais, que dizia: “Artigo único. O disposto no art. 50 do decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, não se aplica aos estabelecimentos licenciados na forma do Decreto-Lei nº 241, de 4 de fevereiro de 1938.” Com isso, novamente os cassinos estavam dentro da lei e a atividade dos jogos de azar pôde continuar sem ser incomodada.
Dando ainda mais detalhamento à permissão da operação de cassinos, o Decreto-lei nº 5.089 é feito com a seguinte redação:
Art. 1º. O disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 241, de 4 de fevereiro de 1938, e no Decreto nº 7.418, de 7 de dezembro de 1942, baixado pelo Prefeito do Distrito Federal, aplica-se aos estabelecimentos licenciados nos Estados e instalados em estâncias hidroterápicas, balneárias ou climáticas, salvo na parte relativa a impostos e taxas e ao serviço de fiscalização.
Art. 2º. Para o fim previsto no artigo anterior consideram-se estâncias hidroterápicas, balneárias ou climáticas as localidades que como tais sejam reconhecidas por despacho do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, ouvida, em cada caso, a Divisão de Turismo do Departamento de Imprensa e Propaganda.
Interessante notar nesse Decreto-lei que o que valia para a capital da República passou a valer também para os demais estados, salvo no que dizia respeito à cobrança de impostos e taxas, que, segundo o Decreto-lei nº 5.192/1943, ficariam sujeitos também à aprovação do Ministro da Justiça e da Divisão de Turismo.
Não havia também uma maneira específica de definir o que era um cassino-balneário, conforme versava o Decreto-lei nº 241/1938, assim como as estâncias, necessitando para serem assim consideradas, seu reconhecimento como tal, o que permitiu que cassinos com diferentes características, tamanhos e tipos de localização se espalhassem pelo Brasil num curto espaço de tempo.
Os cassinos brasileiros foram de um sucesso tamanho que, mesmo com o mundo em guerra e o Brasil envolvido, com recrutamentos de soldados pelo país para serem mandados à Europa, navios sendo afundados no litoral por submarinos alemães, com crises de abastecimento de combustíveis e problemas políticos, ainda assim viveram o seu apogeu na primeira metade da década de 1940, promovendo grandes espetáculos e noitadas, mudando a cara da capital federal e de outras cidades, tirando o Brasil do quase anonimato para ser um dos destinos mais desejados do mundo.
Como já demonstrado, isso incomodava muita gente, que via grande hipocrisia num governo autoritário que pregava a moral e o incentivo ao trabalho, o afastamento dos “maus-costumes”, o racionamento de produtos, mas que compactuava com empreendimentos de tamanha opulência e cujo consumo de produtos e serviços continuava a crescer, locais luxuosíssimos e inacessíveis para a maior parte da população, que não tinha possibilidade mínima de estar dentro de um cassino, a não ser como funcionários.
Com o final da Segunda Guerra Mundial e a vitória dos Aliados, com o retorno de dezenas de milhares de soldados brasileiros para casa, soldados que haviam combatido países com governos ditatoriais, não fazia mais sentido ter um ditador dentro de casa, e com isso Getúlio Vargas foi deposto. Convocadas as eleições para o exercício de 1946-1951, haviam dois candidatos militares, o Brigadeiro Eduardo Gomes, manifestamente conservador e contrário aos cassinos, e o General Eurico Gaspar Dutra, que durante a eleição recebeu apoio de Vargas e de aliados ao antigo presidente, e que sobre o tema dos cassinos silenciara, o que levou, segundo Paixão (2005), a uma oposição dos empresários do ramo a Eduardo Gomes.
O presidente Dutra foi eleito, começando a governar no dia 31 de janeiro de 1946, e surpreendeu após menos de 3 meses depois de empossado decretar, em 30 de abril de 1946 o Decreto-lei nº 9.215, proibindo a prática e a exploração dos jogos de azar em todo o território nacional, conforme adiante exposto:
Art. 1º Fica restaurada em todo o território nacional a vigência do artigo 50 e seus parágrafos da Lei das Contravencoes Penais (Decreto-lei nº 3.688, de 2 de Outubro de 1941).
Art. 2º Esta Lei revoga os Decretos-leis nº 241, de 4 de Fevereiro de 1938, n.º 5.089, de 15 de Dezembro de 1942 e nº 5.192, de 14 de Janeiro de 1943 e disposições em contrário.
Art. 3º Ficam declaradas nulas e sem efeito tôdas as licenças, concessões ou autorizações dadas pelas autoridades federais, estaduais ou municipais, com fundamento nas leis ora, revogadas, ou que, de qualquer forma, contenham autorização em contrário ao disposto no artigo 50 e seus Parágrafos da Lei das Contravencoes penais.
Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Como demonstrado acima, o novo Decreto-lei revogou os Decretos-lei nº 241/1938, nº 5.089/42 e nº 5.192/1943, já tratados anteriormente, que permitiam e organizavam a atividade dos cassinos e a cobrança de impostos sobre eles.
As milhares de pessoas ligadas ao setor foram pegas completamente de surpresa e desprevenidas, principalmente levando-se em conta que, apesar das críticas corriqueiras aos jogos de azar e aos cassinos, não havia uma séria ameaça deles fecharem as portas naquele momento, ainda mais com o candidato apoiado por Getúlio tendo vencido as eleições.
