Mais uma vez, o inquieto Luiz Carlos Prestes nos faz parar para pensar sobre a racionalidade e o balanço de prós e contras da quebra de certos tabus que ainda permanecem na sociedade brasileira, que vem se revelando mais conservadora do que parecia há 5 anos atrás, ou mais. Tabus, entre outras acepções, é tudo aquilo que é considerado perigoso pelas autoridades religiosas e da segurança pública, sendo proibido por ser considerado impuro, impudico.
Refiro-me aqui ao tabu, insustentavelmente contraditório, representado pela total legalidade das loterias patrocinada por entes estatais (federais e estaduais), além das apostas em corrida de cavalos, por um lado, e loterias e jogos de azar/sorte, cujas apostas são administradas pela iniciativa privada. Os empresários desse setor são considerados muito mais confiáveis do que os banqueiros e outros agentes de investimentos, cujas carreiras são às vezes pontuadas por calotes.
Boa parte dos representantes do Estado (deputados federais e senadores, além de membros do Executivo) querem legalizar o jogo. Uns em bases bastante democráticas, que favorecem a administração das cidades de diferentes portes, que têm tradição ou outros atrativos turísticos. Certos representantes, porém, querem legalizar centros de jogos em cassinos instalados em ressorts, atendendo aos interesses das multinacionais do jogo (os de Las Vegas à frente) que querem entrar no Brasil, esse mercado com imenso potencial para o jogo.
Na perspectiva da racionalidade econômica, o livro de Prestes demonstra que não há mais dúvida: a legalização aberta a todas as cidades que têm boas condições oferece maior potencial de geração de empregos e estímulos ao turismo. O que está faltando, então, para legalizar os diferentes tipos de jogo?
Faltam vários passos sociológicos a serem dados pelos cidadãos brasileiros, especialmente por aqueles a serem eleitos em outubro de 2022, dado que a atual legislatura não tem mais tempo nem condições políticas de fazê-lo. Para dar esses “passos sociológicos, que tornem admissível a legalização, convém estudar o que aconteceu na luta pelo Divórcio, finalmente vitoriosa em junho/77 (EC no. 9, de 28/6/77, e a Lei 6515, de 26/12/77). O grande general dessa luta, sempre combatido pela Igreja Católica, foi um deputado, e depois senador, conservador: Nélson Carneiro. A luta que capitaneou durou 26 anos! Mas valeu a pena: o casamento deixou de ser pautado pelo vínculo indissolúvel, que condenava duas pessoas a viverem juntas, ainda que não mais quisessem fazê-lo.
De 1977 até o presente houve uma significativa evolução: havia limitações de prazos para o reconhecimento da separação, número máximo de divórcios etc. Tudo isso caiu, sem grandes protestos dos conservadores.
O mesmo desempenho ainda não aconteceu, no Brasil, nas lutas pela legalização do aborto, que constitui crime tanto da grávida quanto do médico que eventualmente pratique o procedimento, ainda que a pedido da grávida, exceto em três situações específicas, a saber: (1) para salvar a vida da mulher; (2) quando a gestação é resultante de um estupro ou (3) se o feto for anencefálico.
Tal luta, de interesse especialmente das mulheres que deveriam ter garantido seu direito de possuir autonomia sobre seus corpos, continua em recesso em função da força do pensamento religioso que vê no aborto a interrupção de uma vida, gerada a partir da concepção e não do nascimento. As consequências dessa política são terríveis, pelo recurso a abortos sem condições de segurança sanitária mínimas.
Enfim, a luta pela legalização dos jogos está em curso, talvez numa situação mais próxima do triunfo do que nunca. Conta, inclusive, com a simpatia de certas correntes religiosas, especialmente de algumas correntes protestantes.
Vamos torcer para que a sociedade brasileira evolua no sentido positivo e faça o mesmo que muitas nações já fizeram com um balanço positivo entre prós e contras.
Luiz Alfredo Salomão
Engenheiro e ex-deputado federal