VIE 29 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 00:32hs.
Como Amicus Curiae

Defensoria Pública da União pede entrada no RE 966.177 e descriminalização do jogo no Brasil

A Defensoria Pública da União protocolou no STF petição para ser aceita como Amicus Curie no julgamento da RE 966.177, que pode definir que os jogos de azar não são contravenção penal pelo fato de o art. 50 do Decreto-Lei 3688/1941 não ter sido contemplado na Constituição de 1988. Além do pedido em si, o órgão pede “o reconhecimento da não-recepção do tipo previsto na Lei das Contravenções Penais, desprovendo-se, assim, o recurso extraordinário”. Ou seja, posiciona-se contra o Ministério Público e a favor da descriminalização da atividade.

A Defensoria Pública da União, órgão estatal que “serve às pessoas e aos grupos em situação de vulnerabilidade, e sua atuação interventiva deve ser avaliada a partir da repercussão dos debates institucionalizados que envolvam interesses desses grupos ou pessoas”, conforme consta da petição ao Supremo Tribunal Federal pedindo o seu ingresso como Amicus Curiae na Repercussão Geral 966.177, que discutirá o tema no dia 7 de abril.

Em sua petição, a Defensoria Pública da União requer sua admissão nos autos do processo, apresenta sua manifestação sobre o tema e, ao final, pede:

a) admissão da Defensoria Pública da União no processo, na qualidade de Amicus Curiae, franqueando-se o exercício das faculdades inerentes a essa função, entre as quais a apresentação de informações, manifestações, memoriais e a sustentação oral dos argumentos em Plenário;

b) o reconhecimento da não recepção do tipo previsto no artigo 50 da Lei das Contravenções Penais, desprovendo se, assim, o recurso extraordinário;

c) a intimação dos atos do processo.

No documento, o órgão apresenta, entre outras razões para o ingresso no processo “para permitir que a Defensoria Pública, órgão de Estado comprometido com a defesa criminal, possa estabelecer contraponto ao Ministério Público, órgão de Estado dedicado ao exercício da acusação”.

Justifica, ainda, que “embora as orientações do Ministério Público e da Defensoria Pública possam eventualmente alinhar-se, não é o que normalmente ocorre em matéria criminal. E, no presente caso, a posição da Defensoria Pública é diversa da externada pelo Ministério Público, quer como recorrente, quer como custos legis”.

Segue em sua petição afirmando que “Além disso, de maneira específica, o tema da não recepção do artigo 50 da Lei de Contravenções Penais, embora de natureza estadual, atrai o interesse da Defensoria Pública da União, justamente pelo fato de o órgão atuar em processos de competência criminal estadual no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e dessa Suprema Corte”.

Sobre a contravenção, a petição descreve que “A Lei de Contravenções Penais é o território por excelência de controle de comportamentos sociais. Constitui verdadeiro behaviorismo criminal. Em razão disso, autores defendem que a lei não foi recepcionada em sua íntegra, uma vez que vícios e comportamentos não devem ser punidos pelo Direito Penal, considerada a secularização do direito. A contravenção de estabelecimento ou exploração do jogo de azar, relativa à polícia de costumes, assume com maior ênfase esse caráter de mero controle de comportamento social. Fundamenta-se, em última análise, no juízo moral negativo que recai sobre quem estimula ou pratica o jogo de azar”.

Ao defender na petição a não recepção do artigo na Constituição de 1988, a Defensoria Pública afirma que: “O princípio axiológico de separação entre Direito e Moral, associado ao caráter secular do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da Constituição da República), veda a proibição de comportamentos meramente imorais ou de estados de ânimo pervertidos, hostis ou, inclusive, perigosos. Tal princípio impõe a tolerância jurídica a toda atitude que não seja lesiva a terceiros”.

Mostrando um caminho bastante claro sobre o entendimento do órgão, a Defensoria Pública afirma que:

Segundo a doutrina, a objetividade jurídica da contravenção são os bons costumes.

Para outros autores, também se busca proteger o patrimônio dos cidadãos, pois é sabido que muitas pessoas perdem o controle e ficam obceca das por jogos de azar, e, não raro, perdem grandes quantias ou até arruínam financeiramente suas famílias.

Ora, com todas as vênias, nem todas as pessoas que se dedicam a jogos de azar são obcecadas ou nutrem alguma compulsão. Nesse contexto, é questionável se há proporcionalidade, sob a ótica da proibição de excesso, em proteger criminalmente o mero risco de que algumas pessoas assim se caracterizem, colocando todas elas sob a ameaça do Direito Penal.

Nessa linha argumentativa de proteção criminal ao risco de compulsão pelo jogo de azar, não há como justificar o fato de não recair, por imperativo racional (proporcionalidade), algum tipo de criminalização sobre a disponibilização e o próprio consumo de álcool e de cigarro, que também são fontes possíveis e potenciais senão ainda mais graves de vícios. A propósito, tais vícios incursionam ainda de maneira mais efetiva sobre aspectos de saúde pública, por afetarem de maneira mais imediata a saúde corporal.

Tem-se, portanto, de um lado, a preocupação em policiar os costumes (behaviorismo social); de outro lado, protege-se apenas o risco (perigo abstrato) de ruína patrimonial.

Acrescente-se que o tipo penal em destaque remete ao debate criminológico sobre os denominados victimless crimes, a respeito dos quais defende-se que a criminalização seja suspensa ou, ao menos, fortemente restringida.

Há razões de política criminal que indicam a irracionalidade de criminalização dessas condutas. Uma dessas razões é a de que muitos victimless crimes recaem sobre bens e serviços que são objeto de grande demanda. A sanção penal, dessa forma, limita o fornecimento, mas não consegue controlar a demanda, o que gera valorização do bem ou serviço e cria verdadeiro monopólio para os profissionais do negócio. O efeito, então, é o de contribuir para a formação e para o crescimento de organizações criminosas."

Após essa explanação, a Defensoria Pública afirma que: “Diante desse quadro, assenta-se a não recepção do artigo 50 da Lei das Contravenções Penais, impondo-se seja desprovido o recurso extraordinário da acusação."

E por fim pede, como já mencionado acima, no item 4 do documento protocolado no STF:

4. Dos pedidos

a) admissão da Defensoria Pública da União no processo, na qualidade de Amicus Curiae, franqueando-se o exercício das faculdades inerentes a essa função, entre as quais a apresentação de informações, manifestações, memoriais e a sustentação oral dos argumentos em Plenário;

b) o reconhecimento da não recepção do tipo previsto no artigo 50 da Lei das Contravenções Penais, desprovendo se, assim, o recurso extraordinário;

c) a intimação dos atos do processo.

Fonte: GMB