A primeira consequência gerada em decorrência da proibição dos jogos de azar e do funcionamento dos cassinos foi o desemprego de dezenas de milhares de pessoas que trabalhavam nos mais de 70 cassinos brasileiros existentes em 1946. Cidades inteiras que dependiam do turismo dos cassinos perderam do dia para a noite grande parte do seu sustento, como podemos ver a cidade de Santos, nesse excerto da Folha da Noite:
Setenta mil pessoas deixaram de chegar a Santos. Setenta mil pessoas que iam aos cassinos jogar. Setenta mil pessoas que movimentavam Santos; que lotavam suas pensões, seus hotéis, seus cafés, seus trens, seus ônibus, seus automóveis. Setenta mil pessoas que justificavam empregos para cerca de oito mil viventes que trabalhavam nos cassinos e que, por força de seu fechamento, se encontram agora desempregados. (1946, apud GUIMARÃES)
Nessa questão havia uma certa garantia dada ainda na Era Vargas, através do Decreto-Lei 5.452/1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que dizia na redação da época:
Art. 486. No caso de paralisação do trabalho motivado originariamente por promulgação de leis ou medidas governamentais que impossibilitem a continuação da respectiva atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, a qual, entretanto, ficará a cargo do Governo que tiver a iniciativa do ato que originou a cessação do trabalho.
No entanto, a maneira que o governo achou para não arcar com tal ônus foi através do Decreto-lei nº 9.251 de 11 de maio de 1946, que tratava sobre a situação dos empregados dispensados por conta da proibição dos cassinos. Dizia em seu preâmbulo que os jogos de azar em cassinos e demais locais haviam sido concedidos a título precário, que não era uma atividade de natureza social útil, mas apenas tolerado, considerava que os que trabalhavam nessa área assumiram tal risco por conta da precariedade da autorização, que devido às condições mencionadas o governo não deveria arcar com tal indenização, e que, para que os empregados não ficassem totalmente desamparados, as indenizações deveriam ser arcadas pelas empresas que haviam usufruído dos anos de legalização do jogo, senão vejamos:
Art. 1º Não se aplica aos empregados dos estabelecimentos a que se refere o Decreto-lei nº 9.215, de 30 de Abril de 1946, os quais, em virtude da cessação do jôgo, hajam sido dispensados, o disposto no art. 486 da Consolidação das Leis do Trabalho, assistindo-lhes, porém, haver dos respectivos empregadores uma indenização nos têrmos dos arts. 478[3] e 497[4] dessa Consolidação.
Fica implícito que o governo fez o que estava ao seu alcance para não ter que arcar com as consequências da proibição dos estabelecimentos que praticavam jogos de azar, especialmente pelo fato de que, como o próprio Decreto-lei menciona, os jogos não eram de natureza social útil ou normalmente admitidos, mas simplesmente eram tolerados.
Vale reforçar que não só quem estava diretamente ligado aos cassinos e estâncias teve sua vida afetada, também quem vivia de atividades relacionadas ao turismo, comércio, prestação de serviços, enfim, diversas pessoas e empresas que possuíam uma relação direta ou indireta com o jogo tiveram suas atividades muito prejudicadas, e grande parcela dessas ficaram sem qualquer amparo.
O preâmbulo do Decreto-lei nº 9.215/46 elenca quais foram as razões que legitimaram a proibição dos jogos:
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, e
Considerando que a repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal;
Considerando que a legislação penal de todos os povos cultos contém preceitos tendentes a êsse fim;
Considerando que a tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro e contrária à prática e à exploração e jogos de azar;
Considerando que, das exceções abertas à lei geral, decorreram abusos nocivos à moral e aos bons costumes; (Grifo nosso)
Daí podemos fazer muitos questionamentos, pois foi baseado nesses motivos que há mais de 70 anos os jogos de azar e os cassinos foram proibidos no Brasil, e é baseado nessa lei que até os dias atuais os jogos e os estabelecimentos que os praticam continuam proibidos.
É afirmado categoricamente que a repressão aos jogos é um imperativo de consciência universal, ou seja, é algo que teoricamente é um dever, um mandamento comum em todo o mundo, e que em todos os lugares o jogo é combatido e proibido, pois isto está de acordo com a consciência da humanidade.
Logo após, mais afirmações são feitas, dessa vez sobre a legislação penal de todos os chamados povos cultos, que segundo alegado, contém preceitos com intuito de reprimir tais atividades.
No entanto, não se sabe ao certo em quais legislações e em quais preceitos se basearam, especialmente levando-se em conta que a proibição dos jogos de azar e dos estabelecimentos a eles ligados foi repentina, feita em um momento em que se esperava justamente a continuação deles.
Dificilmente haveria tempo hábil, em apenas 3 meses de mandato do presidente Dutra, para que tantas conclusões fossem tiradas e tantas afirmações categóricas fossem feitas a respeito de como os demais países do mundo tratavam o jogo, ainda mais em uma época em que as consultas eram infinitamente mais difíceis, e mesmo com uma sólida equipe de juristas experientes e conhecedores de outras legislações sobre esse tema específico, que há de se convir, não costuma ser o mais pesquisado pelos estudiosos das legislações alienígenas, e com apoio das embaixadas, seria bastante improvável em tão curto espaço de tempo se ter uma conclusão como a que foi afirmada no Decreto-lei nº 9.215/1946, levando ao questionamento sobre a solidez da justificativa de proibição dos jogos.
