MIÉ 27 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 03:38hs.
Advogados Fabiano Jantalia e Marcelo Mattoso Ferreira

Uma lei de jogos no Brasil atenderia plenamente aos interesses do país e da sociedade

Fabiano Jantalia, sócio do escritório Jantalia, com atuação nas áreas de Direito Econômico e Direito de Jogos, e Marcelo Mattoso Ferreira, advogado do Barcellos Tucunduva, especialista nas áreas de Contencioso, Games e eSports, comentam o demorado debate sobre a regulamentação dos jogos de azar no Brasil, que hoje aguarda a apreciação do Senado.

Criado em 1991, o Projeto de Lei 442/91 — que regulamenta os jogos de azar no Brasil — foi aprovado na Câmara dos Deputados em fevereiro deste ano, mas aguarda a apreciação do Senado. Nos últimos dias, o PL voltou à pauta como possibilidade de aumentar a arrecadação de tributos pelo Estado.

O PL 442/91 é fruto de uma longa reflexão da Câmara sobre a legislação de aproximadamente 20 países”, explica o advogado Fabiano Jantalia, especialista em Direito de Jogos e Empresarial, sócio do escritório Jantalia Advogados.

Essa legislação reúne avanços e experiências bem-sucedidas na legislação de outros países que têm uma tradição na exploração de jogos bem mais longeva do que a nossa, como é o caso dos Estados Unidos, de Portugal, da França e da Itália. Buscou-se incorporar essas boas práticas ao caso brasileiro, mas, naturalmente, o Congresso Nacional procurou estabelecer algumas regras particulares — que me parecem mais um exercício de aclimatação e adaptação”, agrega o especialista.

Para Jantalia, o caso é de — mais do que apenas legalizar— “estruturar um mercado, um novo segmento de atuação econômica”. “Acredito que a legalização e a estruturação desse mercado beneficiariam muito o país pela criação de postos de trabalho e pelo desenvolvimento econômico que poderiam levar a várias regiões do país”, afirma o advogado, acrescentando que o Brasil também se beneficiaria com uma maior arrecadação tributária a partir dessas atividades.

Em outros países, os jogos são responsáveis por uma parcela importante da arrecadação tributária. A aprovação de uma lei que viabilize a exploração da atividade de jogos no Brasil atenderia plenamente aos interesses do país e da sociedade, além de contribuir para a concretização do princípio constitucional da livre iniciativa”, explica.

O advogado Marcelo Mattoso Ferreira — especialista em eSports e sócio do Barcellos Tucunduva Advogados — concorda: “Esse mercado movimenta bilhões de dólares por ano. Se a atividade for implantada como prática esportiva, com caráter de lazer, contendo políticas de conscientização e formas de auditoria para evitar fraudes e possíveis brechas para lavagem de dinheiro, não consigo achar desvantagens a não ser pela hipótese de uma legislação ineficaz e ineficiente."

Além disso, trata-se de um excelente alvo para a tributação, mas é preciso ter cuidado com a forma de tributar, do contrário, pode acabar gerando um estrangulamento e desincentivando o crescimento do segmento. A tributação tem que acontecer, mas de uma forma que viabilize e atraia investimentos, não o contrário. O desafio é esse”, afirma Mattoso Ferreira.

POLÊMICAS

A questão da tributação dos jogos esteve, de fato, entre os pontos mais controversos da votação na Câmara. Fabiano Jantalia explica: “A polêmica estava assentada em dois aspectos: primeiro, se os jogos deveriam observar um regime de tributação idêntico, similar ou diferente de outras atividades. Uma parte dos parlamentares entendia que os jogos deveriam receber tratamento favorecido, por esta ser uma atividade nova no Brasil, a ser estimulada, que necessita de investimentos. Por outro lado, estavam os parlamentares que entendiam que a atividade, por ser potencialmente nociva — na visão deles — à sociedade, deveria contribuir com uma tributação um pouco maior. Essa é uma discussão suprapartidária. O que me parece, no entanto, é que, por ser uma atividade econômica semelhante a outras de entretenimento, não faz sentido atribuir a ela uma tributação muito diferente.”

Outra polêmica, segundo o advogado, dizia respeito à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). “Muito se discutiu o percentual da Cide; chegou-se a cogitar percentuais até 35%. A Cide é uma espécie tributária muito interessante, porque se propõe a enfrentar a chamada extrafiscalidade: ela não tem finalidade puramente arrecadatória, muitas vezes visa a destinação desses recursos para o custeio de externalidades negativas, ou eventuais malefícios daquela atividade. Se é fato que a Cide me parece adequada no caso da indústria de jogos, é também fato que não pode ter um percentual grande, para não inviabilizar a atividade econômica.

IGUAIS OU DIFERENTES

Outra polêmica é o fato de que a legislação única do PL 442/1991 se refere a jogos de azar muito diferentes como cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas esportivas. Todas merecem a mesma legislação? Para Jantalia, sim: “Eu acredito que, na medida em que o estado brasileiro resolve se debruçar sobre o tema, a decisão a ser tomada há de ser uma só: não há por que liberar uma ou outra modalidade e não outra. Ou se liberam os jogos ou não se libera. Em maior ou menor escala, todas as modalidades de jogos enfrentam os mesmos desafios e suscitam as mesmas oportunidades”.

A indústria precisa ser considerada em sua integralidade. O tratamento discriminatório entre as modalidades de jogos não se justifica do ponto de vista técnico, porque todos envolvem os mesmos elementos de sorte. A distinção que se procurou estabelecer dizia mais respeito a uma maior proximidade dessa ou daquela modalidade com a atividade criminosa, mas esse tipo de reflexão não encontra paralelo na legislação mundial”, explica o advogado.

Marcelo Mattoso também defende que, apesar de cada jogo possuir particularidades, “dá para tratar todos em uma só legislação, desde que haja diferenciação onde seja necessário”. “A legislação precisa ser eficiente para que seja mantida a integridade do mercado como um todo”, reitera.

Fonte: GMB