Parece que, finalmente, depois de mais de quatro anos, veremos a regulamentação da loteria de quota fixa. Aparentemente, a série de escândalos envolvendo possíveis manipulações de resultados noticiados pela imprensa nos últimos 30 dias foi a gota d’água para fazer o tema da regulamentação se mexer.
É inegável a necessidade e urgência de regulamentar as apostas esportivas e grande parte do trabalho técnico já foi realizado pela gestão anterior. A preocupação que atinge todo o mercado é se os atuais reguladores, sem ter tido a oportunidade de se aprofundar nas especificidades de uma atividade tão singular e complexa do ponto de vista técnico-regulatório, poderão criar restrições ou requisitos que podem chegar ao extremo de inviabilizar o mercado. Eis alguns exemplos:
Número de licenças
Muito se discutiu durante os últimos quatro anos acerca do número de licenças para a operação de apostas esportivas, até que na última versão de decreto tornada pública, o governo teria aceitado o argumento de que somente com um número ilimitado de licenças disponíveis seria possível trazer a oferta existente para o ambiente regulado. Restringir o número de operadores seria um grande erro: criaria automaticamente um gigantesco mercado negro, sem qualquer chance de regularização posterior.
Custo da licença
A última estimativa do custo das licenças para loteria de quota fixa era de R$ 22,2 milhões (algo em torno de US$ 4 milhões). Esse valor de licença já estava excessivo, completamente fora da realidade mundial.
Na Dinamarca a licença custa DKK 295.800, o que equivale a aproximadamente US$ 425 mil, ou R$ 2,2 milhões. Em Malta, uma licença que permite operar internacionalmente custa € 25 mil, ou seja, por volta de R$ 140 mil. Na Holanda, são EUR 28 mil pelo pedido de licença, ou seja, cerca de R$ 155 mil. Em Nevada, capital mundial do jogo, a taxa é de US$ 500 mil, ou seja, algo em torno de R$ 2,6 milhões. Já em Portugal a taxa é de EUR 30 mil (R$ 165 mil), considerando já os custos de homologação do sistema técnico. Mesmo no Reino Unido, cujo mercado em termos de PIB é 50% superior ao brasileiro, a licença fica em torno de GBP 770.000, o que não supera R$ 4,8 milhões.
É um disparate acreditar que a licença de apenas apostas esportivas de quota fixa, sem operação de cassino online, poderá valer tanto quanto se especula. Esse valor de mais de R$ 20 milhões servirá apenas para incentivar que os operadores permaneçam no mercado não regulado, o que custará muito mais ao governo em termos de arrecadação de impostos no futuro.
Restrições a publicidade
Muito se discute no mundo sobre os limites da publicidade de apostas. É indiscutível a importância de regulação e de medidas de jogo responsável no tocante à publicidade, mas não podemos esquecer que o Brasil será um mercado regulado “green field”, ou seja, um mercado no qual a possibilidade de patrocinar times e fazer publicidade será um elemento essencial para que a população consiga diferenciar os operadores legais dos ilegais. Restringir de maneira excessiva as possibilidades de publicidade das apostas esportivas, no momento de abertura do mercado regulado, implicaria retirar parte de sua atratividade, beneficiando aqueles operadores que decidirem ficar ilegais do muito mais que protegendo a população.
Tributação adequada e razoável
A primeira versão da Lei 13.756/2018 estabelecia uma forma de tributação totalmente impraticável, tendo como base o valor total apostado (“turnover”) como base dos repasses obrigatórios da loteria de quota fixa. O próprio órgão regulador reconheceu a necessidade de alteração e coordenou os esforços para que, em 2021, a lei fosse alterada. A tributação passou a ter como base a diferença entre turnover e prêmio (o chamado “GGR”, ou “Gross Gaming Revenue”), em percentuais que, somados aos outros tributos incidentes (PIS, COFINS e ISS), chegavam a níveis razoáveis em comparação com outros países.
Também seria um erro grave do regulador tentar alterar essas normas, sob o risco de inviabilizar a atividade caso a base de cobrança volte a ser o turnover, ou se a carga tributária sobre a atividade (ou seja, excluindo imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido) for superior a 20%.
Como nos ensinam os exemplos de Itália, França e Portugal, impostos excessivos sobre a atividade de jogo resultam apenas em um maior mercado ilegal.
Por outro lado, há uma grande oportunidade de se corrigir um dos maiores problemas da Lei 13.756 no tocante à tributação dos prêmios das apostas esportivas. Por se tratar de uma atividade completamente distinta das outras modalidades de loteria, uma vez que os prêmios são muito menores em comparação com o valor apostado, e a frequência de jogo é muito superior, implicando, necessariamente, em ganhos e perdas reiterados, o imposto de renda deveria incidir não sobre cada prêmio de forma exclusiva, tal como previsto atualmente, mas sim sobre o valor efetivamente ganho pelo apostador, que poderia ser verificado ao final de uma sessão de jogo, assim compreendido o período entre o(s) depósito(s) e o primeiro saque realizado pelo apostador, tal como ocorre na Espanha.
Alternativamente, uma solução mais simples talvez seja aumentar o limite de isenção para prêmios até 300 vezes o valor apostado, tal como nos Estados Unidos. De qualquer forma, é imperativo que o valor da aposta seja excluído da base de cálculo do imposto.
Esperamos que este artigo possa contribuir com o trabalho sendo realizado pelo Executivo Brasileiro.
Em um próximo artigo, trataremos de como as empresas podem se preparar para operar no Brasil quando o mercado de apostas estiver regulamentado.
Luiz Felipe Maia
Sócio do MAIA YOSHIYASU ADVOGADOS