Mais adiante será apresentado o caso de Portugal, e como esse país se relaciona com os jogos de azar. No entanto, seria um pouco injusto tratar de uma proibição que, embora ainda válida, tenha seus fundamentos na primeira metade do século XX, comparando somente com uma legislação recente, afinal, foram tantas as mudanças que a humanidade passou nesses mais de 70 anos, incluindo a de percepção sobre o jogo, que não poderia se comparar aqui, sobre um mesmo tema, apenas legislações feitas em diferentes épocas, sendo coerente também analisar legislações feitas no mesmo período que a nossa, averiguando como o legislador estrangeiro contemporâneo da época tratava o jogo.
No período em que o Brasil sofreu grandes mudanças com respeito aos jogos de azar, a saber, da Era Vargas ao presidente Dutra, Portugal estava também com questões semelhantes sendo tratadas. Lá, tal como aqui, a opinião sobre o jogo de fortuna ou azar, como chamam os portugueses, também passava por uma “crise existencial”, pois de igual maneira era visto por parcela da sociedade como prática deturpadora dos valores da sociedade e da moral.
Naquele país, assim como no Brasil, o jogo foi proibido[5] durante séculos, constando mesmo nas Ordenações Afonsinas, nas Ordenações Manuelinas e nas Ordenações Filipinas, expressas proibições ao jogo, como jogos de dados, casas de tavolagem e jogos de carta, contendo sanções pecuniárias e criminais para quem não respeitasse a lei, indo desde a cobrança de multas até o degredo na África ou açoites públicos.
A legislação portuguesa só mudou mesmo já no século XX, quando passou a tratar dos cassinos através do Decreto nº 14.643 de 3 de dezembro de 1927. O mesmo, além de confirmar que o durante toda a história da legislação portuguesa o jogo fora proibido e reprimido legalmente, prosseguiu como se vê adiante:
Afigurou-se aos poderes constituídos a necessidade de regulamentar o jôgo, como sendo o meio de reduzir ao mínimo os abusos que se estavam cometendo e várias tentativas se esboçaram nesse sentido. O jôgo era um facto contra o qual nada podiam já as disposições repressivas. Mas os interêsses políticos dos Governos partidários mostraram-se sempre um óbice invencível às tentativas esboçadas e ia a final cair-se nos mesmos abusos.
[...]
Com a regulamentação que se preparou o Estado procura tirar o máximo de receita do jôgo, deixando bem claras e patentes quais as pessoas que poderão jogar e quais as condições em que tal será permitido.
E fica ao Govêrno a certeza de que estão mais acautelados os interêsses das famílias e cortadas mais cerces as tam apregoadas nefastas consequências do jôgo com a regulamentação que vai seguir-se do que com o jôgo proibido pela forma como de há muito tempo o vinha sendo. (Grifo nosso)
Ve-se que o legislador português fez questão de deixar bem claro que após todos os séculos de repressão ao jogo, a mesma não havia surtido efeito, e a lei simplesmente estava sendo ignorada, sendo que o jogo continuava a ser praticado de forma clandestina e as suas consequências eram sentidas pela sociedade, que não arrecadava nada com isso. Tem-se, assim como na lei brasileira, um apelo para a moral, para os ditos “interesses das famílias”, que marca fortemente também o texto legal, ficando assim exposto que o jogo em Portugal também não gozava de afeição por parte do Poder Público, mas apenas era tolerado.
O Decreto nº 14.643/1927 determinava todo o funcionamento dos jogos de fortuna ou azar em Portugal, conforme se pode depreender em seu Artigo 1º: “Os jogos cujos resultados são inteiramente contingentes, não dependendo a perda ou o ganho da perícia, destreza, inteligência ou cálculo do jogador, denominam-se jogos de fortuna ou azar.”
Também determinada os locais onde poderiam ser instalados os cassinos, dividindo-os em zonas de jogo permanentes, como na Ilha da Madeira, e zonas de jogo temporárias, como em Sintra.
Ditava ainda como seria feita a concessão da exploração dos jogos para as empresas, direitos e obrigações, dos impostos que seriam arrecadados, dos que deveriam fiscalizar os cassinos e de como os cassinos deveriam ser, especialmente em relação ao seu conforto e estrutura, nos mínimos detalhes, vejamos esse interessante trecho do mencionado Decreto:
Art. 26.º Os casinos jôgo das zonas permanentes são estabelecimentos modelares e sumptuosos, satisfazendo a todos os requisitos de luxo, comodidade e confôrto exigidos pela vida moderna, com rico mobiliário e utensiliagem, obedecendo tanto quanto possível aos tipos arquitetônicos e a motivos decorativos nacionais e devendo constar de:
[...]
Grande hall, salões de dança, de restaurantes, de jogos de vaza, de leitura, de fumo, de exposição e conferências, teatro e cinema, tudo com as instalações acessórias indispensáveis e necessárias para garantir o bom funcionamento geral do casino.
O mesmo artigo tratava sobre a necessidade de, anexo ou próximo dos cassinos permanentes, haver hotéis do tipo Palace com oferta mínima de 300 quartos, sendo que pelo menos a metade desses deveriam estar ricamente mobiliados e com todos os requintes de luxo.
Esse período de regulação dos cassinos em Portugal, onde mesmo com todas as ressalvas feitas pelo governo, que controlava firmemente o jogo lícito, preferindo conviver com o mesmo e perseguir o jogo ilícito, começou a mudar no fim da década de 1940.
Os jogos em Portugal eram permitidos apenas nos cassinos, sendo que os praticados fora deles eram duramente reprimidos, mas apesar disso, em 1948 iniciou-se uma política de restrição aos jogos de azar, uma espécie de poda para restringi-los ao máximo com o objetivo final de não renovar concessões e acabar com a prática do jogo em Portugal.
Através do Decreto-lei nº 36.889/1948 extinguiu-se o Conselho de Administração de Jogos e criou-se, em substituição, o Conselho de Inspeção de Jogos, cargo considerado mais adaptado à nova competência. (NAUD, 1965)
No entanto, mesmo com o claro e expresso objetivo de proibir os jogos de azar e consequentemente os cassinos, o governo português agiu de maneira mais cautelosa do que o governo brasileiro havia feito 2 anos antes, quando, como vimos, proibiu repentinamente os jogos de azar em 1946. Portugal foi pelo caminho menos gravoso, preferindo anunciar que faria isso paulatinamente, vide o preâmbulo do Decreto-lei nº 36.889/1948 abaixo:
Reconhecidos os sérios inconvenientes morais da exploração dos jogos de fortuna ou azar, seria do agrado do Govêrno, em sequência das medidas repressivas que vêm sendo adotadas, pôr termo ao regime vigente ou, pelo menos, transformá-lo radicalmente, aumentando as restrições e agravando o respectivo condicionamento.
Atende-se, porém, às dificuldades que provocaria a rescisão das concessões adjudicadas ao abrigo do Decreto n.º 14.643, de 3 de Dezembro de 1927, e, por outro lado, pondera-se a circunstância de faltarem apenas dez anos para que elas caduquem normalmente.
Assim, o Govêrno limita-se a decretar, para êsse período final um conjunto de providências tendentes a disciplinar melhor a exploração, a sanear o regime de fiscalização e a defender com mais eficiência os interêsses do Estado.
As concessões em Portugal foram dadas com prazo determinado para os cassinos funcionarem, levando somente à dúvida se ao final do mencionado prazo os cassinos teriam a possibilidade de renovar seus contratos e continuar suas atividades, e como vimos, quando esse período de concessão estava no seu estágio final, o governo já tratava de uma forma de não dar prosseguimento nas atividades deles, mas esse posicionamento viria a mudar.
Com a proximidade do final do prazo de concessão dos cassinos e com a vigência do Decreto-lei nº 36.889/1948, tudo se encaminhava para a proibição do jogo em Portugal, porém, em 1958 é redigido o Decreto-lei nº 41.562, que promulgou novo regime para a prática de jogos de fortuna ou azar, que dizia introdutoriamente:
Deste modo, há que rever o problema à luz da experiência adquirida no decurso de trinta anos de regulamentação. Ainda desta vez, ponderados os diversos aspectos do problema, se reconhece que ao sistema da proibição absoluta, fonte de constantes infrações, será preferível regulamentar a prática do jôgo.
Prevaleceu a noção de que o turismo internacional tem aspectos particulares que não convém desconhecer, sob pena de prejudicarmos o seu benéfico desenvolvimento, muito embora cuidemos de velar por que não seja afetada, por uma atitude de transigência que ultrapasse o objetivo, a austeridade do nosso estilo de vida. Ainda que a atividade do jôgo seja moralmente condenável, não se pode optar por um sistema de proibição idêntico àqueles que por tôda parte degeneram na clandestinidade, arrastando, como consequência, o desprestígio da lei. (1958, apud NAUD, 1965, grifo nosso)
Interessante observar que o legislador português chega à conclusão de que não adiantava proibir o jogo de azar e a atividade dos cassinos, e passa a enxergar uma direta conexão entre eles e o turismo internacional, fato semelhante ao que ocorreu pela Europa a partir do século XVIII e XIX, e mesmo com o Brasil no início do século XX, conforme pudemos analisar no primeiro capítulo deste trabalho.
Conclui que a proibição não evitou antes e que não evitaria que os jogos clandestinos florescessem depois, e que tudo o quanto condenavam no jogo continuaria a existir, sendo que, proibindo, as únicas consequências seriam a perda de turistas, de arrecadação e o desrespeito ao diploma legal, fazendo-o virar letra morta.
Mas é necessário notar algo igualmente relevante, onde mesmo com a regulamentação dos jogos, alterações e acréscimos em relação à antiga lei permissiva dos mesmos, que a questão da moralidade ainda permaneceu firme, considerando-o moralmente condenável, atividade meramente tolerada em virtude dos benefícios econômicos trazidos, e nada mais.
