Brasil Fernandes é signatário da defesa das Loterias no Supremo Tribunal Federal em ADI, ADPF e demais ações constitucionais. Autor de diversos artigos sobre o mercado de “Jogos/gaming” no Brasil, ele concedeu uma entrevista ao jornalista Luiz Carlos Prestes Filho para sua série de artigos que publica diariamente no site Tribuna da Imprensa Livre sobre a legalização dos jogos no Brasil:
Luiz Carlos Prestes Filho: Quem estuda a Lei das Contravenções Penais percebe que a mesma está superada. Por que ela continua dando amparo a proibição dos jogos de apostas em dinheiro administrados pela iniciativa privada?
Roberto Carvalho Brasil Fernandes: Entendo que a norma que criminaliza a exploração de jogo de apostas em dinheiro, afeta apenas aquelas modalidades que ainda não estão legalizados e/ou regulamentados no país, ou aquelas que, embora se encontrem no portfólio das atividades legalizadas, são exploradas sem a devida “autorização”. Veja que há diversos jogos de apostas legalizados e regulamentados no Brasil, que são explorados pela iniciativa privada, a exemplo das mais de 14 mil agencias lotéricas permissionárias da CAIXA, as empresas que operam as modalidades lotéricas em alguns estados, os sorteios pelas empresas de capitalização, as promoções comerciais autorizadas pela Lei 5.768/71 através da SECAP/ME, as apostas em corridas de cavalo, o Poker e outras modalidades em que há uma aposta no resultado de um sorteio ou competição e respectiva premiação. Observe que o que a Lei Penal criminaliza, não é o “jogo em si”, mas a sua exploração. A figura que é afetada mais fortemente pela sanção, para fins penais, é quem efetivamente obtém algum beneficio econômico com a exploração do jogo, o empreendedor (mesmo que quem dele participa também pode sofrer sanção).
Por isso, também os agentes lotéricos devem ser considerados entre os empresários do setor, e submetidos as regras legais respectivas. A meu ver, há uma distinção significativa que deve ser levado em consideração, entre as diversas atividades em que há, igualmente, uma aposta, sorteio/competição e prêmio. Me refiro as modalidades lotéricas (que não são conceitualmente jogos de azar), os jogos de azar (assim tipificados pela lei brasileira), os sorteios beneficentes, as promoções comerciais, as apostas em competições esportivas regulamentadas e os jogos de habilidade. Cada qual com suas particularidades, que não podem ser confundidos. Entender o conceito de cada uma destas atividades, assegura o exercício legal ou atrai a Lei de Contravenções Penais. Feito estas considerações, concordo no ponto da ação que tramita no STF (RE966177) que a proibição da exploração de “jogos de azar” no Brasil, não protege qualquer bem juridicamente relevante, sendo, portanto, inválida. Não apenas pela incapacidade de proibir de fato (o jogo do bicho, modalidade considerada a mais honesta no Brasil, é explorada em todo país, há mais de 100 anos, em confronto com o artigo 58 da LCP), mas porque é aceita pela maioria da população.
No entanto, a legalização de outras modalidades de apostas em jogos, é necessária e urgente, pois há uma grande demanda. Há também o avanço das ofertas pela internet de sites estrangeiros, cuja única e eficiente forma de coibir a exploração no território nacional, é ocupar este espaço, regulamentando aqui também. Há necessidade e urgência na legalização das demais modalidades em que há demanda no Brasil, a exemplo dos jogos tradicionais e das modalidades típicas de Cassino.
Finalizo, observando, no entanto, que deve permanecer a proibição para exploração de qualquer modalidade de aposta em jogos (gambling) que não tenha autorização do órgão público competente, com base na lei, pois é do atendimento as regras que a exploração das apostas se converte em benefícios para a sociedade onde ela se estabelece.
O legislativo brasileiro precisa realizar uma ampla reforma e retirar leis obsoletas? Quais seriam as prioridades? Eliminar o entulho de leis obsoletas colaboraria com a regulamentação de jogos?
Não me parece que é caso de revogar as normas que proíbem a exploração de “jogos de azar”, mas sim legalizar e regulamentar todas as modalidades de “jogos de azar”, especialmente aquelas já adotadas em mercados maduros e adotando regras idênticas a de outros países em que isso já acontece a mais tempo. A proibição aqueles que desejam explorar sem atender as regras legais, devem permanecer rígidas, sob pena de inviabilizar um mercado legal de jogos no país.
O julgamento previsto no STF sobre a lei das Contravenções Penais atropela os projetos de lei que estão em andamento no Congresso Nacional relacionados com jogos?
O Congresso Nacional está pecando por omissão. Também o Governo Federal não tem atitude firme a favor deste mercado. Por isso a provocação do Judiciário, na mais alta Corte, o STF. Talvez um mandado de injunção também seria apropriado, se considerarmos que a exploração das modalidades de “jogos de azar” se trata do exercício de um direito, uma liberdade constitucional, nos termos do art. 5º, LXXI da CF, obrigando a regulamentação da atividade, que neste caso, deve ser considerada de natureza privada, típica atividade econômica do art. 170 § único da CF/88 (em tese). Ao meu ver não se trata de atropelar as funções dos legisladores federais, até porque isso não seria possível, mas da busca de amparo no judiciário, para o exercício de atividade puramente econômica, que o poder público não regulamentou e o legislador não definiu as regras de sua exploração.
