Isso porque grande parte da movimentação em 2022 se deu em razão do julgamento das ações supracitadas, que entendeu possível a exploração do serviço de loterias pelos Estados-membros, e não só pela União Federal.
Na oportunidade, restou pacificado o entendimento de que a competência privativa da União, constante do artigo 22, da Constituição Federal, se refere tão somente à competência legislativa, de modo que consignou-se a permissão aos Estados para que explorem o serviço, desde que nos moldes da legislação federal.
Dito isso, a partir de 2021 e, sobretudo, em 2022, vislumbrou-se uma gama de oportunidades à administração pública e, em razão da especificidade do serviço, aos eventuais parceiros privados, em virtude do movimento natural de delegação da implementação e operação das loterias no âmbito dos estados.
Após a decisão do STF, diversos estados se movimentaram para começar a exploração das loterias, valendo-se, inclusive, de Procedimentos de Manifestação de Interesse, instrumento que permite à Administração Pública um diálogo técnico e jurídico com o particular que detém a expertise no objeto do serviço a ser delegado. Espírito Santo, Pernambuco, São Paulo e Maranhão se beneficiaram deste procedimento, sendo que os dois últimos chegaram a lançar editais para licitação dos serviços lotéricos, levando em consideração as premissas apontadas por diversas empresas do setor.
O estado de Santa Catarina, acompanhando o movimento, já havia legislado sobre a criação da loteria estadual e editado decreto de regulamentação para a sua implementação e exploração. No entanto, surpreendentemente, foi noticiado no mês de novembro que a administração pública deste estado havia desistido de explorar os serviços de loteria, segundo a imprensa em razão da grande procura de empresas interessadas em operar o serviço, o que gerou desconfiança e grande preocupação ao poder público catarinense.
A despeito deste caso específico, o que se percebe é um natural movimento para exploração dos serviços de loteria, em razão da oportunidade de aumento das receitas estaduais. A opção pela delegação de tal serviço também é compreensível: neste cenário a administração pública não tem de investir valores e ainda conta com a experiência do operador.
E foi diante desse movimento que a União Federal decidiu, por meio da Portaria nº 3.346, de 13 de abril de 2022, implementar novo produto lotérico de prognósticos numéricos, a "+Milionária". Vê-se que a evolução do cenário lotérico em âmbito estadual gera também um aumento na concorrência e na competitividade do negócio, razão pela qual a administração pública, seja federal ou estadual, deve se preocupar diretamente com a inovação e a prestação de um serviço adequado e eficiente.
De outro lado, os municípios têm forçado um entendimento que invariavelmente viola o artigo 24, da Constituição Federal. Isso porque, em razão de uma breve menção aos municípios quando da votação das ADPFs nº 492 e 493, em conjunto com a ADI nº 4.986, pairou a dúvida quanto à possibilidade de criação das loterias municipais.
Neste caso, entende-se pela impossibilidade, sobretudo em razão das disposições constitucionais quanto à competência dos entes federados, uma vez que não há, no rol de competências dos municípios, constante do artigo 30, da Constituição Federal, nenhuma menção à exploração de loterias. Os estados, a seu turno, além do julgamento favorável e específico quanto à possibilidade de exploração deste serviço, contam com o disposto no artigo 25, §1º, da Carta Maior, que trata da competência residual: são reservadas aos estados as competências que não lhes sejam vedadas.
Não obstante, as empresas que operam este serviço têm forte presença no país, sendo uma prática comum que elas patrocinem grandes times da elite do futebol brasileiro, a despeito de não terem no Brasil qualquer sede ou filial, e de hospedarem seus sítios eletrônicos no exterior. Nesse sentido, o Brasil saiu perdendo em 2022, vez que deixou de arrecadar valores à seguridade social e outras áreas sensíveis, além de deixar de tributar tais empresas, o que seria extremamente favorável, tanto para a administração pública, quanto para a coletividade.
Ainda sobre o tema, é importante lembrar que em agosto deste ano a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), subordinada ao Ministério da Justiça, determinou à TV Globo, à CBF e aos times de futebol da primeira divisão do Campeonato Brasileiro que apresentassem os contratos de publicidade firmados com as empresas de apostas esportivas. Na oportunidade, argumentou-se que a preocupação orbitava o fato de a atividade poder estar sendo explorada sem mecanismos de controle, fiscalização ou prestação de contas.
Ademais, o Ministério da Economia acionou a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR), a fim de apurar uma suposta exploração irregular de apostas esportivas no país.
No entanto, o problema seria facilmente solucionado caso a já mencionada regulamentação da Lei nº 13.756/2018 tivesse ocorrido, não apenas para acabar com insegurança jurídica que permeia a atividade, como também para proporcionar ao governo relevante arrecadação de recursos.
Seja como for, certamente o ano de 2023 será movimentado no âmbito das loterias e apostas esportivas. Isso porque, além do movimento das administrações públicas estaduais, o brasileiro já vem se consolidando como usuário deste serviço, o que confirma a necessidade de uma atuação consistente por parte da União, dos estados e, inclusive, dos parceiros privados.
Anna Florença Anastasia
Especialista em Direito Administrativo e advogada associada no GVM Advogados
Fonte: Conjur