Após esta lei veio o Decreto-Lei n.º 48.912, de 18 de março de 1969, quando o legislador aproveitou o ensejo para proceder à criação de uma nova zona de jogo, além de introduzir uma simplificação formal do regime jurídico do jogo e ainda alguns ajustamentos ou alterações aconselhados pela experiência acumulada. (LAUREANO, 2014)
Tudo isso resultou na atual legislação lusitana sobre o jogo de fortuna ou azar, que foi produzida com base nas experiências adquiridas ao longo de quase um século de ajustes, moldando o funcionamento do jogo no país da maneira mais adequada à sua realidade. O Decreto-lei n.º 422, de 2 de dezembro de 1989, a Lei do Jogo, é o que há de mais recente em Portugal sobre jogos de azar.
Essa Lei traz mudanças em relação às leis anteriores, como, por exemplo, nas localidades dos cassinos permitidos, e nas quantidades, que aumentaram, também regulamenta especificamente o Bingo. Uma perceptível mudança é notada em relação ao fim do uso de questões de moralidade, não estando presente as palavras “moral” ou “moralidade” no texto legal. O foco da lei se dá em questões turísticas, arrecadatórias, de fiscalização e funcionamento dos cassinos.
Percebe-se também a preocupação com a honestidade dos exploradores dos jogos com relação aos seus clientes, e também preocupa-se mais com o mercado, com os lucros, ocupação das salas de jogos, divulgação dos cassinos, aumento do turismo, maior liberdade para o usufruto dos estabelecimentos e controle do jogo, afinal, o mesmo continua a ser permitido exclusivamente nos locais previamente autorizados por lei. Vejamos o sumário do Decreto-Lei n.º 422/1989:
A disciplina actual do jogo consagra algumas soluções que carecem ser adaptadas às alterações de natureza sócio-económica verificadas nos últimos anos e, fundamentalmente, à função turística que o jogo é chamado a desempenhar, designadamente como factor favorável à criação e ao desenvolvimento de áreas turísticas.
Daí que a presente legislação, de interesse e ordem pública, dadas as respectivas incidências sociais, administrativas, penais e tributárias, haja sido reformulada com vista a instaurar um sistema mais adequado de regulamentação e de controlo da actividade, sem deixar de acautelar a defesa dos direitos constituídos e das legítimas expectativas das actuais concessionárias da exploração de jogos de fortuna ou azar.
Como principais inovações, acentua-se a responsabilidade das concessionárias pela legalidade e regularidade da exploração e prática do jogo concessionado e melhoram-se as condições para uma exploração rentável, factor que beneficia, designadamente, a animação e equipamento turístico das regiões, bem como a respectiva promoção nos mercados interno e externo.
Opera-se uma liberalização, de acordo com os princípios constitucionais, nos condicionamentos a que se sujeitam os acessos às salas de jogos de fortuna ou azar, mas, por outro lado, ao acentuar-se o princípio da reserva de admissão, visa-se melhorar o nível de frequência das salas de jogos e das restantes dependências dos casinos. (Grifo nosso)
Os jogos continuam podendo ser explorados somente nas zonas de jogo temporárias ou permanentes, com algumas exceções permitidas previamente pelo Estado, assim como os jogos permitidos estão em lista taxativa, mas também, dependendo da situação e aprovação dos órgãos responsáveis, podem ser praticados outros. O imposto incidente sobre o jogo também permanece regulado na lei, e da mesma forma, o direito de explorar o jogo continua reservado ao Estado:
Artigo 9.º
Regime de concessão
1 - O direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado.
2 - A exploração de jogos de fortuna ou azar pode ser atribuída mediante concessão a pessoas coletivas privadas, constituídas sob a forma de sociedades anónimas, ou equivalente, com sede num Estado-Membro da União Europeia, ou num Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que esteja vinculado à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e do combate à fraude e ao branqueamento de capitais, desde que, no caso de sociedades estrangeiras, tenham sucursal em Portugal.
As entradas nas salas de jogos, onde são praticados os diferentes tipos de jogos presentes nos cassinos, são reguladas da seguinte forma pela mesma lei:
Artigo 35.º
Acesso às salas de jogos tradicionais
1 - O acesso às salas de jogos tradicionais é sujeito à obtenção de cartão ou documento equivalente, podendo a concessionária cobrar um preço pela emissão daquele cartão, cujo valor, único para cada tipo de cartão, deve ser comunicado à Inspecção-Geral de Jogos com oito dias de antecedência.
[...]
Artigo 36.
Restrições de acesso
1 - O acesso às salas de jogos de fortuna ou azar é reservado, devendo o director do serviço de jogos ou a Inspecção-Geral de Jogos recusar a emissão de cartões de entrada ou o acesso aos indivíduos cuja presença nessas salas considerem inconveniente, designadamente nos casos do n.º 2 do artigo 29.
