MIÉ 27 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 11:29hs.
Opinião - Rodrigo Gitaí, Managing Partner na RG Political Intelligence

Apostas esportivas, regulamentação e o jogo que o setor ainda não está preparado

Rodrigo Gitaí, managing partner na RG Political Intelligence, oferece nesta coluna de opinião algumas considerações sobre a regulamentação das apostas esportivas, com especial foco na percepção média do pensamento de políticos sobre o setor e os riscos de o legislador avançar com ideias e inovações que possam comprometer verdadeiramente um ambiente competitivo no Brasil.

O entusiasmo quanto ao mercado brasileiro de apostas esportivas é algo fantástico, casas de apostas das mais diferentes nacionalidades e com licenças das mais variadas jurisdições apostam forte no Brasil, o país continental com 26 estados que tem territórios e população superior a nações europeias é a fronteira a ser desbravada por esse mercado cheio de grandes players.

Entretanto, o entusiasmo, a competição, a fome por consolidação de marcas e fidelização de clientes acaba por cegar o mercado e esconder alguns grandes problemas da regulamentação do setor no Brasil. Todos estão ansiosos pela regulamentação, e anseiam por suas licenças, mas o custo, impostos de renda sobre prêmios pagos, e as "novas ideias" dos legisladores brasileiros podem ser problemas que não estão dentro dos cálculos de probabilidade das casas de apostas.

Como é notório e amplamente discutido na mídia, foi criado através da Lei Federal 13.756/18 uma modalidade lotérica chamada Apostas em Quota Fixa, um "Serviço Público" que poderia ser autorizado para empresas interessadas em explorar a atividade. Essa foi a maneira brasileira de legalizar as apostas esportivas. Mas essa solução legislativa se converteu em um problema traumático para os reguladores. Como regulamentar uma coisa que na lei é uma loteria, mas na prática é um sportsbook? Ainda, como iriam conciliar as diferentes formas de arrecadação e impostos, de uma maneira a ser economicamente viável para os investidores e ao mesmo tempo cumpra as expectativas de arrecadação de tributos.

Parece que o trabalho dos últimos quatro anos vem mostrando resultado, muito mais do que apostas esportivas, jogos e apostas como um todo são uma das ideias que estão se popularizando verdadeiramente, o Projeto de Lei 442/91 o Marco Legal de Jogos é uma questão de tempo. Depois das eleições gerais de 2022, antes do recesso legislativo de fim de ano, ou no primeiro semestre de 2023, provavelmente em menos de um ano todas as modalidades de apostas serão permitidas no Brasil.

Mas aqui preciso fazer o devido alerta aos navegantes, a percepção geral, de órgãos públicos reguladores, e em especial dos legisladores é de que o mercado de apostas esportivas é um grande "mar de dinheiro", um mercado cheio de dinheiro que não acaba mais, todos observam os 19 de 20 clubes da "Série A" do Brasileirão ostentando casas de apostas em suas camisas, propagandas de todos os tipos nos meios de comunicação, na mídia especializada e não especializada.

Parte da cartilha pela regulamentação e legalização das apostas esportivas passaram por esse discurso, de que existe muito dinheiro "não sendo arrecadado por impostos", e até hoje não é, pelo principal fator de que não existe um decreto regulamentando a atividade, e mesmo que não exista essa regulamentação, o fluxo de ideias do legislador continua a fermentar ideias de dinheiro fácil de ser acessado "e cumprir as benesses do Estado".

Recentemente foi aprovada a PEC do Piso Salarial dos Enfermeiros, medida que busca aumentar o salário-mínimo dos enfermeiros, entretanto tem um impacto fiscal nas contas públicas de R$ 16,3 bilhões, para não ser um verdadeiro desastre de governança fiscal, os senadores vincularam o equilíbrio de contas com a arrecadação futura de impostos de cassinos. Essa foi uma das primeiras demonstrações do uso direcionado de recursos que nem existem ainda, para dispor benesses a alguma corporação ou grupo politicamente organizado.

Quando tratamos da legalização do jogo, tudo ainda parece um futuro não tão claro de como será regulamentado e os impostos serão cobrados e distribuídos, entretanto nas apostas esportivas as coisas são diferentes, já existe lei vigente e forma de distribuição de recursos, hoje já é claro o quanto vai para governo e quanto será distribuído em fundos de amparos e destinações especificas, mas a mente política média ainda concebe o setor como uma fonte de recursos para agradar suas bases e grupos favoritos.

Assim aconteceram duas novidades nos últimos dias no campo legislativo, uma é a derrubada do veto presidencial sobre a Lei Aldir Blanc, que possibilita aumento de 3% das obrigações arrecadatórias sobre o faturamento líquido das operadoras de loterias e apostas esportivas; outra foi o novo texto da Lei Geral do Esporte, que aumentou em mais 1% as obrigações arrecadatórias das apostas esportivas.

Traduzinho para os termos comuns das casas de apostas, os impostos sobre GGR (Gross Gaming Revenue) passaram de 5% para 9% na mesma semana devido a dois projetos de leis diferentes, e isso tudo em benefício de grupos mais organizados como a classe artística e das confederações esportivas.

Além disso, ainda foram criadas restrições, sendo as casas de apostas obrigadas a negociarem com as autoridades esportivas por autorização de disponibilizarem suas odds nos eventos esportivos que representam. Algo flagrantemente inconstitucional pela jurisdição brasileira, porém uma demonstração do poder corporativo que outros grupos de pressão têm no ambiente político brasileiro.

E aqui vale uma reflexão, enquanto os diferentes seguimentos da sociedade, participam ativamente no congresso nacional, propondo soluções para seus problemas passando pelas apostas esportivas, quem está conversando e esclarecendo os desafios e interesses das casas de apostas? Existem assuntos que devem ser tratados em escala setorial, uma representação una, que fale um mínimo denominador comum entre aquilo que é interesse de todos os operadores.

Notas públicas, propostas de mudanças legislativas, fiscalização e contribuição para os aspectos regulatórios, representação formal em audiências pública e debates de ideias no Congresso Nacional, notas técnicas e até mesmo a interpelação de ações judiciais para questionar algum abuso de entes públicos, se necessário, para não comprometer e expor nenhuma das operadoras de maneira desnecessária, mas sim representar o seguimento como um todo.

Se não existir uma relação minimamente organizada e legitima, para pontuar e desmistificar os funcionamentos do setor, mostrar que é sim um mercado rico, porém todo dinheiro é escasso, e mesmo o seguimento econômico mais virtuosos tem limites regulatórios, e como já escutei, "em quesito de regulamentação de Apostas Esportivas no Mundo, o que não falta são histórias tristes", é necessário uma conversa franca e aberta para que o caso brasileiro não se torne mais uma dessas histórias.

Rodrigo Gitaí
Managing Partner na RG Political Intelligence