No mês passado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou um grupo de trabalho para analisar o PL 442/91, que estabelece o Marco Regulatório dos Jogos no Brasil. O objetivo é atualizar a proposta, aprovada numa comissão especial há cinco anos, sem ter ido a plenário até hoje. A demora não é casual, mas fruto de pressões de bancadas religiosas. A simples formação do grupo de trabalho desperta reações apaixonadas sobre um assunto que precisa ser encarado com racionalidade, especialmente tratando-se de um Estado laico.
Os jogos de azar foram proibidos no Brasil em 30 de abril de 1946, no governo de Eurico Gaspar Dutra. As justificativas dadas à época sugerem que a decisão foi tomada mais por razões religiosas, ideológicas e de costumes que por motivos racionais. Em sete décadas e meia, jogos nunca saíram de cena, apenas se esconderam atrás das cortinas.
Alguém realmente acredita que não há jogatina no Brasil? Basta uma caminhada pelas ruas do Rio para deparar com apontadores do jogo do bicho — alguns nem fazem cerimônia em instalar seus pontos nas imediações de delegacias. As roletas clandestinas giram como nunca. Máquinas caça-níqueis fazem a fortuna de foras da lei. E o avanço digital permite que apostas sejam feitas de qualquer lugar, inclusive do Brasil, longe do alcance do Estado — e sem pagar impostos.
Em artigo no GLOBO, os deputados João Bacelar (Podemos-BA) e Felipe Carreras (PSB-PE), que integram o grupo de trabalho da Câmara, afirmam que o jogo ilegal no Brasil movimenta mais de R$ 27 bilhões por ano, superando em quase 60% os oficiais, que geram R$ 17,1 bilhões. “O debate é essencial para amadurecer e criar uma legislação que permita aos cidadãos exercer seu desejo de jogar, mas sob os olhos atentos do Estado, com regras claramente definidas e efetivamente aplicadas”, dizem os parlamentares.
De acordo com dados apresentados nas audiências na Câmara, a legalização dos jogos poderia gerar cerca de 200 mil novos empregos e formalizar outros 450 mil, números nada desprezíveis numa economia fragilizada. Estima-se que seriam arrecadados cerca de R$ 22 bilhões por ano em tributos e R$ 7 bilhões com outorgas de cassinos. Sem falar que a regulamentação teria grande impacto no turismo, setor no mundo inteiro devastado pela pandemia.
Nos Estados Unidos, onde há mais de mil cassinos espalhados por 40 estados, a indústria gera 1,7 milhão de empregos e concentra um negócio colossal de US$ 240 bilhões. Além dos EUA, países como China, Índia, Alemanha, Japão, França, Itália, Reino Unido, Canadá e Austrália legalizaram os jogos e os mantêm sob supervisão do Estado.
É fato que, no Brasil, apesar de proibido, o jogo corre solto. Sites hospedados fora do país oferecem apostas a qualquer um, inclusive a brasileiros. Portanto o mais certo é regular o setor, para que haja controle rigoroso. Existem modelos bem-sucedidos, como cassinos localizados em locais selecionados, acoplados a resorts, para incentivar o turismo, como em Cingapura.
Parte dos impostos arrecadados com a atividade poderia ser destinada ao combate ao vício e ao jogo ilegal — hoje não falta tecnologia para supervisioná-lo — e a campanhas de conscientização. Seria mais sensato legalizar o jogo eletrônico e projetos de cunho turístico do que continuar apostando na hipocrisia, fingindo que a jogatina não existe.
Fonte: O Globo