Esta Folha defende que se ampliem as possibilidades legais para os jogos de azar no Brasil, em respeito às liberdades individuais e também como meio pragmático de lidar com imposições da realidade.
Tal entendimento, firmado há pouco mais de dois anos, não significa endosso a toda e qualquer proposta nesse sentido — como o projeto de lei recém-aprovado pela Câmara dos Deputados.
Não se podem subestimar os danos a que estão sujeitos os praticantes do jogo, que vão muito além do prejuízo financeiro por desinformação. Há fartura de estudos a apontar o risco elevado de surgimento de comportamentos compulsivos, que frequentemente se associam a outros transtornos, como alcoolismo e depressão.
Ademais, é notório que a exploração de cassinos e outros estabelecimentos de apostas propicia oportunidades de lavagem de dinheiro para criminosos, bem como a associação lucrativa com o tráfico de drogas e até de pessoas.
Entretanto a proibição pura e simples da prática, como a que vigora no país desde os anos 1940, não se mostra boa solução. Trata-se de interferência indesejável e pouco producente do Estado sobre o livre-arbítrio dos cidadãos —e muitos deles acabam por recorrer às opções clandestinas.
Isso sem falar que a internet oferece hoje a chance de apostar por meio de sites de todo o mundo.
Tudo considerado, a melhor alternativa é a legalização da atividade sob regulação rigorosa, que estabeleça limites e obrigações, como a de ofertar todo o esclarecimento necessário aos participantes, além de impor tributação substancial.
O projeto aprovado pela Câmara — que data de 1991 — avança em algumas dessas questões, mas não deixa de suscitar apreensão.
A despeito da longa tramitação, o debate foi precário: o impulso veio do lobby de governos locais e setores interessados, enquanto o governo Jair Bolsonaro (PL) permaneceu alinhado à posição contrária da bancada evangélica.
O aspecto problemático mais visível do texto é a taxação prevista: cria-se apenas uma Cide, com alíquota de não mais de 17%, a incidir sobre a exploração dos jogos, o que parece permissividade excessiva.
Autoriza-se ainda a criação de um órgão regulador federal, ao qual caberia autorizar e supervisionar os empreendimentos. Pouco se detalha, no entanto, a respeito da estrutura e das garantias de autonomia dessa instituição.
Mais uma vez, caberá ao Senado um escrutínio aprofundado da proposta, sem o açodamento que marca a atual gestão da Câmara.
Editorial
Folha de São Paulo