MIÉ 27 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 08:36hs.
Conrado Caiado, representante do Consórcio GDA

Apostas esportivas - decreto, eleição e religião

A falta de ação do governo sobre a regulamentação das apostas esportivas deixa o mercado em compasso de espera há quase quatro anos. Em artigo de opinião no Diário de Pernambuco, Conrado Caiado, especialista em gambling e representante do Consórcio GDA, aponta a dificuldade na tomada de uma decisão de discutir a atividade ou esperar passar as eleições. “Estamos demonstrando incapacidade, insegurança e uma lerdeza incompatível com o dinamismo e a velocidade do comércio de apostas eletrônicas”, avalia.

Em ano de eleição, em que a macroeconomia e a condução política são mais importantes que uma reflexão técnica advinda de um setor que há quase 4 anos espera seu regramento, aproveitar os meses que antecedem outubro para refinar os estudos e aperfeiçoar o conteúdo do Decreto seriam tão produtivos quanto não invocar essa pauta até o pleito, mantendo o apoio cristão-conservador intocável.

Após anos de inércia do Ministério da Economia, precisamente desde 12 de dezembro de 2018 quando a lei 13.756 foi sancionada pelo então presidente da República, Michel Temer, a Casa Civil recentemente mostrou iniciativa na condução da loteria de quota fixa, popular aposta esportiva, mostrando que o “ótimo é inimigo do bom” principalmente quando o mercado suplica por um regramento e o segmento bate recordes de movimentação monetária.

O crescimento dos números dessa atividade econômica, lícita e regulada na maioria esmagadora dos países, pode ser claramente deduzido por qualquer leigo que liga a televisão, repara as marcas nos estádios e nas camisas de futebol, navega na internet e não consegue deixar de perceber publicidades impactantes e o destaque cada vez maior que as empresas tipo “BET” conquistam nos meios de comunicação, sendo atualmente os maiores anunciantes de inúmeros portais, programas de Tv, times de futebol, eventos esportivos, de placas publicitárias pulverizadas de aeroportos a bares, de torcidas organizadas a sites de conteúdo diverso, invariavelmente com ídolos em atividade, ou ex atletas famosos, ofertando bônus de boas-vindas para conhecerem a marca que os contratou a peso de ouro.

Com um mercado tão próspero e convidativo, por que o Brasil, o país do futebol, não aproveita parte dessa riqueza que jorra arbitrariamente, inclusive para fora, e canaliza legalmente uma fatia justa para os cofres públicos, gerando arrecadação, controle, renda interna, novas qualificações, empregos, investimento no esporte, garantias para os apostadores e benefícios sociais imediatos?

Primeiro porque o Ministério da Economia não teve competência, como também não terá para conduzir a gestão do setor. E agora, mesmo com o auxílio da Casa Civil, temos eleições e a palavra “aposta” remete a “jogo” que remete a um conceito equivocado de ordem cultural, sem o menor embasamento crítico e racional, que arrepia a bancada evangélica e a faz ser contra por ser contra qualquer demanda com essa temática.

Entre o apoio eleitoral dos amigos evangélicos para manter a condução política atual, que permitiu tantos avanços em pautas adormecidas, algumas até desacreditadas, e que agora motivam e inspiram o mundo a investir no último gigante a ser regulado, bem como preservar a estabilidade e o crescimento da economia, tão importante para um cenário de investimento pesado advindo do exterior, publicar de imediato um decreto com falhas e ausências importantes, adiar a promulgação foi um ato sensato, que pese a continuidade do cenário macroeconômico ser mais importante que a regulamentação de qualquer setor, por mais promissor que seja.

Diante do risco de trocar o certo pelo duvidoso, o apoio dos conservadores e protestantes é muito importante, tão grande quanto a conta que eles impõem aos cofres públicos com esse pedido que fizeram ao presidente e com a bancada no Congresso atuando contra e atrasando as votações dessa pauta, uma bagatela de aproximadamente 10 bilhões de reais por ano só em tributos.

O Deputado Marco Feliciano mirou na eleição, mas acertou outro alvo ao estender a publicação do decreto para depois das eleições, proporcionando mais uma oportunidade ao Executivo de aperfeiçoar o texto da minuta que vazou na imprensa, acometido de ausências e uma visão mercadológica ainda distante da realidade brasileira.

O Brasil possui mais de 2 mil sites de apostas esportivas, quase todos piratas ou semilegalizados, operando livremente e propagando que estão “dentro da lei”, tanto porque o poder público assim o permitiu ao não decretar o regramento, transformando o mercado verde e amarelo em “terra sem lei”, como porque defendem que são chancelados por licença internacional emitida em Curaçao, Malta ou Isle of Man.

Na verdade utilizam essas licenças e cometem uma bi sonegação tributária e operacional, não havendo o menor controle de quem licencia sobre a atividade desenvolvida no continente brasileiro, não recolhendo as taxas das pseudo movimentações financeiras em ambas as pátrias, não comunicando o país de base tributária na hora de pagar um prêmio no Brasil, onde supõe-se que o capital que lastreia a operação está depositado, e o inverso também é sonegado, na hora de remeter um depósito feito no Brasil que deveria ser enviado para a base tributária, gerando sonegação de impostos e crimes fiscais em ambos os países, entre outros delitos.

A redação ainda frágil e incompleta, em se mantendo intacta, dará vazão a inúmeras ações da Polícia e da Receita Federal ao mesmo tempo que irá desmotivar os melhores consórcios internacionais a investirem no Brasil, pois propicia algumas atividades e operações informais de forma mais vantajosa que os protocolos reconhecidamente legais. Reparar ausências e falhas por meio de MPs e Portarias, como vem sendo ventilado em Brasília, são mecanismos técnico-executivos que não aprumam um muro que nasce com a base torta, o decreto precisa ser revisto, melhorado, e não remendado.

