No último mês, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei nº 2796/2021, que institui o “Marco Legal para a Indústria de Jogos Eletrônicos e para os Jogos de Fantasia”. A aprovação desse marco representa um enorme avanço para a indústria do fantasy sport, modalidade que ganha seu reconhecimento formal e sua delimitação jurídica a partir dessa proposição legislativa ainda em tramitação.
O Projeto de Lei surgiu de uma iniciativa para regulamentar o mercado de jogos eletrônicos e, primordialmente, separar esses jogos dos jogos de chance (azar). O propósito do legislador fica bastante claro, no § 2º do art. 2º do substitutivo aprovado na Câmara, que de forma expressa indica que não se pode considerar jogo eletrônico as máquinas caça-níqueis e os demais jogos de chance). Essa diferenciação é de suma importância, também, para o correto desenvolvimento da indústria do fantasy sport.
A definição de fantasy partiu da sugestão da Emenda nº 2, cujo conteúdo acabou incorporado no substitutivo, e traz consigo elementos delineadores da atividade que se pautaram em normas estrangeiras, especialmente na legislação norte-americana, que no Unlawful Internet Gambling Enforcement Act, de 2006, torna clara a diferenciação do fantasy para as apostas esportivas (Subchapter IV, §5362, 1, E, ix).
No Marco Legal dos Games, o legislador brasileiro define o fantasy como sendo as “disputas ocorridas em ambiente virtual, a partir do desempenho de atletas em eventos esportivos reais” e adota quatro principais critérios para que uma atividade possa ser enquadrada na modalidade:
I – que o resultado dependa da técnica do usuário para formar a sua equipe virtual, ou seja, decorrendo eminentemente de seu conhecimento, estratégia e habilidades;
II – que as regras da disputa virtual sejam preestabelecidas;
III – que o valor da premiação seja prefixado; e
IV – que os resultados não sejam baseados no desempenho de um único time ou de um único atleta em evento esportivo verificado no mundo real (§ 3º do art. 2º do substitutivo aprovado na Câmara).
Essa delimitação jurídica do enquadramento do fantasy garante segurança à modalidade que, por vezes, é confundida com outras atividades.
O inciso I do substitutivo diferencia o fantasy dos jogos de chance. A Lei de Contravenções Penais brasileira (art. 50 do Decreto-Lei nº 3.688/1941) determina que os jogos de azar são aqueles cujo ganho ou perda dependem exclusivamente ou principalmente da sorte. Nesse ponto, o legislador teve a preocupação de enfatizar que no fantasy, o sucesso do jogador decorre eminentemente das suas habilidades. A sorte até pode se fazer presente, porém não é determinante para se alcançar um resultado positivo. O relevante, no caso do fantasy, acaba sendo a habilidade, o conhecimento, a estratégia, e o estudo de cada participante.
Os elementos trazidos pelo Legislativo no Marco Legal dos Games, também são importantes para diferenciar o fantasy das loterias. Conforme prevê o art. 40 do Decreto-Lei nº 6.259/1944, a loteria tem como traço marcante a colocação de bilhetes, listas, cupons, vales, papéis, manuscritos, sinais, símbolos, ou qualquer meio de distribuição de números. Essa característica, como se nota da definição trazida no substitutivo, não se faz presente no fantasy, que tem seu resultado baseado na performance do jogador, não dependendo de um número aleatório que lhe seja atribuído.
Dentre as modalidades lotéricas, estão as apostas de quota fixa, popularmente conhecidas como apostas esportivas que, por terem como pano de fundo esportes, muitas vezes também são confundidas (equivocadamente) com o fantasy. Nesse ponto, mais uma vez é fundamental a proposta do Legislativo. Ao definir no substitutivo ao Projeto de Lei nº 2796/2021 os requisitos diferenciadores do fantasy, o legislador previu no inciso IV do texto aprovado pela Câmara dos Deputados que no fantasy o resultado do jogo depende de uma combinação de eventos, das ações conjuntas de mais de um jogador e demais de um time, o que o afasta das apostas esportivas, nas quais pode decorrer de somente da ação de um único jogador ou uma única equipe.
Os avanços sugeridos pelo Marco Legal dos Games ao conceituar o fantasy contribuem ainda para os diferenciar de outro tipo de atividade, as promoções comerciais. A promoção comercial consiste na distribuição gratuita de prêmios. Nelas, os consumidores concorrem a prêmios a partir de um sorteio, de um concurso ou de um vale-brinde. A principal finalidade de uma promoção comercial é promover uma marca ou um produto. Trata-se de uma atividade-meio para se alcançar um fim. No fantasy, e nesse ponto andou bem o legislador mais uma vez, fica claro a partir dos elementos definidores trazidos no substitutivo, tratar-se de uma atividade que não busca promover uma marca ou um produto, pois é um fim em si mesmo. Isto é, o principal objetivo do fantasy é o jogo em si mesmo e o entretenimento que ele gera aos seus usuários, não se busca com o jogo alavancar outras atividades, como a venda de espaço publicitário ou de outros produtos.
Por tudo que foi exposto, fica clara a importância da conceituação jurídica contida no Marco Legal sobre o que vem a ser o fantasy. O substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados não só é oportuno, pois se aprovado pelo Senado Federal deve impulsionar o crescimento da indústria, como também é importante para se afastar incertezas hoje existentes sobre o que é efetivamente a atividade.
O substitutivo ao Projeto de Lei nº 2796/2021 está em análise pela casa revisora do Congresso Nacional e depende da posterior sanção presidencial. Mas, mesmo com esses passos legislativos pendentes, a indústria já tem grandes expectativas a partir do avanço desse marco legal. Agora é acompanhar os próximos passos com a esperança de dias melhores.
Bárbara Teles
Advogada de regulatory and public affairs do Rei do Pitaco
Rafael Marchetti Marcondes
Chief legal officer do Rei do Pitaco