O advogado Pedro Cortés, do escritório Rato, Ling, Lei & Cortés, com sede em Macau, conversou com o GMB sobre o atual momento do setor global de jogos, destacando o crescimento das apostas esportivas, a retomada dos cassinos terrestres e a importância de o Brasil legalizar a atividade.
Para ele, a regulamentação das apostas esportivas nos Estados Unidos representou um boom na atividade e os cassinos terrestres, que também oferecem operações online, é um exemplo da consolidação que tal medida causou. “A receita bruta dos cassinos comerciais americanos alcançou no ano passado US$ 53 bilhões”, afirmou, destacando que isso é um alento para novas jurisdições, que podem e devem regular os jogos.
De acordo com o advogado, além dos Estados Unidos, países da Europa, Filipinas e Singapura seguem se organizando para explorar as apostas esportivas, o que dá a dimensão que a atividade alcançou após a pandemia. O que falta, segundo Cortés, é uma ação mais contundente no combate ao mercado ilegal.
“Ele é maior do que o regulado e isso é ruim para operadores, pois continuam competindo de forma injusta com aqueles que não pagam impostos. O combate ao jogo ilegal deve ser uma das grandes prioridades dos governos e também das casas de apostas legalizadas, que são os mais interessados para que o mercado cresce de forma sustentável e que essa zona cinzenta desapareça”, afirmou.
Sobre o mercado brasileiro em vias de regulamentação das apostas esportivas e legalização das demais verticais de jogos, Cortés disse que “é melhor ter uma má lei, que pode ser aprimorada com o tempo, do que não ter nenhuma”. O Brasil “já é um dos melhores mercados do mundo, embora não regulamentado. É possível ir a bingos e cassinos clandestinos e ainda existe o tradicional jogo do bicho. Ou seja, esse adiamento [da regulamentação e legalização] que sempre ocorre não é bom para o Brasil”.
Para Cortés, há vários exemplos e o Brasil, "como sendo um dos últimos grandes mercados a se organizar para o jogo, pode aprender com várias jurisdições, analisando o melhor e o pior e ver as melhores experiências para fazer uma lei que seja apropriada”, definiu.
Games Magazine Brasil – Como você vê o mercado global de jogos, especialmente na área de apostas esportivas?
Pedro Cortés – A covid-19 mudou bastante a dinâmica do setor de jogos e as pessoas jogam muito mais online hoje do que apostavam em 2019. Temos visto nos Estados Unidos, por exemplo, um crescimento enorme das apostas esportivas em vários estados, assim como os cassinos online. A receita bruta dos cassinos comerciais americanos alcançou US$ 53 bilhões, lembrando que eles também já têm suas operações online. Se há algo de bom que a covid trouxe foi a forma como as pessoas apostam, incrementando a presença digital. O problema ainda é o mercado ilegal, muito grande e bem maior do que o regulamentado. Nos Estados Unidos mais estados estão legalizando as apostas esportivas, assim como na Europa. Na Ásia há muito mercados ilegais, embora a região esteja buscando a legalização, como nas Filipinas e Singapura. Mas ainda estamos a anos-luz daquilo que poderia ser o mercado regulamentado. É sempre fácil para os operadores ilegais continuarem operando de forma muito competitiva, já que não pagam impostos.
Ou seja, temos de combater cada vez mais esse mercado que se apropria de um negócio regulamentado!
Penso que sim. Deve ser uma das grandes prioridades dos governos e também das casas de apostas legalizadas, que são os mais interessados para que o mercado cresce de forma sustentável e que essa zona cinzenta desapareça. Ainda falta um trabalho muito grande por parte dos Estados para combater isso, o que se faz de forma efetiva, focada e com recursos. Infelizmente essa não é a prioridade dos governos.
Nunca é!
É uma das últimas prioridades. Destinam recursos para inúmeras outras ações. Mas deveriam olhar para isso, pois há outros aspectos importantes, como a questão do desenvolvimento do esporte e o combate à manipulação de resultados. Tudo está muito ligado, pois quando falamos no mercado de apostas, o tema da manipulação está sempre no radar, já que isso acontece em diversas regiões, como na Ásia, no Brasil, na Argentina e até mesmo nos Estados Unidos. Isso tem de ser combativo e é o que as autoridades devem olhar, em conjunto com o próprio esporte e a indústria séria do jogo.