2 - Independentemente do disposto no número anterior, é vedada a entrada nas salas de jogos, designadamente, aos indivíduos:
a) Menores de 18 anos;
b) Incapazes, inabilitados e culpados de falência fraudulenta, desde que não tenham sido reabilitados;
c) Membros das Forças Armadas e das corporações paramilitares, de qualquer nacionalidade, quando se apresentem fardados;
d) Empregados das concessionárias que prestam serviço em salas de jogos, quando não em serviço;
e) Portadores de armas, engenhos ou matérias explosivas e de quaisquer aparelhos de registo e transmissão de dados, de imagem ou de som. (Grifo nosso)
Portugal é um bom exemplo de um país que passou por várias e diferentes etapas no trato com o jogo de azar num intervalo de menos de um século. Um país que até pouco tempo proibia e punia criminalmente a prática do jogo, passou a permiti-lo dentro de alguns limites legais, mas com muitas ressalvas, chegando a quase proibi-lo de novo e, após reconhecer que não seria o melhor caminho proibir o jogo, e preferiu mantê-lo, ainda com as mesmas considerações morais, passando a atualmente permiti-lo de maneira mais abrangente e menos rígida, embora ainda com forte controle estatal, mas deixando de lado amarras morais e religiosas, passando a ver o jogo como uma atividade rentável e positiva para o turismo[6], além de arrecadatória para os cofres públicos. De algo moralmente condenável o jogo passou a ser visto como entretenimento, atração para o país e fonte de recursos.
No campo dos jogos de azar, como foi apresentado, continua em vigor a mesma legislação que data de 1946, proibindo-os com base no artigo 50 da Lei das Contravencoes penais, de 1941.
Apesar disso, nunca houve uma aceitação plena da proibição dos jogos de azar e dos empreendimentos que os praticam, especialmente no que tange aos cassinos, visto que já foram permitidos por algum tempo e tiveram grande sucesso.
As discussões atuais questionam especialmente os motivos que levaram e ainda mantém a exploração e prática dos jogos de azar na ilegalidade, além, é claro, de todo o potencial arrecadatório, turístico e outros mais que a regulamentação deles traria.
Neste diapasão, o que há de mais atual é um Projeto de Lei do Senado (PLS), de autoria do Senador Ciro Nogueira, do PP/PI, o PLS nº 186 de 2014, que dispõe sobre a exploração de jogos de azar em todo o território nacional, define quais são os jogos de azar, como são explorados, autorizações, destinação dos recursos arrecadados, define as infrações administrativas e os crimes em decorrência da violação das regras concernentes à exploração dos jogos de azar. (BRASIL, 2014)
O mencionado Projeto de Lei traz inicialmente em seu texto original:
Art. 2º Fica autorizada, nos termos desta Lei e de seu regulamento, a exploração de jogos de azar em todo o território nacional em reconhecimento ao seu valor histórico-cultural e à sua finalidade social para o País.
[...]
Art. 3º São considerados jogos de azar, entre outros:
I – jogo do bicho;
II – jogos eletrônicos, vídeo-loteria e vídeo-bingo;
III – jogo de bingo;
IV – jogos de cassinos em resorts;
V – jogos de apostas esportivas on-line;
VI – jogo de bingo on-line; e
VII – jogos de cassino on-line.
Nota-se logo no início desse Projeto de lei uma evidente mudança de tratamento do jogo em relação à atual legislação de 1946. Diferentemente desta última, o novo Projeto justifica a legalização do jogo como “forma de reconhecimento ao seu valor histórico-cultural e à sua finalidade social para o País”, ou seja, o jogo não é visto mais como algo degradante e no máximo aturado, mas sim como sendo relevante e como parte da cultura do Brasil, muda assim completamente de status pelo ordenamento jurídico pátrio.
O PLS nº 186/14 também trata de toda a organização e funcionamento dos jogos de azar no Brasil, incluindo considerável atenção aos cassinos, além é claro de outros, como Bingos e o Jogo do Bicho, determinando como se dará a autorização dos mesmos pelo Poder Público:
Art. 5º Os jogos de azar serão explorados por meio de autorização outorgada pelos Estados e pelo Distrito Federal, observadas as disposições desta Lei e de seus regulamentos.
Parágrafo único. Os Estados e o Distrito Federal são os responsáveis por regular, normatizar e fiscalizar os estabelecimentos autorizados para a exploração dos jogos de azar no âmbito dos seus respectivos territórios, observado o disposto nesta Lei.
Art. 6º A autorização para explorar jogos de azar somente será outorgada às pessoas jurídicas que comprovarem:
I – capacidade técnica para o desempenho da atividade;
II – regularidade fiscal em relação aos tributos e contribuições de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e
III – idoneidade financeira.
Dá-se aos estados uma maior autonomia para regular o funcionamento dos estabelecimentos de prática de jogos nos seus respectivos territórios, elencando também as condições, de cunho técnico e fiscal, para que empresas possam explorar essa atividade.
No caso dos cassinos, também é exigido prévio credenciamento pelo Poder Executivo Federal, que poderá ser realizado ou negado, para as pessoas jurídicas interessadas em manter estabelecimentos do gênero, onde somente estas terão a permissão de construir os empreendimentos e gozar da exploração dos jogos permitidos nos cassinos (que possuem rol exemplificativo das modalidades permitidas), como se segue:
Art. 16 É permitida, mediante autorização dos Estados e do Distrito Federal, a exploração dos jogos de azar em cassinos por pessoas jurídicas previamente credenciadas pelo órgão a ser designado pelo Poder Executivo Federal.
