Submeter a proposta [sobre a legalização dos jogos] à análise do plenário – em vez de relegá-la às gavetas virtuais – figurava entre as promessas da campanha de Lira para se eleger presidente da Câmara, no início do ano.
A legalização dos cassinos e outros jogos de azar tem, em tese, apoio de um figurão do Congresso que atualmente ocupa gabinete no Palácio do Planalto: Ciro Nogueira, senador licenciado e atual ministro da Casa Civil do governo do presidente Jair Bolsonaro. Nogueira é autor de um projeto que também prevê a legalização dos jogos no Brasil, e que está em tramitação no Senado. "Espero que a presença dele [no Planalto] ajude na aprovação, mas isso não é uma questão ideológica", afirma o deputado Bacelar (Podemos-BA), presidente do grupo de trabalho criado por Lira para debater a questão.
O ministro do Turismo, Gilson Machado, também é apoiador da iniciativa. Enquanto presidia a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), Gilson foi a Las Vegas (EUA) para uma "viagem técnica" em que conheceu o modelo de cassinos da cidade. Na viagem, ele teve a companhia, entre outros, do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) – filho de Jair Bolsonaro.
Mas a presença de nomes de peso do bolsonarismo como Flávio e Ciro Nogueira não determina o apoio do governo à empreitada. Se a presença deles faz com que a balança penda para um lado, para o outro pesa outro grupo numeroso e relevante para Bolsonaro, o dos evangélicos. Eles consideram que a legalização dos jogos de azar serviria de estímulo para vícios e outras práticas por eles condenadas.
"Minha posição contrária à legalização dos jogos de azar continua a mesma: sou visceralmente contra. E, por ser princípio, não mudará jamais", afirma à Gazeta do Povo o deputado federal Marco Feliciano (Podemos-SP). O parlamentar diz respeitar a opinião de Nogueira e de outros governistas favoráveis à iniciativa. Mas acredita que, ao fim, valerá a vontade da maioria "que é contrária à legalização do jogo no Brasil". No ano passado, a ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, chamou a legalização dos jogos de "pacto com o diabo".
O choque entre as duas alas de apoio ao governo tende a ser, em relação ao projeto da legalização dos cassinos, uma disputa mais ferrenha do que a habitual entre as bancadas de oposição e governista no Congresso.
A formação do grupo de trabalho na Câmara já exemplifica isso: tanto Bacelar quanto o relator do colegiado, Felipe Carreras (PSB-PE), são adversários do governo Bolsonaro e defensores da proposta. "Estamos tratando disso com todo o aparato técnico, dialogando com deputados de todos os partidos", diz Bacelar, que chama a possibilidade de legalização do jogo de "necessidade do país".
O projeto que Lira submeteu ao grupo de trabalho foi apresentado na Câmara em 1991. Na legislatura passada, uma comissão especial foi encarregada de analisar o texto. O colegiado aprovou um substitutivo que poderia avançar a plenário, mas permaneceu engavetado. A expectativa do grupo atual é partir do relatório feito pela comissão anterior, que encerrou seus trabalhos em 2016.
Legalização dos cassinos é "dinheiro na conta do governo"
O senador Angelo Coronel (PSD-BA) é relator de um projeto de lei que tramita no Senado e que tem o mesmo objetivo da proposta da Câmara: legalizar os cassinos e outros jogos de azar. O parlamentar é também um grande defensor da causa. Para ele, o momento atual do país é "ideal" para se descriminalizar os locais de apostas. "O governo precisa arrecadar. E os jogos de azar podem proporcionar R$ 50 bilhões em faturamento. É o valor que o governo está precisando para seus programas de distribuição de renda", diz ele.
Em seu relatório sobre o projeto, Angelo Coronel defende a legalização de "todos os modelos de jogos" já existentes. "Isso garante dinheiro na conta do governo na hora."
A abrangência de uma eventual liberação dos jogos é tema de forte divergência dentro do grupo dos parlamentares e empresários pró-liberação. Existem três alternativas colocadas à mesa. Uma é a de restringir os jogos de azar em locais determinados: hotéis-cassinos, que funcionariam em regiões específicas, sob controle restrito do poder público. Outra é a de permitir a implantação de cassinos sem restrição de localidade – ou seja, eles poderiam existir em qualquer ponto do território nacional, inclusive nos centros urbanos das grandes cidades.
Assunto reapareceu na CPI da Covid, de forma negativa
A discussão sobre a legalização dos jogos de azar foi citada durante a reunião da CPI da Covid do último dia 23, quando o colegiado ouviu o executivo Danilo Trento, diretor da Precisa Medicamentos. Parlamentares perguntaram a ele sobre a viagem de membros do governo a Las Vegas. Trento também encontrou com os brasileiros na cidade americana.
A partir da lembrança do episódio, senadores como Humberto Costa (PT-PE), Simone Tebet (MDB-MS) e Eduardo Girão (Podemos-CE) passaram a criticar a possibilidade de ocorrer a legalização dos jogos de azar no Brasil. Girão, por exemplo, disse que os de cassinos facilitariam a lavagem de dinheiro no território nacional.
À Gazeta do Povo, Girão reforça seu posicionamento contrário à ideia. "Os jogos de azar trazem o que há de pior nas pessoas e na sociedade. E o argumento que gera empregos é uma falácia", declara o senador. O parlamentar se apresenta como independente em relação à gestão Bolsonaro, mas costuma votar com o governo. Mesmo contrário à causa, Girão entende que o tema realmente deve ser discutido pela Câmara e Senado.
Girão diz que o posicionamento individual de Bolsonaro influenciará no empenho de Ciro Nogueira para a aprovação do projeto no Congresso. "Enquanto ministro-chefe da Casa Civil, o senador Ciro Nogueira tem mais ferramentas para articular a aprovação da sua pauta, que é favorável aos jogos de azar. Mas sua atuação será ampliada se o governo federal, na figura do presidente da República, for favorável e colocar a articulação do governo para trabalhar em prol da aprovação do projeto de lei. Assim, temos de aguardar os movimentos do governo federal quanto a esta questão", afirma Girão.
A Gazeta do Povo consultou o ministro Ciro Nogueira e o senador Flávio Bolsonaro para saber deles se haverá empenho na aprovação da iniciativa, mas não obteve resposta. A reportagem também procurou a senadora Eliane Nogueira (PP-PI), suplente de Ciro no Congresso, e também não recebeu retorno.
Fonte: Gazeta do Povo