Após décadas de discussões sobre a liberalização dos jogos de azar, o tema finalmente deve avançar na Câmara. Hoje, o Brasil está entre os 37 países, dentre os 193 países da ONU, que proíbem ou não regulamentam os jogos de azar como atividade econômica. Isso demonstra que estamos numa posição minoritária e desvantajosa frente ao resto do mundo.
Atualmente, os jogos de loteria são permitidos, desde que sob tutela integral do governo federal através da Caixa Econômica Federal ou sob os governos estaduais. Na prática, a legislação brasileira acaba impedindo a criação de negócios ligados ao entretenimento e ao turismo em conjunto com as apostas, consequentemente as empresas do setor migram seus negócios para outros países.
Enquanto empresas não conseguem obter ganhos econômicos de maneira legal, pequenos grupos decidem explorar o setor de maneira informal e o crime organizado se apossa do controle de boa parte desse nicho de mercado. Criando assim um ambiente de insegurança para os profissionais que atuam no setor de jogos e também para os consumidores que passam a ter que conviver com outras atividades ilegais e criminosas. Apesar disso, há quem argumente que a liberalização iria atrair não só mais atividades criminosas como lavagem de dinheiro, como também iria aumentar o custo da sociedade por causa da suposta exploração do vício nessa modalidade de entretenimento.
Certamente são preocupações válidas que devem ser levadas em conta na criação das regras de funcionamento de casas de apostas e no desenho da política de fiscalização. Contudo, o necessário combate ao crime não pode ser confundido com uma lógica de repressão às atividades de um mercado legítimo e pacífico, por mais que setores expressivos considerem a prática do jogo moralmente condenável. Em sociedades liberais, compreende-se que não cabe ao Estado legislar em prol de um estilo de vida em detrimento de outros. Vale salientar, inclusive, que mesmo com todas as restrições legais em vigor, os jogos de azar sempre fizeram parte do cotidiano e da vida cultural de milhões de brasileiros.
Esse moralismo impede o poder público de enxergar os jogos de azar como uma atividade econômica como várias outras, ainda que eventualmente possua alto risco financeiro.
Nesse quesito, algumas práticas relacionadas a operações no câmbio e na bolsa de valores, por exemplo, podem ser muito similares a apostas em jogos de azar. Quem as realiza está tentando prever a direção do câmbio ou de ações, muitas vezes sem qualquer fundamentação, apoiando-se exclusivamente na intuição e na velocidade das operações financeiras. As práticas citadas, apesar de funcionarem na prática como apostas, não são criminalizadas ou fonte de preocupação moral por parte dos legisladores.
Se aprovada a liberalização, o mercado de jogos de azar terá regras transparentes que poderão ser reforçadas e fiscalizadas através dos mecanismos apropriados. Assim, também irá reduzir o poder do crime organizado e gerar emprego e renda nos empreendimentos turísticos ligados ao jogo. A legalização, e não a proibição, tornará possível o aumento da segurança dos usuários e o trabalho ativo de conscientização para a redução de danos à saúde e contra a acumulação de dívidas insustentáveis.
DEBORAH BIZARRIA
Economista formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é especialista em Economia Comportamental pela Warwick University, no Reino Unido, e coordenadora de Políticas Públicas do movimento Livres.
Fonte: Congresso em Foco