Parágrafo único. Entende-se por cassino o prédio ou espaço físico utilizado para exploração dos jogos de azar.
Art. 17 Compete ao órgão do Poder Executivo Federal a que se refere o art. 16 desta Lei a regulamentação, o controle e a fiscalização dos cassinos. (Grifo nosso)
O Projeto de Lei, em seu texto original de 38 artigos traz também um capítulo apenas sobre as infrações administrativas e outro a respeito do crime e das penas associadas ao jogo. No fim, revoga toda a legislação contrária já analisada neste trabalho.
Por se tratar ainda de um projeto e por esse ser o texto original como foi apresentado em 2014, é notória a falta de especificidade e a abrangência excessiva de alguns temas, além de outros que não foram tratados ou que não foram tratados da forma como deveriam, especialmente no tocando à arrecadação, fiscalização, penas e questões relacionadas aos cassinos, como características essenciais que estes devem ter.
O projeto recebeu no Senado diversas propostas de emendas sendo parte aceita e outra rejeitada, tendo em 2016 parecer favorável pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN), apresentando uma redação um tanto quanto diferente do projeto inicial, definindo para os cassinos, em seu artigo 8º o seguinte:
§ 4º Cassinos são estabelecimentos comerciais, vinculados a resorts integrados, complexos hoteleiros ou hotéis, onde fica autorizada a prática de determinados jogos de azar, nos termos definidos no regulamento.
Posteriormente, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), recebeu mais algumas propostas de emendas ao texto, sofrendo algumas alterações que são, atualmente, as mais recentes na Lei, datando de 2017. Esta levou em conta uma série de sugestões de diferentes senadores e também de pessoas e associações interessadas na liberação dos jogos de azar, e embora na essência a lei tenha permanecido muito semelhante ao projeto original de 2014, algumas mudanças deixaram-na mais robusta e completa, mas houveram as meramente estéticas.
Uma destas foi a mudança de nome do jogo de azar, que passou a ser chamado de “jogo de fortuna”, mudança de relevância bastante questionável, visto que a terminologia “jogo de azar” já é utilizada no Brasil há tempo suficiente para ter se consolidado de maneira profunda e irreversível no vocabulário nacional, e não é a mudando a nomenclatura que se tornará o jogo diferente do que ele é ou o fará ser mais aceito, pode até ser encarado por parte da população, especialmente a contrária aos jogos, como uma tentativa de ludibriar a sociedade com algo novo e diferente, como se o jogo de azar fosse aquele moralmente errado que foi proibido no passado, mas o jogo da fortuna não, é algo novo e positivo para a sociedade, que deve ser aceito. Esse é um péssimo vício muito característico de alguns políticos brasileiros, que consegue macular até mesmo ideias interessantes.
Algumas das adaptações ao PLS nº 186/14 o fizeram, em boa parcela, mais completo do que o original, quase dobrando seu número de artigos, que dos iniciais 38 passaram a ser 70, sendo alguns deles apenas acrescendo incisos ou dando novas redações a artigos de leis já existentes.
A redação que trata dos cassinos ficou mais específica, dando maiores detalhes sobre o padrão exigido para esse tipo de empreendimento, a saber:
Art. 27. É permitida, mediante credenciamento junto a órgão a ser designado pelo Poder Executivo Federal, a exploração de jogos de fortuna em cassinos.
§ 1º Os cassinos deverão funcionar junto a complexos integrados de lazer construídos especificamente para esse fim.
§ 2º Os complexos integrados de lazer de que trata o § 1º deverão conter, no mínimo:
I – acomodações hoteleiras de alto padrão;
II – locais para a realização de reuniões e eventos sociais, culturais ou artísticos de grande porte;
III – restaurantes e bares;
IV – centros de compras.
§ 3º O espaço físico ocupado pelo cassino deverá corresponder a no máximo 10% (dez por cento) da área total construída do complexo integrado de lazer. (Grifo nosso)
A exemplo da legislação portuguesa, a nova redação sobre os cassinos no PLS nº 186/2014 passou a exigir que os cassinos deverão estar atrelados a hotéis de alto padrão, dentre outros, incluindo, no nosso caso, centros de compras e locais de grande porte para evento. A ideia de se utilizar apenas 10% do espaço para cassinos dá uma dimensão do tamanho dos empreendimentos que o legislador espera atrair.
No tocante à regulamentação dos jogos de azar, esta caberá ao Poder Executivo Federal, conforme o seguinte artigo:
Art. 7º Os jogos de fortuna serão regulamentados pelo Poder Executivo Federal e explorados por meio de credenciamento junto ao órgão do Poder Executivo Federal, Estadual ou Distrital competente, observadas as disposições desta Lei e de seus regulamentos.
§ 1º Compete ao Poder Executivo Federal o controle e a fiscalização dos cassinos e dos jogos explorados sob a modalidade on-line.
§ 2º Os Estados e o Distrito Federal são os responsáveis por fiscalizar os estabelecimentos credenciados para a exploração dos jogos de fortuna no âmbito dos seus respectivos territórios.
Trata ainda do Bingo e das Casas de Bingo, do Jogo do Bicho, do videojogo, jogos on-line, como as apostas eletrônicas, dentre outros. Define o chamado jogo de fortuna com um rol apenas exemplificativo, deixando aberto para acréscimos futuros.
