Em que pese o oportunismo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao privilegiar uma agenda pessoal, foi positiva a aprovação, por 246 votos a 202, do projeto de lei que legaliza os jogos de azar, proibidos desde 30 de abril de 1946. Apesar de todas as pressões da bancada evangélica e do próprio presidente Jair Bolsonaro, que prometeu vetar a proposta, os parlamentares tiveram o mérito de tratar a questão de forma racional, sem o viés moralista e religioso que costuma impregnar as discussões sobre o assunto.
O projeto estabelece o Marco Regulatório dos Jogos no Brasil e propõe legalizar cassinos voltados para a atividade turística, jogo do bicho, bingos, videobingos, apostas on-line e em corridas de cavalos. Pela legislação atual, os jogos de azar são enquadrados como contravenção penal.
É preciso reconhecer que, em sete décadas de proibição, os jogos de azar nunca estiveram na prática proibidos. Só no papel. Apontadores do jogo de bicho recebem apostas às claras nas ruas do Rio de Janeiro, às vezes nas imediações de quartéis da Polícia Militar e de delegacias. Apostas on-line em sites hospedados noutros países são corriqueiras. Máquinas caça-níqueis nunca deixaram de funcionar, enchendo os bolsos de gângsteres, como comprovam inúmeras apreensões feitas pela polícia. Todo mundo sabe que o jogo existe, mas finge-se que a lei é cumprida, e fica tudo por isso mesmo.
Importante dizer que o Estado não arrecada 1 centavo. Estima-se que os jogos ilegais no Brasil movimentem mais de R$ 27 bilhões por ano, superando em 60% o montante dos legalizados (R$ 17,1 bilhões). Dados apresentados em audiências públicas na Câmara durante a discussão do projeto mostram que o país poderá arrecadar R$ 22 bilhões por ano em tributos e mais R$ 7 bilhões em outorgas de cassinos. A legalização dos jogos, além de incentivar o turismo, ainda poderá gerar 200 mil novos empregos e formalizar outros 450 mil. Nos Estados Unidos, onde existem mais de mil cassinos — destino de muitos brasileiros —, a indústria gera 1,7 milhão de empregos.
O projeto aprovado na Câmara cria um imposto, o Cide-jogo, que recolherá 17% da receita bruta dos empresários. A ideia é que os recursos arrecadados sejam usados nas áreas de turismo, meio ambiente, cultura, segurança pública e desastres naturais.
É preferível legalizar os jogos e submetê-los ao controle do Estado a fingir que eles não existem. O Ministério da Economia tem instrumentos e competência para regulamentar o setor e mantê-lo sob vigilância. O projeto prevê a criação de uma agência reguladora, ligada a esse ministério, que teria entre suas missões coibir a lavagem de dinheiro, uma das preocupações sensatas dos que são contra a legalização.
Espera-se que o debate no Senado, para onde seguirá o projeto, ocorra em bases racionais, sem ceder aos lobbies da bancada religiosa. Os senadores precisam levar em conta que os jogos já estão aí de forma clandestina. Muitos ganham com isso. Só quem perde é o Estado.
Fonte: Editorial - O Globo