A proposta atual parece que se preocupou mais em facilitar a própria gestão pública do que propiciar oportunidades para o povo brasileiro, que deve ser o principal beneficiário. Uma taxa única de 22 milhões e 200 mil reais não democratiza e nem prioriza o empresariado interno. Focar no capital em detrimento ao trabalho, a técnica e a qualidade acabam estendendo mais uma vez, majoritariamente e equivocadamente, o tapete vermelho para o mercado estrangeiro.

Uma revisão mais atenta para o número de empreendedores, pequenos e grandes, que os últimos anos criaram na gleba de apostas esportivas, demonstra claramente como geramos marcas, empregos diretos e indiretos, produzimos renda e fortunas, e capilarizamos a atividade em todo o território nacional, mas com essa taxa somada ao que se propõe documentalmente, talvez tenhamos, em médio prazo, cinco grandes players internacionais engolindo os demais e se digladiando.

A profissão e, ou a atividade de afiliação, assim como a de white label, deveria, no mínimo, ser considerada e detalhada na apresentação da minuta, principalmente para a Receita Federal entender do que se trata os proventos oriundos dos operadores autorizados para as pessoas físicas ou jurídicas que prestam esse serviço específico, mesmo porque tais contratos têm peculiaridades na remuneração que não se assemelham aos modelos convencionais e publicitários.

A propriedade e a responsabilidade sobre a carteira de clientes apostadores, bem como as políticas acerca da ludopatia, também poderiam ser minutadas, e nesse momento se torna protagonista o papel das igrejas presentes em todos os municípios para atuar, em parceria com as marcas de apostas esportivas, como agente social ou entidade profissional preparada para recepcionar os apostadores identificados com características de vício. O decreto poderia exigir que a empresa operadora publicite contatos e endereços dessas instituições em seu site e mídias formais, sempre e onde o site possuir atividade comercial em curso, e que direcione ativamente apostadores que os softwares de controle detectarem perdendo o padrão ou saindo dos limites impostos ou autoimpostos.

Discorrer sobre os processadores de pagamento é crucial para evitar lavagem de dinheiro e acobertar crimes fiscais, haja vista que uma fintech hoje em dia se abre e fecha como se troca de camisa. Elas foram e são importantes instrumentos para democratizar e baratear o crédito na praça, entre outras conquistas, mas no tocante a gateways de pagamento e o peso que essa prestação tecnológica e financeira terá em todo o universo do jogo, principalmente para demonstrar segurança e pacificar desconfianças sobre o conglomerado de apostas, incluindo os evangélicos que bradam sem fundamento sobre lavagem de dinheiro, a responsabilidade deveria ser incumbida apenas aos bancos autorizados com políticas claras contra branqueamento de capitais e adequação a LGPD atual, pelo menos no começo desse longo processo de maturação do setor.

Se aplicadas sobre as igrejas da nossa abençoada Federação as mesmas leis, regras e tecnologias de auditoria e controle para loteria de quota fixa admitidas na maioria das pátrias corretamente regulamentadas, teríamos infinitamente mais marcas de aposta esportiva do que templos religiosos em atividade.

Vale comentar que no mundo inteiro é muito mais fácil alimentar o crime organizado ou lavar dinheiro com atividades coloquiais como a de um restaurante, agência de turismo, empresa de eventos, locação, marketing e publicidade, cursos e palestras, do que atuando no segmento de jogos, que possui inegavelmente uma carga complexa de fiscalização e auditoria muito maior que qualquer negócio convencional.

Ao assistir filmes ou seriados de máfia, mesmo os de ficção, atente-se a década que ele se passa, porque hoje o crime organizado da vida real só atua com jogo onde ele não é legal e não está devidamente regulamentado.

As deficiências institucionais para lidar com o ecossistema do jogo deflagradas pelo enredo do decreto das apostas esportivas demonstra escancaradamente que o melhor para a nação não é subordinar mais uma pasta na Economia, e muito menos emponderar uma única caneta ligada a cargos políticos para assinar autorizações e regulações afins.

A solução mais inteligente, produtiva e compatível com o cenário tupiniquim seria uma Agência Reguladora independente, composta por técnicos e especialistas, nos moldes da Comissão de Nevada americana, podendo também constituir internamente uma Comissão de Jogos formada por representantes do Ministério da Justiça, Economia, Ciência e Tecnologia, Cidadania e Esportes, para atuar de forma conjunta e especializada nas diversas frentes de gestão, estudo, destinação e fiscalização que a pasta, constantemente, será demandada.

O Brasil vive um momento ilustre, tanto diante da sua própria história no jogo, como perante o panorama mundial, sendo a bola da vez, o jackpot que todos querem, o all in dos mercados regulados, mas depois de vexames retumbantes como o da Lotex e de quase quatro anos sem regulamentar inexplicavelmente as apostas de quota fixa, estamos demonstrando publicamente incapacidade, insegurança e uma lerdeza incompatível com o dinamismo e a velocidade do comércio de apostas eletrônicas. Analogamente, em ano de Copa do Mundo, ou trocamos a Economia, que é um técnico retranqueiro que não gera resultados, por uma Comissão Técnica independente e muito mais capacitada e veloz, ou correremos o risco de tomar mais uma goleada em casa.

Conrado Caiado
Mercadólogo com atuação no mercado de Gambling e representante do Consórcio GDA

Fonte: Diário de Pernambuco