Traz ainda um capítulo específico sobre a tributação, instituindo a contribuição social sobre os jogos e determinando sua destinação:
Art. 35. Fica instituída a Contribuição Social sobre a receita de concursos de prognósticos devida por aqueles que explorarem os jogos previstos nesta Lei.
§ 1º A base de cálculo da contribuição é o valor da receita bruta auferida em decorrência da exploração dos jogos previstos nessa Lei, abatido do valor destinado à premiação.
[...]
§ 4º Do produto da arrecadação da contribuição a que se refere o caput deste artigo, a União entregará 30% (trinta por cento) aos Estados e ao Distrito Federal e 30% (trinta por cento) aos Municípios, para serem aplicados, obrigatoriamente, em saúde, previdência e assistência social.
Outra questão interessante trazida nessa atualização do Projeto de Lei foi em relação ao chamado “Jogo Responsável”, que versa especificamente sobre pessoas com patologias relacionadas ao jogo:
Art. 42. A União realizará campanhas educativas a fim de conscientizar a população acerca dos riscos relacionados aos jogos de fortuna e estimulará a formação de grupos de apoio.
Art. 43. Regulamento estabelecerá limites e restrições à propaganda comercial de jogos de fortuna e de estabelecimentos que explorem jogos de fortuna.
Art. 44. Fica vedado o ingresso em estabelecimento que explore jogos de fortuna de pessoa portadora do vício de ludopatia, ou enquanto perdurar sua condição, cujo nome conste de cadastro criado especificamente para este fim.
§ 1º A inscrição de que trata o caput terá o objetivo único de impedir ou limitar o acesso do cadastrado a apostas nos jogos de que trata esta Lei.
§ 2º O cadastramento de que trata este artigo só poderá ser feito em razão de atitude compulsiva patológica relativa a jogos.
§ 3º A inscrição poderá ser feita de forma voluntária, pelo próprio ludopata, ou por ordem judicial em ação promovida nos termos dos arts. 747 e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 4º O cadastramento torna o cadastrado incapaz para a prática de qualquer ato relativo a jogos de fortuna em ambiente físico ou virtual, incluindo o ingresso em estabelecimento de apostas com resultado instantâneo, em todo o território nacional.
A ideia é deveras interessante, no entanto incompleta, pois não fala como pretendem fazer tais campanhas e principalmente como incentivar a formação de grupos de viciados no jogo, além da falta de destinação de verbas deste para os tratamentos.
No entanto, o parecer de 2018 do CCJ foi de rejeição pelo Projeto de Lei nº 186/14, utilizando fundamentos relacionados com a impossibilidade de criação de um órgão fiscalizador, visto que é competência do Presidente da República a criação de órgãos com essa função. Falou-se também que a exploração dos jogos de azar incentivam a lavagem de dinheiro, embora posteriormente tenham defendido as loterias públicas como fonte de receita em detrimento dos demais jogos. Teceram críticas também relacionadas ao turismo e principalmente problemas relacionados ao jogo patológico.
Após o requerimento de parlamentares, atualmente seguem aguardando para que o PLS nº 186/14 seja submetido ao exame da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado.
O Brasil atualmente passa por diversos problemas financeiros, ao mesmo tempo em que tem enormes encargos sociais, necessitando arrecadar mais do que tem arrecadado para dar conta. Podemos seguir o modelo que fracassou no mundo inteiro ao longo dos séculos, onerando cada vez mais o contribuinte, diretamente afetado pelos problemas financeiros do país, ou regulando uma atividade que nitidamente possui enorme potencial arrecadatório que está sendo desperdiçado ano a ano.
O exemplo lusitano pode ser um guia, um país com um histórico cultural muito semelhante ao nosso que atualmente lida com o jogo de maneira muito mais madura que a nossa, deixando de lado questões morais e religiosas para manter a proibição do jogo, reconhecendo que ela continuou existindo mesmo com séculos de proibição, e hoje explorando todos os benefícios que a regulamentação dos jogos podem gerar, valendo salientar que a maior parte do mundo, incluindo nosso continente, faz isso.
[1] Excetuando-se as corridas de cavalo em hipódromos ou outros locais que sejam autorizadas e as loterias com autorização prevista em lei.
[2] Onde foi sediado o Poder Executivo de 1897 até 1960, atualmente abriga o Museu da República.
[3] Art. 478 - A indenização devida pela rescisão de contrato por prazo indeterminado será de 1 (um) mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano e fração igual ou superior a 6 (seis) meses.[...]
[4] Art. 497 - Extinguindo-se a empresa, sem a ocorrência de motivo de força maior, ao empregado estável despedido é garantida a indenização por rescisão do contrato por prazo indeterminado, paga em dobro.
[5] LAUREANO, Abel. Grandes linhas histórico-jurídicas do jogo de fortuna ou azar em Portugal. Derecho y Cambio Social. Peru, p. 1-9, out. 2014. Disponível aqui.
[6] Segundo o portal lusitano Economia Online, em 2017 o país bateu recorde de turistas, chegando à marca de 20,6 milhão. No Brasil, segundo o G1, o número chegou a pouco mais de 6,5 milhão no mesmo ano.