A vitória do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) na Câmara resgatou um grupo de parlamentares que estava no ostracismo desde a queda, há quase cinco anos, de Eduardo Cunha, presidente cassado na Casa. Ao contrário do antecessor Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tinha uma clara agenda liberal, Lira não atuará com uma pauta econômica preestabelecida. Ele já acenou que a prioridade agora é deixar a digital em temas de impacto imediato e apelo popular, como o auxílio emergencial. As reformas para destravar a economia ficam para um segundo momento.
No caso da reforma tributária, o debate ficou ainda mais travado. O governo, deputados e senadores têm propostas diferentes. O projeto da Câmara, que une cinco impostos, foi elaborado justamente pelo adversário de Lira na eleição, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), e relatado por Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB), que pode ser trocado. A reforma administrativa, por sua vez, está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e não tem prazo para chegar a plenário.
A agenda do grupo deverá incluir projetos de interesses diretos das suas lideranças, como prisão após condenação em segunda instância e mudança da lei de improbidade, e mesmo o auxílio emergencial, uma pressão das bases eleitorais dos partidos do Centrão. O “dinheiro na veia do povo”, como traduziu o ministro da Economia, Paulo Guedes, garante popularidade e votos para políticos paroquiais.
A falta de uma agenda definida faz com que cada projeto seja negociado. A tropa de choque do novo presidente da Câmara admite que a ofensiva do Palácio do Planalto em mudar votos nas eleições do Congresso, no começo deste mês, com a liberação de verbas e cargos atendeu apenas a essa votação. Daqui para frente, cada um dos projetos de interesse do Executivo vai exigir esforço semelhante.
O Estadão acompanhou uma conversa na semana passada, na qual Lira estava presente, em que um interlocutor brincou sobre essa pecha do Centrão dizendo que o governo não comprou, apenas alugou votos na eleição do Congresso. E aluguéis precisam ser renovados de tempos em tempos. Todos riram. É também com a mesma ironia que tratam a música do general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que cantarolou no palanque de Bolsonaro, em 2018, “se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”. Um dos presentes na conversa observada pelo Estadão debochou dizendo que agora eles são o “Centrão da música do Heleno”.
Na primeira semana, Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), anunciaram a intenção de jogar juntos. Eles procuraram estabelecer, em público, uma pauta de comum acordo com o Planalto. Logo de cara, porém, contrariaram Bolsonaro e enquadraram a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para agilizar a aprovação de vacinas contra a covid-19. Em resposta, o presidente da agência, Antonio Barra Torres, acusou o deputado Ricardo Barros (PP-PR), que encabeçou a proposta, de agir como lobista de empresa fabricante do imunizante. Aprovaram, ainda, a autonomia do Banco Central, pauta do interesse do sistema financeiro que tira do presidente a prerrogativa de demitir o chefe da instituição.
A batalha da vez é o retorno do auxílio emergencial. O Congresso quer dar mais quatro parcelas, a partir de março. Ciente de que sofrerá nova derrota, Bolsonaro precisou abandonar o discurso de que “o País está quase quebrado” e tenta convencer sua tropa de choque a cortar despesas como contrapartida.
Um dos objetivos mais urgentes é aprovar o Orçamento de 2021, pendente por disputas políticas desde o ano passado. Lira colocou no comando da comissão que vai definir o destino de bilhões de reais a inexperiente deputada Flávia Arruda (PLDF), mulher do ex-governador José Roberto Arruda, flagrado em 2009 com propina na meia.
Com Lira e Pacheco, os lobbies setoriais ganham força. A pressão para que a Câmara aprove a lei do gás ganhou até campanha na TV. Na próxima semana, o Senado deve acelerar a tramitação de proposta que regulamenta cassinos, bingos e jogo do bicho. O argumento: a arrecadação de impostos poderá reforçar os cofres do Bolsa Família.
O lobby dos jogos de azar começou a vencer resistências. O Republicanos, por exemplo, ligado à Igreja Universal, tende a liberar o voto. O partido acaba de assumir o Ministério da Cidadania, sua primeira pasta.
Lobistas já ganharam mais acesso nas comissões da Câmara. Assim que tomou posse, o grupo de Lira alterou o regimento interno e oficializou a entrada nas comissões temáticas durante a pandemia, quando a entrada na Casa será mais restrita. O ingresso desses profissionais nunca foi vetado, mas é a primeira vez que é formalizado.
Círculo
O novo arranjo político do governo Bolsonaro instalou no centro decisório do poder em Brasília um grupo político antes periférico, composto pelo baixo clero, ministros de carreira parlamentar e presidentes de partidos que começam a sair do ostracismo. Se não tem um círculo de notáveis perante a opinião pública, Lira cerca-se de amigos no baixo clero notórios pela capacidade de articulação longe dos holofotes.
Ele tem como conselheiros políticos o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), e o pai, Benedito de Lira, ex-senador e prefeito de Barra de São Miguel (AL), além do consultor de gerenciamento de crises Mario Rosa. “Vejo que, fora os políticos, a pessoa que mais o influencia é o Mario Rosa”, diz Marcelo Ramos (PL-AM), primeiro vice-presidente da Casa.
A força dos caciques partidários ressurge com Lira, mas as cartas estão também nas mãos de uma turma sem expressividade nacional e que opera nos bastidores do poder. O grupo mais fechado inclui André Fufuca (Progressistas-MA), Elmar Nascimento (DEM-BA), Wellington Roberto (PL-PB), João Carlos Bacelar (PL-BA), Hugo Motta (Republicanos-PB), Celina Leão (Progressistas-DF), Celso Sabino (PSDB-AP), Claudio Cajado (Progressistas-BA), Soraya Santos (PL-RJ) Cacá Leão (Progressistas-BA), Dr. Luizinho (Progressistas-RJ), Luis Tibé (Avante-MG) e Margarete Coelho (Progressistas-PI).
O início da gestão de Arthur Lira (Progressistas-AL) à frente da Câmara, com aprovação folgada da autonomia do Banco Central, agradou o governo e permitiu que o novo presidente da Casa fizesse uma sinalização ao mercado. Entretanto, o predomínio do ambiente de harmonia entre o Legislativo e o Palácio do Planalto que prevalece no processo de desalojamento do grupo de Rodrigo Maia (DEM-RJ) do poder e no início dos trabalhos legislativos deve ser visto com cautela, na avaliação de analistas.
Fonte: Felipe Frazão e Vinicius Valfré - O Estado de S. Paulo.