GMB - Por que a OAB/DF decidiu criar a Comissão de Direito dos Jogos? Quem teve a ideia?
Sérgio Garcia Alves - Eu destacaria três motivos que orientaram a Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Seccional do Distrito Federal (OAB/DF) a criar a Comissão de Direito dos Jogos: (i) a disposição de contribuir de modo qualificado para o debate nacional sobre a regulamentação de temas relacionados ao jogo; (ii) a conveniência de unir advogadas e advogados de Brasília que têm sido procurados para orientação jurídica e de relações governamentais; e (iii) a oportunidade de disseminar o nicho como nova área de atuação da advocacia.
A ideia partiu de advogados e advogadas que já atuam na matéria e que pretendem aprimorar suas práticas profissionais. O Presidente da OAB/DF, Délio Lins e Silva Jr., e o Conselho da Seccional prontamente acataram a proposta, por concordarem com essa motivação e enxergarem a OAB como espaço aberto ao debate democrático de ideias.
A Comissão tem ganhado a aderência de advogados interessados na regulamentação dessa área?
Sim, há pedidos de participação de advogadas e advogados de várias áreas (tributário, regulação, cível, empresarial, penal, relações governamentais) e não apenas de Brasília.
Aproveito para compartilhar nosso Regimento Interno e convidar os leitores da “Games Magazine Brasil” a se juntarem à Comissão de Direito dos Jogos, que permite a participação formal também de profissionais de outras áreas e estados brasileiros.
A matéria é multidisciplinar, e temos muito a ganhar com a experiência de outros colegas.
Quais contornos jurídicos e mercadológicos desse setor vocês têm discutido?
De antemão, registro nosso entendimento de que nem toda a matéria de jogos depende de regulamentação. Há temas na pauta que não seriam objeto de lei ou atuação estatal, e que dependem exclusivamente da relação entre privados e de contratos entre as partes.
Dito isso, a Comissão está organizada para atuar sob três vieses, de interesse público e privado: (i) jurídico “stricto sensu” (operação, arranjos empresariais, contratos, tributação); (ii) regulatório (as escolhas que o Estado e agentes têm a fazer); e (iii) políticas públicas (as ações de “advocacy”, “policy” e relações governamentais).
A partir dessas abordagens, o Regimento Interno da Comissão lista temas de interesse: conceitos jurídicos de jogos e apostas, marco legal de jogos, loterias estaduais, apostas esportivas, jogo responsável, arrecadação tributária, meios de pagamento, integridade no esporte, entre outros.
Hoje, a maioria dos times que jogam na série A do Brasileirão é patrocinada por casas de apostas. Depois da regulamentação das apostas esportivas, você acredita que haverá um crescimento desse mercado? O projeto de regulação proposto pela SECAP fomenta a implantação dessa indústria no Brasil?
Acima de tudo, acredito que haverá transparência sobre o mercado e conforto jurídico para mais investimento. Deixaremos de viver sob a tensão de que atuamos permanentemente em áreas cinzentas do mercado e do Direito.
Existe a argumentação jurídica sedimentada no setor de que o mercado de apostas esportivas é regular por uma série de motivos: vigência de lei federal apenas pendente de regulamentação, localização de empresas no exterior, licenças emitidas por reguladores estrangeiros, servidores hospedados em outros países, entre outros. Com esse raciocínio, fazemos publicidade ostensiva, parcerias no esporte, contratos de patrocínio, oferecemos o produto ao público brasileiro.
Há grupos econômicos, porém, que preferem aguardar o desenvolvimento total de nosso quadro regulatório. Enquanto isso não acontece, eles se mantêm distantes de prestarem o serviço no Brasil e o Estado deixa de arrecadar.
No passado, vimos minutas de decreto do Ministério da Economia que regulamentavam as apostas esportivas, previstas na Lei nº 13.756/2018. Infelizmente, não houve ambiência para aprovação e aderência das soluções propostas pelo governo às intenções e práticas do mercado. Esperamos que a desestatização da modalidade, por meio do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), ocorra o quanto antes.
Apesar de estar há anos em discussão no meio político, até hoje não foram legalizados os jogos de azar. O que acredita que falta para finalmente o Brasil se unir aos países desenvolvidos e regularizar essa atividade?
Entendo que a principal razão se relacione à falta de decisão sobre o paradigma econômico que deve reger a matéria. Os agentes públicos e privados não chegaram a acordo sobre os pressupostos desenvolvimentistas ou liberais que devem orientar um marco geral do jogo no Brasil ou a regulamentação de algumas modalidades específicas.
Essa indecisão é explícita quando discutimos (i) a pertinência de se limitar o número de licenças para apostas esportivas e eventualmente licitá-las ou (ii) se devemos credenciar todos os operadores que satisfaçam critérios normativos; ela também está presente quando debatemos (i) se compete ao Estado apontar as regiões autorizáveis à instalação de cassinos ou (ii) se essa decisão deve ser atribuída exclusivamente ao investidor privado.
Acredito na emergência de um modelo regulatório brasileiro construído a partir de boas práticas globais.
A questão das loterias estaduais foi muito debatida recentemente. Quais as vantagens para o cidadão e para o estado na abertura de novas loterias estaduais no país?
Há um sem-número de vantagens: geração de receita tributária, novas fontes de financiamento para causas públicas, criação de postos de trabalho, aumento da competição, modernização das modalidades lotéricas, oferta de novas opções de lazer, ampliação de políticas de jogo responsável, promoção de medidas de integridade, atração de investimento estrangeiro.
Sem dúvida, a matriz de múltiplas loterias federal, estaduais, distrital e municipais vai trazer grandes desafios de operacionalização e sustentabilidade mercadológica.
Como vê o futuro dos jogos no Brasil? Imagina que, em termos jurídicos, seja promissor?
Nos últimos anos, vimos iniciativas de Executivo, Legislativo, Judiciário, setor privado e sociedade civil que, de modo incidental e até concorrente, fizeram avançar a regulamentação de alguns temas.
Contudo, a falta de planejamento e orientação clara dos rumos da regulação causa danos à imagem do mercado brasileiro. Há investidores nacionais e estrangeiros reticentes sobre onde e quando atuar; vários já perderam recursos e capital político ao apostarem em rotas que não vingaram.
A consolidação transparente de nosso marco regulatório, seja por lei ou por arranjos privados, transmite maior segurança jurídica, diversifica o entretenimento, amplia a arrecadação, atrai o capital investidor e gera empregos.
Fonte: Exclusivo GMB