A aprovação projeto que regulamenta Cassinos-resort promove insegurança jurídica para os investidores?
Não. Os Cassinos-resorts, são empreendimentos que, a meu ver, devem ser legalizados e bem regulamentados no Brasil. Tratam-se de investimentos que geram empregos e renda, atraem turistas internos e externos e ocupa uma demanda existente. As diversas modalidades de jogos explorados dentro destes estabelecimentos, que incluem os Bingos, slot machines e jogos de mesa, tem um público interessado, assegurando viabilidade econômica destes empreendimentos. No entanto, defendo a existência concomitante de Cassinos-resorts e de Cassinos Multidisciplinares, estes últimos sem hotel. Explico: a rede hoteleira em cidades turísticas, se beneficiaria de uma nova ferramenta turística, voltada ao entretenimento, desde que os seus clientes se hospedem nos hotéis do entorno, enquanto os Cassinos-resorts, devido ao investimento, podem ter uma área protegida, assegurando o nível de investimento, pois quem para lá se dirige, em regra fica hospedado na estrutura do próprio Cassino-resort. Digo mais, a meu ver, Cassinos Multidisciplinares devem ser urbanos, onde se permita diversas modalidades de jogos, inclusive os Bingos de cartela, que teve muito sucesso no final dos anos 90, bem como ser um empreendimento, preferencialmente desenvolvido por grupos nacionais, para assegurar que as receitas circulem em nosso país.
Com a regulamentação aprovada no STF teremos que criar uma estrutura legal robusta? Esta legislação deve ser mais bem desenvolvida e competente do que a lei que autorizou o funcionamento dos bingos na década de 1990? Qual suas propostas?
O STF não pode regulamentar o mercado, ele apenas declarará a validade ou invalidade da parte do Decreto 3.688/41, que se refere a proibição da exploração de “jogos de azar”. Observe que as normas penais existem, para proteger um bem juridicamente relevante. Por exemplo: proíbe-se o homicídio, para proteger a vida; proíbe-se o furto para proteger o patrimônio, proíbe-se o estupro para proteger a dignidade sexual; assim pergunta-se: qual o bem jurídico esta sendo protegido, quando se pretende proibir a exploração de jogo de azar no Brasil? Ao responder, também, esta pergunta, o STF vai declarar válida ou não a referida norma submetida a exame. Quanto a lei que autorizou os Bingos na década de 90, observo que não era uma lei que tinha como objeto o “Bingo”, e sim o desporto nacional. O Bingo era apenas uma fonte de receita para aquelas finalidades – o desporto. Caso o Congresso venha a legalizar a exploração privado dos bingos e demais modalidades de jogos de azar, a partir desta decisão do STF (ou não- é que o Congresso Nacional – CD e SF, não depende desta decisão para tratar desta matéria), deverá tratar de questões administrativas, relativo a competência, questões tributárias, penalidades etc., que evidentemente pode (e deve) adotar modelos já existentes em outros países, com regras e mecanismos que permitem um bom e saudável negócio para a população/sociedade, para o empreendedor do negócio e para o governo.
Uma Agência Nacional de Jogos, como a Agência Nacional do Petróleo seria uma estrutura adequada?
A meu ver sim. Trata-se de entidades que tutelam interesses públicos e privados, dinamizam a normatização de atividades econômicas relevantes e detém liberdade que, em tese lhes afastam de interferências meramente político partidárias. Juntamente com uma boa Lei, contribuiria muito para manter a saúde do mercado de entretenimento que inclua a exploração de todas as modalidades de jogos de azar no Brasil.
O Brasil, institucionalmente, está preparado para a regulamentação de jogos? O regime democrático favorece a regulamentação dos jogos hoje?
Sim, o Brasil está atrasado neste quesito. Nosso país controla um dos mais complexos sistemas financeiros do mundo, realiza as eleições em formato eletrônico com muita eficiência, os estados estão preparados e desejosos em recepcionar empreendimento deste setor, o turismo necessidade destas atividade para incremento de suas atividades fins, mantemos há anos milhões de desempregados que podem, em parte, serem absorvidos pelo novo mercado, há demanda intensa, basta verificar a quantidade de brasileiros que procuram cassinos como destinos de viagem internacional, gera uma importantíssima receita tributárias que em nada onera a população, entre outros argumentos. Não conheço resultado de sucesso, do ponto de vista social, econômico e da saúde pública, entre aqueles países que escolheram proibir a exploração das apostas nos diversos jogos, portanto, respondo, que o Brasil está preparado para legalizar todas modalidades de jogos, e a forma que isso deve acontecer, já está respondido em diversas legislações de países onde o mercado é maduro e saudável.
Fonte: Luiz Carlos Prestes Filho – Diretor Executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre