MIÉ 27 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 15:42hs.
Udo Seckelmann, advogado no estúdio Bichara e Motta

“Minuta de decreto das apostas esportivas acertou com licenças ilimitadas, compliance e sandbox”

Udo Seckelmann, advogado do escritório Bichara e Motta, assina artigo de opinião exclusivo para o GMB com análise do decreto presidencial divulgado pelo Games Magazine Brasil. Na sua avaliação, “entendo ser uma minuta muito boa”, mas alguns pontos merecem destaque, como número ilimitado de licenças, regras de compliance, jogo responsável e sandbox regulatório. Sobre a taxa de R$ 22,2 milhões, Seckelmann é claro: “Acredito ser elevado considerando o valor em outras jurisdições e o fato de se referir apenas à exploração de apostas de quota-fixa (e não jogos de azar em geral).

No início de maio de 2022, o GMB teve acesso à 3ª minuta do decreto elaborado pelo Ministério da Economia que irá regulamentar as apostas esportivas de quota-fixa no Brasil, conforme o artigo 29 da Lei Federal nº 13.756/2018.

Diante disso, muitas pessoas têm questionado se o decreto, nos moldes em que se encontra, está adequado para o desenvolvimento da indústria de betting no Brasil. Assim, fui carinhosamente convidado pelo time do GMB para apresentar minhas impressões sobre o documento disponibilizado.

Primeiramente, vale destacar que a 3ª minuta de decreto está melhor que as suas predecessoras (i.e., as minutas de setembro/2019 e de fevereiro/2020). Isso mostra que o Ministério da Economia, acertadamente, ouviu os anseios dos stakeholders da indústria para se adequar – na medida do possível e sem usurpar a competência do Legislativo – às melhores práticas internacionais.

Isto posto, abordarei brevemente os principais pontos da minuta de decreto e analisarei se a inclusão em questão seria proveitosa, ou não, para o mercado brasileiro.

O Ente Regulador

De acordo com a minuta, o Ministério da Economia será responsável por autorizar, regular, supervisionar e monitorar a exploração das apostas esportivas de quota-fixa no Brasil. No entanto, a minuta não indica qual órgão do Ministério da Economia será designado para desempenhar tais funções. A experiência internacional da indústria de gambling nos mostra que a criação de um órgão específico para exercer tais funções de forma exclusiva – e sem obrigações atreladas a outros setores – seria o ideal para o bom funcionamento do mercado.

Modelo de Licenciamento e Licenças Ilimitadas

Um ponto crucial do decreto regulatório era o modelo de licenciamento que seria adotado. Haviam duas opções em discussão: o modelo de concessão ou o modelo de autorização. Tendo sido estabelecido o modelo de autorização na minuta, os operadores que apresentarem as documentações relevantes, cumprirem os requerimentos exigidos e pagarem as taxas aplicáveis devem obter uma licença (sem necessidade de passar por um processo de licitação, como seria exigido se fosse imposto um modelo de concessão).

Esse talvez seja o maior acerto do Ministério da Economia, visto que a adoção do modelo de concessão potencialmente afastaria muitos operadores – e, consequentemente, apostadores – do mercado licenciado brasileiro. O modelo de autorização, somado ao fato de que não haverá limitação de licenças aos operadores, fomenta a competitividade do mercado e, por consequência, proporciona melhores produtos/serviços (odds) aos consumidores (apostadores brasileiros).

Taxa de Licenciamento e Duração

Para obtenção de licença válida por 5 (cinco) anos, o operador deverá pagar uma taxa de R$ 22.200.000,00 (vinte e dois milhões e duzentos mil reais). Acredito ser um valor bem elevado, considerando o valor cobrado em outras jurisdições e o fato de se referir apenas à exploração de apostas esportivas de quota-fixa (e não jogos de azar em geral), lembrando que o operador ainda terá que arcar com impostos/contribuições sobre sua operação, reter imposto de renda sobre os prêmios dos apostadores e pagar taxa de fiscalização. Estipular um valor tão alto para exploração de apenas uma vertical poderá acarretar na impossibilidade de operadores menores e médios atuarem no Brasil, levando-os a continuar explorando o mercado cinza.

Talvez uma solução viável fosse permitir o parcelamento desse valor ao longo da vigência da licença ou, ainda, estipular uma tabela progressiva das taxas anuais devidas de acordo com o GGY (Gross Gambling Yield) do operador no período, como é feito em outras jurisdições. Assim, o valor da taxa cobrada do operador específico estaria condizente com sua “capacidade contributiva”, de forma a atrair mais operadores para o mercado licenciado.

Pessoas Jurídicas Sediadas no Brasil

Os operadores estrangeiros deverão estabelecer uma pessoa jurídica no Brasil para obterem uma licença e deverão designar um representante legal, um representante contábil, um ouvidor e uma pessoa responsável pelo compliance estabelecidos no país. Não obstante, a minuta é silente sobre o tipo de sociedade que poderá ser constituída em solo brasileiro. Tal esclarecimento se mostra relevante em razão de o PL 442/91 estabelecer a obrigatoriedade de constituição de operadores de jogos sob a forma de sociedades anônimas.

Publicidade e Jogo Responsável

De acordo com a minuta, os operadores devem promover a conscientização do jogo responsável com cláusulas de advertência sobre os malefícios do jogo irresponsável. Correta tal exigência e segue as melhores práticas internacionais.

AML Compliance e Mecanismos de Integridade

Os operadores deverão implementar procedimentos internos de prevenção à lavagem de dinheiro ao financiamento do terrorismo e a fraudes, de forma a cumprir os deveres estabelecidos no artigo 10 da Lei Federal nº 9.613/1998. No mais, terão que adotar mecanismos de segurança e integridade na exploração da atividade, devendo comprovar junto ao Ministério da Economia que contrataram serviços de monitoramento de apostas. Tais exigências são importantes para o correto e seguro funcionamento da indústria.

Sandbox Regulatório

Talvez a maior novidade do decreto regulatório, que será detalhado posteriormente pelo Ministério da Economia quando lançarem o programa em questão. Seguindo os exemplos do Banco Central e da CVM, o Ministério da Economia poderá criar um ambiente experimental, no qual afastará as regras aplicáveis aos operadores que receberem uma autorização temporária para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar tecnologias experimentais nesse ambiente de testes sob os limites a serem estabelecidos no futuro pelo regulador. É, inegavelmente, uma possibilidade interessante que visa fomentar modelos de negócios baseados em inovações tecnológicas no Brasil. Contudo, há de se aguardar mais informações e detalhes de como isso será implementado.

Conclusão

Por todo o exposto, entendo ser uma minuta muito boa. Evidente que a Lei nº 13.756/2018 tem alguns aspectos a serem melhorados, tal como a tributação sobre os prêmios dos apostadores (o que pode perigosamente afastar os apostadores do mercado licenciado), mas esta questão não pode ser alterada no decreto regulatório. Assim, diante dos limites da competência do Ministério da Economia, a minuta disponibilizada trouxe dispositivos muito relevantes, que visivelmente foram introduzidos após estudos profundos e debates com os stakeholders da indústria.

Udo Seckelmann

Advogado do Bichara e Motta Advogados. LLM em Direito Desportivo Internacional no Instituto de Derecho y Economía (ISDE) em Madrid, Espanha. Editor e redator do Lex Sportiva, blog internacional sobre Direito Desportivo. Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) – Comissão da Juventude. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/Barra (RJ).