No Brasil, desde o dia 30 de abril de 1946, “considerando a tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro” e que “a repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal”, por meio do Decreto-Lei nº 9.215, restou estabelecido que estaria proibida em todo território nacional quaisquer atividades vinculadas a “jogos de azar”. Trata-se de diploma legal que determinou a retomada de vigência do tipo penal estabelecido no art. 50, da Lei das Contravenções Penais (1).
No comando legal em referência são criminalizadas as condutas daquele que estabelece ou explora “jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele”; e daquele que é encontrado, no Brasil, participando “do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador” (2).
Não obstante o próprio texto do Decreto de 1946 demonstre que a proibição adveio estritamente para atender supostos anseios sociais de cunho estritamente moral, as condutas penais indicadas no caput do art. 50 da Lei das Contravenções Penais e em seus parágrafos permanecem tipificadas até a presente data.
Entretanto, tal panorama poderá ser alterado muito em breve. Isso porque, após anos de espera, foi pautado para julgamento pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal na próxima quarta-feira, dia 7 de abril, o RE nº 966.177, no qual a Corte decidirá se o dispositivo legal que criminaliza os jogos de azar e as apostas esportivas foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
No processo que antecedeu o recurso extraordinário em questão, no qual o Supremo reconheceu a existência de repercussão geral (ou seja, admitiu que o caso apresenta questão relevante que vai além dos interesses das partes), o réu foi condenado, em primeiro grau, pela prática da contravenção penal prevista no artigo 50, caput, da Lei de Contravenções, e, em grau recursal, foi absolvido pela Turma Recursal Criminal do Rio Grande do Sul.
Agora, no recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, a Suprema Corte irá discutir se a contravenção penal do jogo de azar permanece, ou não, vigente, tendo em vista que princípio constitucional da lesividade, implícito na Constituição Federal de 1988, não admite a existência de tipos penais que não imponham lesão a bens jurídicos.
O reconhecimento pelo Pleno do STF da não recepção do dispositivo que criminaliza a exploração de jogos de azar saneará a irracionalidade da criminalização de condutas que não possuem qualquer relevância a justificarem a incursão do direito penal (no juridiquês, ultima ratio), e que permanecem tipificadas por mero empenho estatal no controle de comportamentos sociais.
A descriminalização terá impactos diretos tanto nos casos em que se debate a incursão no dispositivo previsto no art. 50, da Lei das Contravenções Penais, como naqueles em que se discute a lavagem dos valores oriundos da prática.
Ademais, o rompimento de tal paradigma pela Suprema Corte colocará ainda mais pressão sobre a urgente regulamentação da Lei nº 13.756/18, possibilitará o funcionamento de casas especializadas e poderá movimentar, diretamente, a economia brasileira.
A ver...
(1) BRASIL. Decreto-Lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, 3 out. 1941. Disponível em .
(2) Com relação a tal ponto é importante destacar que não incorre na conduta aquele que participa de jogo em site sediado fora das fronteiras brasileiras.
Mariana Chamelette
Advogada pós-graduada em Direito Penal Econômico e em Direitos Fundamentais, especializada em Compliance. Coordenadora Regional do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD. Procuradora do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol Paulista. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim.