Na última sexta (22), o Ministério da Fazenda enviou uma notificação à Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro) para que interrompa o credenciamento de casas de apostas esportivas online, as "bets", nos moldes atuais.
No entendimento da Lottopar, apontado na ação, a Loterj, ao retificar seu edital para credenciamento de empresas para exploração das apostas esportivas, acabou permitindo que a atuação das bets extrapole o território do Rio de Janeiro, o que seria contrário a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito dos limites à exploração de loterias pelos estados.
A notificação enviada pelo Ministério da Fazenda segue essa mesma linha. A Pasta sustenta que a Loterj está credenciando as bets sem estabelecer uma trava para que as empresas atuem somente no Estado do Rio de Janeiro, o que, na visão da Fazenda, seria vedado pela Lei nº 14.790, de 2023.
"Essa controvérsia da Loterj é apenas a ponta de um iceberg que tem potencial para gerar sérios riscos à abertura do mercado de apostas no Brasil", alerta o sócio-fundador do Jantalia Advogados e especialista em Direito de Jogos, Fabiano Jantalia. Para ele, a regulação das apostas e das loterias estaduais, de modo geral, precisa urgentemente de um "choque de ordem, de um freio de arrumação".
"Apesar de já termos uma lei federal moderna e consistente, estamos mergulhados em um limbo jurídico por falta da esperada regulamentação. É isso que está levando a diversas confusões e distorções na aplicação da lei por algumas loterias estaduais", defende Jantalia.
Controvérsia
Em 1944, o Decreto-Lei nº 6.259, que disciplinou a exploração de loterias no Brasil, permitiu aos estados a exploração indireta por meio de concessão, estabelecendo, todavia, que as loterias estaduais estivessem “adstritas aos limites do Estado respectivo”. Os estados, diante da autorização legislativa, passaram a estruturar e explorar as próprias loterias exclusivamente no âmbito de seus territórios.
Já em 1967, a criação de novas loterias estaduais foi proibida pelo Decreto-Lei nº 204, que estabeleceu o monopólio da União para a exploração das loterias, sendo mantidas apenas as loterias estaduais instituídas até o dia 27 de fevereiro de 1967.
Esse cenário só veio sofrer alteração com a Constituição de 1988, que, no art. 22, inciso XX, estabeleceu competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios, o que levantou um questionamento sobre a constitucionalidade da vedação à exploração das loterias pelos estados.
Diante da dúvida, o assunto foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelas próprias loterias estaduais. Em 2020, a Corte decidiu que, observados os princípios da territorialidade, da autonomia dos estados e da estabilidade do pacto federativo, a competência legislativa da União não pode afastar a competência material dos estados para explorar as atividades lotéricas.
Em outras palavras, o Tribunal reconheceu a competência de os estados explorarem, no limite de seus territórios, as loterias estaduais, em ambiente de convivência com as loterias federais, essas, sim, de abrangência nacional.
No final de 2023, foi sancionada a Lei nº 14.790, responsável por dar tratamento legal às loterias de quota fixa que haviam sido criadas em 2018 pela Lei nº 13.756, a qual já havia atribuído ao Ministério da Fazenda a competência para regulamentar a atividade das bets no Brasil. O prazo de 4 anos fixado pela lei para a regulamentação, contudo, não foi cumprido.
Em fevereiro de 2024, o Ministério da Fazenda estruturou a Secretaria de Prêmios e Apostas, que recebeu a competência de regulamentar o mercado das apostas esportivas – tratando de temas sensíveis, como prevenção à lavagem de dinheiro, jogo responsável, publicidade e marketing – e autorizar o funcionamento das bets no Brasil. A regulamentação, contudo, ainda está no início, com a edição de apenas duas portarias, o que gera um vácuo normativo.
Insegurança jurídica
Enquanto a União não edita todas as normas regulamentadoras necessárias e não abre o procedimento de autorização, estados e até municípios têm procurado se antecipar à União, na expectativa de atrair operadores com valores de outorga e tributação mais baixos.
“O problema é que esses editais de credenciamento e até a fiscalização das loterias estaduais vêm se baseando em leituras equivocadas tanto das decisões do STF sobre o tema, como das disposições da lei federal de apostas”, afirma Jantalia.
O advogado sustenta ainda que isso vem gerando uma crescente insegurança jurídica para o setor. “Se isso não for pronta e devidamente resolvido, corremos o sério risco de gerar uma guerra das loterias e afastar os operadores, prejudicando todo o esforço feito pelo Poder Executivo e pelo Congresso Nacional para viabilizar a abertura desse mercado”, afirma Jantalia.
Fonte: GMB