O mercado terrestre também vai bem em todo o mundo?
O mercado land-based tem crescido, apesar de muitas pessoas acharem que o online ocuparia espaço do terrestre. Fez e faz concorrência, mas o online acaba sendo canalizado para o terrestre. Temos visto uma evolução muito grande em diversas jurisdições, não só no Estados Unidos. Fala-se muito na abertura em Taiwan e no Japão o assunto é abordado há muito tempo. Mas devemos olhar para a atividade como um todo, como é no caso de Las Vegas, onde o jogo é apenas um dos componentes de tudo o que é oferecido pela jurisdição. É uma pena que em Portugal, por exemplo, não se identificou essa possiblidade para o modelo ser alterado e onde vemos a busca por umas poucas licenças, como em Estoril e Figueira da Foz.
E Macau, que tinha um mercado consolidado até bem pouco tempo atrás, e agora está se remodelando, com uma licitação em andamento?
Se é que ainda existe um mercado em Macau. Estamos no meio de um processo de licitação, como você bem citou, e que a parte das ofertas já foi encerrada. Agora, o governo está analisando as propostas para prosseguir no certame. A região ainda tem muito o que fazer no sentido de tornar a atividade rentável. Mas entendo que seria muito importante Macau mudar o foco de jogo para as atividades de não-jogo. A região ainda está sofrendo os efeitos da pandemia. Você já pode ir para lá, mas terá de ficar em quarentena por uma semana, o que encarece muito a viagem. Dos 40 milhões de visitantes que tivemos em 2019, caiu para 5 milhões em 2020 e no ano passado chegamos a 7 milhões. Ainda não sabemos como será em 2022, mas como as restrições, não deverá crescer muito.
Falamos do mercado mundial de jogos, com características específicas dos Estados Unidos, Macau e Portugal. Mas temos o exemplo do Brasil, que promete ser um dos maiores do mundo, tanto no terrestre quanto online. Que avaliação você faz do país?
Primeiro, vou corrigi-lo. Pode ser um dos maiores mercados, não. Já é um dos melhores mercados do mundo, embora não regulamentado. É possível ir a bingos e cassinos clandestinos e ainda existe o tradicional jogo do bicho. Ou seja, esse adiamento que sempre ocorre não é bom para o Brasil. Sempre se fala que vai acontecer, mas o que costumo dizer é que deve ser regulado e é melhor uma má lei do que nenhuma lei. E o mesmo se passa com as apostas esportivas, cuja regulamentação está pronta para ser editada e deve ser lançada até dezembro. Sei que o país está em meio a um processo de eleição e isso atrapalha um pouco. O que tenho certeza é que os estabelecimentos em operação não contribuem com impostos. Enquanto o governo não regulamenta, não arrecada. E ele não pode negar que o jogo não existe, pois todo mundo sabe onde o jogo acontece e eu mesmo já tive a oportunidade de conhecer estabelecimentos. Fica a pergunta: vamos continuar com a mesma história de a atividade ser crime? Isso precisa acabar e acho que o governo deveria legalizar todas as atividades e ir aprimorando-a com o início das operações regulamentadas. O jogo existe e não contribui com a sociedade. Ao legalizar, o mercado irá se depurar e ficarão apenas os bons operadores.
O mercado mundial é um exemplo. O Brasil que siga o bom exemplo, não é verdade?
Penso que sim. Há vários exemplos e o Brasil como sendo um dos últimos grandes mercados a se organizar para o jogo, pode aprender com várias jurisdições. Como eu disse e é quase uma certeza – apesar de serem muitos estados com realidades diferentes –, se o Brasil olhar para os países regulados, como os Estados Unidos, Macau e vários países da Europa, ou seja, em jurisdições onde o jogo já está consolidado, poderá analisar o melhor e o pior e ver as melhores experiências para fazer uma lei que seja apropriada. Não basta copiar, pois em termos de legislação, é importante aplicar à realidade local. Cada jurisdição é uma jurisdição, mas acho que esse é o caminho e o jogo é uma das formas de atrair turistas para uma determinada jurisdição. E reforço: mais vale uma má lei do que não haver uma lei.
Fonte: Exclusivo GMB