As pesquisas eleitorais, até que se confirmem ou se desautorizem, são como antigas cortesãs, cuja beleza se celebrava segundo o gosto do freguês. Os candidatos apostam que estão corretas, quando os números lhes são favoráveis, mas capazes de encontrar muitas razões para suspeitar, se revelam melhor a performance dos adversários. É uma verdade velha como a Sé de Braga, mas sempre há na política quem seja capaz de levá-las a sério, como agora, quando se tenta saber da sorte dos candidatos que estarão disputando a presidência da República daqui a 16 meses.
Com tanta coisa por acontecer, num país em que a gente nunca sabe com que novidades haveremos de acordar amanhã cedo, diríamos que as tendências publicadas não são muito diferentes dos adivinhos. Faltando tanto para que esses senhores digladiem (quantos serão?), levar essas pesquisas a sério é, portanto, tão imprudente como praticar salto no escuro.
Há dias os questionários recolhidos por alguns institutos asseguravam que o presidente Bolsonaro reunia condições para vencer no segundo turno, se seu opositor fosse Lula. Pois na última semana, em grande guinada, as preferências passaram a ser creditadas ao possível candidato do Partido dos Trabalhadores, que, ao contrário do rival, já liquidaria a fatura na primeira votação.
Não custa lembrar o mais recente tropeço nas aferições eleitorais, quando elaboradas com grande antecedência. Em 2018, o Ibope, ao projetar os números de suas planilhas, anunciava que Jair Bolsonaro perderia, no segundo turno, se o adversário fosse Haddad, Ciro ou Alckmin. Pois o que se viu foi diametralmente o diverso.
Não só aqui. Vários países, onde se processam eleições democráticas, recomendam cuidado. Os Estados Unidos aprenderam a ter prudência em relação a consultas prematuras, desde 1948, quando o país inteiro foi pesquisado, de forma que ninguém duvidou da vitória de Dewey, mas foi Truman que venceu. Quatro anos depois, dava-se com folga a reeleição do presidente que havia surpreendido; contudo, saiu derrotado por Eisenhower. Os exemplos são muitos.
Hoje, todos os candidatos à presidência da República, os anunciados e os que ainda podem chegar, ignoram completamente o que os aguarda em novembro de 2022. Quando chegar a hora e a vez das urnas, que país será esse que pretendem governar? Pois nem têm como prever, desde já, o que estarão pensando milhões de eleitores, por hora apenas preocupados com a sobrevivência e com a pandemia.
O presidente na roleta
O presidente Jair Bolsonaro, entre a cruz e a espada, tem sido pressionado pelos que defendem a reabertura dos cassinos, como forma de ampliar a arrecadação de impostos e deter a evasão dos apostadores; e, de outro lado, instado pelos que veem no jogo o instrumento de corrupção e degradação.
Entre estes, tem se manifestado a ministra da Família, Damares Alves, que identifica ali o dedo do diabo. Não se pode prever como agiria Bolsonaro, se tivesse de decidir; mas sabendo, de antemão, que haverá de enfrentar críticas e lamentos, qualquer que seja o caminho que pretendesse adotar.
O senador Ciro Nogueira, do Piauí, capitaneia a bancada que propõe a regulamentação, animado por expressivo número de parlamentares que integram a base governista, num conflito aberto com os grupos religiosos, notadamente evangélicos, estes também bolsonaristas de envergadura.
Não é só no colo do atual presidente que o assunto dorme, renasce e de novo se recolhe. Fala-se disso desde Gaspar Dutra, que trancou as portas dos cassinos, por achar que contribuíam para a degradação das famílias.
Na verdade faltam, de ambas as partes, argumentos convincentes. Querem alguns que o jogo pode levar os mais pobres à miséria, mas só por isso não convencem, porque cassinos hospedam os ricos; tanto que são eles que vão jogar em Las Vegas e Monte Carlo, onde só com muito dinheiro pode-se viver a vertigem do ganho e a febre da perda, a mesma excitação do jogador de Dostoievsk.
Assalariados não voam tão alto, e se, viciados, contentam-se com a fezinha no bicho, séria instituição, que, ao contrário da Constituição, vale pelo que está escrito, honrada desde que inventada, em 1888, pelo barão de Itabira do Mato.
Dizer que o país arrecadaria mais impostos também é duvidoso, tomando-se por base nossa elevada competência para sonegar durante o dia; quanto mais nas madrugadas de luzes e roletas distantes da fiscalização...
Outra coisa é que, em rigor, as lotos, lotomanias e megas, que empregam milhares e promovem sorteios diariamente, já conseguiram cobrir o Brasil com um vasto pano verde; e nem por isso as misérias deixam de prosperar. Sente-se, então, que vivemos o singular debate sobre liberação do jogo no país que mais joga em todo o mundo.
Wilson Cid
Jornalista, escritor e professor universitário, Juiz de Fora, MG, Brasil
Jornal do Brasil