Análise das implicações regulatórias e autonomia dos estados
O Brasil está diante de um novo capítulo na regulamentação das loterias, especificamente nas apostas esportivas, com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7640[1] em análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do Ministro Luiz Fux.
Contexto da disputa
Esta ação foi provocada pela oposição dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Acre, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e do Distrito Federal. Eles questionam especificamente o § 2º e a expressão “e a publicidade”, contida no § 4º, ambos do artigo 35-A da Lei Federal nº 13.756[2], de 12 de dezembro de 2018, conforme alterada pela Lei Federal nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023.
Os trechos contestados definem um modelo de licenciamento que restringe cada operadora de apostas esportivas, ou empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, a receber autorização em apenas um Estado ou no Distrito Federal. Além disso, impõem limitações à publicidade que ultrapassa fronteiras estaduais, uma situação que tem levantado questões de conflito relacionadas à autonomia e isonomia entre os entes federativos.
Visões conflitantes e cooperação
O mercado de apostas esportivas no Brasil enfrenta um período de mudanças regulatórias significativas, refletindo diversas perspectivas sobre a melhor forma de gerenciar o setor.
Um exemplo notável desses esforços é a iniciativa do Ministério da Fazenda, que formou um grupo de trabalho no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) com o objetivo de evitar uma guerra fiscal entre os estados[3].
Este grupo trabalha para unificar as regras de autorizações estaduais para empresas de apostas esportivas, buscando equilibrar as necessidades locais com as políticas nacionais, embora enfrentem críticas de que tais medidas podem limitar a autonomia regional em favor de uma centralização excessiva.
Atualmente, há uma variabilidade nas políticas estaduais; por exemplo, o Estado do Rio de Janeiro permite que casas de apostas obtenham licenças que, em teoria, possibilitam operações em âmbito nacional, uma abordagem que contrasta com restrições mais severas em outros estados.
A ADI 7640 é um reflexo dessa dinâmica, representando um movimento significativo dos estados para questionar e potencialmente reformar as normas estabelecidas em nível federal.
Decisões históricas do STF e expectativas para a ADI 7640
Historicamente, o STF já abordou questões semelhantes nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 492[4] e 493[5], permitindo que os estados gerenciem suas próprias loterias. A decisão de 2020 reafirmou que, embora a União tenha competência legislativa exclusiva sobre loterias, isso não exclui a possibilidade de gestão estadual. Observando o histórico de decisões do STF, pode-se especular sobre o possível desfecho da ADI 7640 em relação à descentralização.
A necessidade de regulamentação federal
Com base nessas disputas e colaborações, surge um argumento para a necessidade de uma regulamentação federal que possa harmonizar as regras, oferecendo estabilidade ao setor e prevenindo uma fragmentação excessiva.
Nesse sentido, a Secretaria de Prêmios e Apostas vinculada ao Ministério da Fazenda, vem realizando esforços contínuos para cumprir com a agenda regulatória do setor, definida pela Portaria SPA/MF nº 561, de 8 de abril 2024[6].
Um exemplo é a publicação da Portaria SPA/MF nº 827, de 21 de maio de 2024[7], que estabelece regras detalhadas para a obtenção de autorização para exploração comercial das empresas de apostas esportivas em todo o território nacional. Essa portaria define os requisitos legais, fiscais, trabalhistas, de idoneidade, qualificação econômico-financeira e técnica que as pessoas jurídicas devem atender para obter a autorização, bem como os prazos e procedimentos administrativos.
Preparação e adaptação ao novo cenário regulatório
À medida que o Brasil navega pelas águas turbulentas da regulamentação das apostas esportivas, a ADI 7640 representa não apenas um desafio legal, mas também uma oportunidade para redefinir o futuro do setor. Este momento exige uma legislação que não apenas equilibre os interesses entre os estados e a União, mas que também promova um ambiente regulatório estável e previsível.
A preparação e adaptação ao novo cenário regulatório devem ser prioridades para todas as partes envolvidas. A colaboração entre empresas, reguladores e o governo será fundamental para desenvolver um mercado de apostas esportivas que seja justo, competitivo e responsável. Isso requer um diálogo aberto e contínuo, onde todos os stakeholders contribuam para moldar as políticas que irão reger o setor.
A complexidade deste mercado não pode ser subestimada e, portanto, a necessidade de uma vigilância regulatória rigorosa e de planejamento estratégico é mais relevante do que nunca. É imperativo que os operadores, investidores e reguladores estejam engajados e proativos, assegurando que a regulamentação evolua de forma a proteger os interesses públicos sem restringir o potencial de crescimento do setor.
A resolução da ADI 7640 será um marco decisivo para o futuro das apostas esportivas no Brasil. Dependendo do desfecho, poderá estabelecer um precedente significativo para a autonomia dos estados em relação à gestão de suas próprias loterias e, ao mesmo tempo, definir o alcance da influência regulatória federal. A capacidade do setor de se adaptar e prosperar sob a nova regulamentação determinará seu sucesso a longo prazo no cenário global.
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição Inicial da ADI 7640. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=776633441&prcID=6917578>. Acesso em: 20 maio 2024.
[2] BRASIL. Lei n.º 13.756, de 12 de dezembro de 2018. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13756.htm>. Acesso em: 20 maio 2024.
[3] ABEL, Victoria; OLIVEIRA, Eliane. “‘Bets’: Para evitar guerra fiscal, Fazenda quer convencer estados a unificar regras de apostas on-line.” O Globo, 2024. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/05/24/bets-para-evitar-guerra-fiscal-fazenda-quer-convencer-estados-a-unificar-regras-de-apostas-on-line.ghtml>. Acesso em: 27 maio 2024.
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão da ADPF 492. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15345265193&ext=.pdf>. Acesso em: 20 maio 2024.
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão da ADPF 493. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15345265231&ext=.pdf>. Acesso em: 20 maio 2024.
[6] BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria de Prêmios e Apostas. Portaria SPA/MF n.º 561, de 8 de abril de 2024. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-spa/mf-n-561-de-8-de-abril-de-2024-553015529>. Acesso em: 20 maio 2024.
[7] BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria de Prêmios e Apostas. Portaria SPA/MF n.º 827, de 21 de maio de 2024. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-spa/mf-n-827-de-21-de-maio-de-2024-561240128>. Acesso em: 27 de maio 2024.
Gabriel Quiliconi
Advogado e consultor em relações institucionais, governamentais e assuntos regulatórios em São Paulo. Graduado em Direito pelo Mackenzie; Especialista em Direito Contratual pela PUC/SP; MBA em Liderança, Inovação e Gestão pela PUC/RS.