Instados a nos manifestar sobre a notícia veiculada na mídia acerca das notificações de alguns clubes de futebol e outras entidades, inclusive da Rede Globo, pela SENACON, nos cabe, neste artigo, breves reflexões que podem ser pertinentes, dependendo do caso concreto.
Inicialmente, nos parece que não pode ser recebida como surpresa, pelo mercado que aguarda a regulamentação das apostas esportivas de quota fixa no Brasil, tais ações dos órgãos públicos, que inicia pela notificação do SENACON.
A Secretaria Nacional do Consumidor - SENACON é órgão que integra o Ministério da Justiça e Segurança Pública, cujas competências lhe são delegadas pelo Decreto nº 7.738, de 28 de maio de 2012 e tem suas atribuições estabelecidas no art. 106 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 3º do Decreto nº 2.181/97.
Não se está diante de uma acusação, mas de um ato de fiscalização regular, dum órgão com competências para esta ação e munida de poder de polícia. As consequências dessa fiscalização vão depender, em cada caso, da regularidade contratual, objeto contratado, forma de remuneração, local do contrato e outros aspectos tratados entre as partes.
Obviamente, não há vedação para a publicidade de sites de apostas esportivas no Brasil, desde que sejam respeitadas as normas previstas no ordenamento jurídico, que deve ser de conhecimento tanto do patrocinador como do patrocinado, sujeitando-os, no caso de eventuais desvirtuamentos, às sanções legais.
Mas não se olvide quanto aos limites da contratação. Lembrando que naquelas relações comerciais de contrato de patrocínio, onde há participação do “time” patrocinado nos resultados financeiros obtidos na captação de apostas no território brasileiro, estaremos falando de um contrato com objeto ilícito.
Observa-se que, à luz da atual legislação brasileira, “participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador” e/ou “efetuar o pagamento de prêmio relativo a bilhete de loteria estrangeira” constitui ilícito de natureza penal.
Não se desconhece o fato de que há confusão conceitual quanto ao termo loteria, oriundo da década de 1940, e a hodierna compreensão quanto ao seu real significado, bem como que o objetivo do legislador à época da edição dos referidos diplomas penais era vedar a exploração de jogo de azar, cujo conceito sugere a existência de um prêmio decorrente de um sorteio de resultado aleatório, circunstância que deve ser interpretada a luz da Lei 13.155/2015, que fez acréscimos ao artigo 50 da LCP.
No entanto, a vedação legal e a incriminação da conduta persistem, reforçadas pela própria legislação que instituiu as apostas esportivas modelo fixed odds ao exigir a “autorização ou concessão” do Ministério da Fazenda (atual ME) para o exercício das atividades empresariais, na condição de “operador”.
De modo que a operação no mercado da aposta esportiva, após a regulamentação legal, mas sem a devida autorização do Poder Público competente, atrai, ainda assim e no mínimo, para os sites internacionais, a tipificação penal prevista no artigo 46 do Decreto-Lei nº 6.259/44.
Ainda, se a regulamentação sobrevier nos termos da minuta consultiva publicada pelo Ministério da Fazenda, as empresas que pretenderem obter a autorização para explorar as apostas esportivas deverão declarar nunca haver operado ilegalmente em mercados regulados de exploração de loterias e demais sistemas de captação de apostas com pagamento de prêmios em dinheiro (art. 12, inciso III, da minuta proposta pelo Governo Federal publicada aos 18.02.2020).
A mesma minuta (consultiva) da regulamentação da Lei n. 13.756/2018 exige que a empresa que desejar explorar o mercado de apostas esportivas no Brasil deverá comprovar estar regularmente constituída segundo as leis brasileiras vigentes, com sede e administração no país (art. 11 da minuta do regulamento da Lei n. 13.756).
Porquanto a regulamentação definitiva ainda não foi publicada pelo órgão oficial, reputa-se prematura e ilegal a prática de exploração de apostas esportivas no “território brasileiro” antes de tal operação ser autorizada pelo Ministério da Economia ou órgão que o suceder, atraindo assim a ilicitude aos eventuais contratos de publicidade com estes operadores.
Mas há outras circunstâncias que devem ser tratadas neste breve estudo. Nos referimos, nas linhas abaixo, aos limites da publicidade analisada diante das normas de regulação publicitária.
A promoção dos produtos de apostas esportivas já foi objeto de análise do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR.
Ainda que a Lei n. 13.756/2018 traga a previsão de que a publicidade deve se pautar pela responsabilidade social e pela promoção da conscientização do jogo responsável, visando à segurança coletiva e ao combate a apostas ilegais, referida norma, no que se refere a modalidade prevista no artigo 29 e seguintes daquela lei, não se encontra regulamentada para permitir a operação de tal atividade em território nacional.
Conclui-se, portanto, que eventual publicidade deve ser realizada com extrema cautela em razão do iminente risco de penalização da conduta pelo órgão regulador nacional (CONAR) e/ou pela própria legislação penal aplicada à espécie.
Disso decorre que os clubes de futebol não podem, por ora, sob qualquer hipótese, sem atender as regras legais previstas e talhadas no ordenamento jurídico brasileiro, fazer publicidade sobre a exploração e/ou a promoção de produtos ligados às apostas esportivas. Tanto é assim que a minuta que irá regulamentar a atividade no Brasil prevê que apenas pessoas autorizadas para explorar o mercado podem realizar tal publicidade.
Há outro ponto observado nos estudos da equipe do escritório, quanto à forma de remuneração dos clubes patrocinados.
Veja que quando se trata de “Pagamento de Participação”, como pretendem algumas propostas de contrato que vieram ao nosso conhecimento, revela, naqueles casos, o objeto ilícito do contrato pretendido.
Nossa opinião sobre eventuais contratos de patrocínio para os times de futebol e demais modalidades esportivas, em que o patrocinador seja um operador do mercado offshore com veiculação de marca, muito embora a Lei n. 13.756/2018 tenha legalizado a modalidade lotérica de “apostas de quota fixa”, é de que as atividades do operador no mercado (território) nacional ainda depende de regulamentação pelo Poder Público.
Além disso, mesmo com a regulamentação as empresas que desejarem operar neste mercado precisarão obter a autorização (ou concessão) e cumprir com os requisitos que serão definidos no correspondente decreto de regulamentação e demais atos normativos expedidos pelos órgãos competentes do Governo.
Assim, é necessário que eventuais contratos para esta finalidade – patrocínio de times de futebol e outros – sejam pautados pela cautela e não deixem dúvidas de que a efetiva exploração da modalidade se dará somente após a regulamentação da matéria e autorização da patrocinadora para operar no Brasil, de modo que as cláusulas pactuadas passem a ter legalidade, eficácia e validade à luz do ordenamento jurídico brasileiro.
Importante ter em vista que a modalidade de apostas esportivas no Brasil é considerada uma modalidade lotérica, o que atrai as normas penais aplicadas à espécie e o interesse público, pois está na condição de serviço público e não de atividade econômica propriamente dita.
Finalizando este breve artigo, deve ser igualmente considerado o risco de penalização pelo órgão de autorregulação da publicidade, qual seja, o CONAR, e também pelo Ministério Público, quanto à forma de divulgação da marca e da exploração das apostas esportivas em razão da atividade ainda não estar regulamentada no Brasil.
Esta é nossa opinião para a situação posta, em tese e diante da hodierna legislação aplicada.
Brasil Fernandes Advogados Associados
Roberto Carvalho Brasil Fernandes
Daniel Fernandes
Alexandre Amaral Filho
Rafael Biasi