A legalização dos jogos de fortuna e a reabertura dos cassinos no Brasil, quando tentada na década de 80, causou grande celeuma, tendo sofrido tenaz oposição e resistência por parte de setores conservadoristas de nossa sociedade. Resultado: não vingou pela possibilidade de virem a constituir-se em jogos de azar.
Todavia, jogos de fortuna (embora nos venham sempre primeiro com a conotação restritiva e pejorativa de um vício), eles — antes de qualquer outra reflexão a respeito — significam em uma acepção mais ampla e verdadeira: turismo (que sempre traz divisas) ao país; diversão para as horas de lazer; arrecadação de novos e alentados tributos; e, por fim, mas não derradeiramente, criação de novos postos de trabalho, com carteira assinada, muito bem-vindos, a propósito, na atual conjuntura do país.
Em 1981, participando da assessoria jurídica do então senador Hugo Ramos (de saudosa memória), tivemos o privilégio de colaborar na redação do Projeto de Lei do Senado nº 302, de 14 de outubro de 1981, o qual dispunha "sobre a exploração do jogo e a reabertura dos cassinos na Capital Federal; nas cidades com população mínima de cinco milhões de habitantes, nas estâncias climáticas, balneárias e hidroterápicas: dando outras providências".
Da justificativa do citado Projeto nº 302, de 1981, transcrevemos os dois primeiros parágrafos, os quais nos oferecem um retrato fidedigno da conjuntura socioeconômica então vigente, para podermos bem contextualizar os trabalhos legislativos que, à época, eram feitos em prol da reabertura dos cassinos no Brasil.
"A presente proposição resulta de exame dos projetos de lei apresentados à Câmara dos Deputados e do anteprojeto de lei oferecido ao excelentíssimo senhor ministro da Justiça, por uma comissão constituída pelos senhores Júlio Gulger Simões, Ciro Botelli de Carvalho e Adolfo Mantovani, ao encerrar-se a Semana de Estudos sobre a Reabertura dos Cassinos nas Estâncias Climáticas, Balneárias e Hidroterápicas, que se realizou no Auditório do SESI, na capital de São Paulo, de 1º a 5 de dezembro de 1980.
Nele colaborou o professor Luiz Felizardo Barroso, que colheu subsídios valiosos de pessoas familiarizadas com o assunto, notadamente os hoteleiros e empresários, tudo com o objetivo de dotar o projeto de uma estrutura capaz de alcançar os problemas sociais nele envolvidos, destinando os seus resultados à educação e à saúde, especificamente à educação dos excepcionais e ao tratamento dos portadores de câncer, tão carentes de recursos mais amplos, capazes de colaborar na solução de tão graves problemas".
A proposta, que prevê a legalização dos jogos de fortuna e a reabertura dos cassinos no país, estava pronta para ser analisada pelo Plenário da Câmara dos Deputados, mas seguiu dividindo opiniões na casa. O PL nº 186/2014, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), autorizava a exploração de "jogos de fortuna", online ou presenciais, em todo o território nacional.
Como vimos de 1981 a esta parte, foram inúmeros os projetos de lei objetivando a legalização dos jogos de fortuna no país.
À época, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados colocou a matéria em audiência pública para uma posterior aprovação dos jogos de fortuna no Brasil.
Naquela casa legislativa, a aprovação da legalização dos jogos de fortuna, bem como a reabertura dos cassinos no país, contava com um aliado de peso. Tratava-se de seu presidente, deputado Rodrigo Maia, "desde que a prática fosse confinada e o funcionamento dos cassinos dando-se, apenas, em resorts".
O então prefeito Marcelo Crivella, embora bispo (licenciado) da Igreja Universal, vinha defendendo a regulação dos jogos de fortuna na cidade do Rio de Janeiro.
Há quem afirme que, embora no Brasil não se tenha obtido até hoje — malgrado diversas investidas favoráveis — a legalização dos jogos de fortuna (pejorativamente chamados de jogos de azar), é onde, clandestinamente, mais se joga, tendo-se como certo, porém, que a legalização dos jogos de fortuna, por ação de uma simples lei natural, é o mais eficiente meio de se acabar com a clandestinidade.
Por outro lado, carece de uma demonstração de fatos reais a assertiva de que os jogos de fortuna são, simplesmente, um vício rompedor do tecido social, pois os países do mundo que adotaram a prática dos jogos de fortuna legalmente — e são quase todos do mundo civilizado —, guardadas as cautelas necessárias, jamais tiveram problemas em seu organismo social, antes pelo contrário.
A cidade de Macau, província chinesa de colonização portuguesa, por exemplo, segundo recente noticiário televisivo divulgado, é tida como a capital dos jogos de fortuna no mundo, tendo faturado, no último exercício, três vezes mais do que sua concorrente mais séria, a cidade de Las Vegas, nos Estados Unidos da América, sendo que 40% de sua população, de cerca de 500 mil habitantes, trabalha direta ou indiretamente para a indústria de seus jogos de fortuna.
Vamos ver se desta vez, com a tramitação na Câmara dos Deputados de um novo projeto de lei objetivando a legalização dos jogos de fortuna — inobstante a atuação deletéria dos pregoeiros do desenlace negativo de ideias precursoras —, porém, com a necessária dose de desassombro de nossos parlamentares, conseguiremos, afinal, legalizar essa atividade controversa no país, bem como a reabertura dos cassinos, para o bem do Brasil.
Luiz Felizardo Barroso
Professor pós-doutor, presidente da Cobrart Gestão de Ativos, titular da Advocacia Felizardo Barroso & Associados e membro da Academia Fluminense de Letras.
Fonte: Conjur