LUN 25 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 11:58hs.
Adriane Bonato, Head of Trademark Department da Venturini IP

Novas regras para apostas esportivas no Brasil: aspectos regulatórios e registro de marca

A regulamentação das bets no Brasil está redefinindo o cenário do mercado, impulsionando o interesse de empresas e apostadores. Com a recente Lei das Apostas Esportivas, empresas buscam se adaptar a um ambiente regulatório em evolução, enquanto exploram oportunidades de marca. Neste artigo exclusivo para o GMB. Adriane Bonato, head of trademark department da Venturini IP, explora os aspectos e estratégias de registro de marca em meio a esse novo panorama.

Um estudo realizado pela empresa SimilarWeb apontou que sites de apostas renderam 14,2 bilhões de acessos em todo mundo em 2022. O Brasil lidera a lista com 3,2 bilhões de acessos, quase 25% do total apontado no levantamento.

A maioria das apostas esportivas no Brasil é realizada online, com expressiva presença de sites internacionais de apostas esportivas que aceitam jogadores do Brasil.

Até pouco tempo atrás, Apostas esportivas eram consideradas “jogos de azar” no Brasil e, portanto, um serviço ilegal, para o qual não era sequer possível requerer registro de marca junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI.

Em 2018, por meio da Lei 13.756/2018, aposta esportiva passa a ser legalizada no Brasil, mas ainda de forma muito embrionária.

A Lei nº 14.790/2023, também conhecida como a Lei das Apostas Esportivas, entrou em vigor em 30 de dezembro de 2023 e modificou a Lei 13.756/2018, estabelecendo um novo quadro legal para a operação de apostas de quota fixa no país, as chamadas apostas esportivas.

A Lei 14.790/2023 estabelece as bases para a operacionalização, regulação detalhada das apostas esportivas, tanto em ambientes físicos quanto online, além de aspectos tributários, de fiscalização, combate à fraude, proteção ao apostador e impacto social.

Dentre as principais condições para atuação no mercado de apostas, ser pessoas jurídicas constituídas segundo a legislação brasileira é a mais relevante para players internacionais. Também é obrigatório que a empresa seja residente no país. Empresas estrangeiras poderão ser autorizadas a explorar a loteria de apostas de quota fixa mediante a constituição de subsidiária no Brasil.

Licenças/autorizações em caráter permanente ou por prazo determinado, deverão ser requeridas às autoridades reguladoras, com a submissão de uma série de documentos e informações demonstrando o cumprimento de todos os critérios e requisitos estabelecidos pela Lei 14.790/2023, como os de constituição, financeiros, técnicos e éticos.

A Lei 14.790/2023 está em fase de regulamentação. O Ministério da Fazenda, estabeleceu um cronograma para a implementação de medidas, que ocorrerão até o final do primeiro semestre deste ano.

Ainda na primeira fase de execução (que se dará em 4 fases), o Ministério da Fazenda espera publicação de portarias até o fim de abril estabelecendo as regras gerais a serem observadas pelos meios de pagamento, requisitos técnicos e de segurança dos sistemas de apostas utilizados pelos agentes operadores para exploração da modalidade lotérica e as regras, condições e abertura do procedimento para requerimento da autorização para exploração comercial das apostas de quota fixa em todo o território nacional.

Por enquanto, as regulamentações disponíveis que impactam na prática a operação das apostas esportivas dizem respeito aos meios de pagamento e aos meios de publicidade.

Sobre os meios de pagamento, a norma emitida pelo Ministério da Fazenda determina, dentre outros critérios, que os aportes e as retiradas de recursos financeiros pelos apostadores, bem como o pagamento de prêmios pelos agentes operadores, deverão ser realizados exclusivamente por meio de transferência eletrônica (PIX, TED, cartões de débito ou cartões pré-pagos e transferência nos próprios livros (book transfer), no caso de contas mantidas em uma mesma instituição) entre uma conta cadastrada do apostador e a conta transacional do agente operador, ambas mantidas em instituições financeiras ou de pagamento autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

Também é vedado ao agente operador aceitar aportes financeiros por meio de dinheiro em espécie, boletos de pagamento, criptoativos, cartões de crédito ou quaisquer outros instrumentos pós-pagos ou qualquer outra forma alternativa de depósito que possa dificultar a identificação da origem dos recursos e como medida prudencial de desestímulo ao endividamento das famílias brasileiras.

No que se refere aos meios de publicidade, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) estabeleceu regras para regular a publicidade relacionada às apostas esportivas no Brasil. Estas diretrizes visam garantir que os anúncios sejam apresentados com veracidade e evitar a promoção de expectativas irrealistas ou o incentivo ao jogo excessivo. Eles também enfatizam práticas de jogo responsáveis e proíbem atingir crianças e indivíduos vulneráveis.

A meta brasileira, com base nas melhores práticas internacionais, é estabelecer um mercado saudável para todos os agentes. Do ponto de vista dos apostadores, a intenção é evitar o jogo compulsivo e a exposição do público a fraudes, por meio de um forte sistema de monitoramento, que gerará benefícios para empresas, governo e apostadores.

Com a regulamentação de exploração comercial do “mercado das bets” no Brasil, o mercado se torna mais seguro e atraente, criando um ambiente competitivo, na medida em que novas oportunidades comerciais se abrem.

Nesse cenário, a expectativa é que empresas criem marcas fortes e distintas, com objetivo de se destacar nesse mercado competitivo, o que, naturalmente, resultará em uma corrida por registros de marcas, no INPI.

Do ponto de vista da Lei da Propriedade Industrial - LPI (Lei nº 9.279/96), vale lembrar que todo sinal distintivo visualmente perceptível é passível de registro como marca, no INPI, desde que não compreendido nas proibições legais.

No contexto de proibições legais, pedidos de registro de marcas que visam identificar produtos e serviços considerados ilícitos no Brasil, devem ser indeferidos pelo INPI com base no artigo 124, III da LPI, que proíbe o registro, como marca, de “expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou a imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimento dignos de respeito e veneração”, bem como no artigo 128, §1º dessa mesma Lei, o qual determina que “as pessoas de direito privado só podem requerer registro de marca relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente, de modo direto ou através de empresas que controlem direta ou indiretamente, declarando, no próprio requerimento, esta condição, sob as penas da lei”.

Historicamente, marcas que visavam identificar serviços de apostas no Brasil eram indubitavelmente indeferidas pelo INPI. Atualmente, com o advento de Leis que regulamentam o assunto, percebe-se que, para a maioria dos casos, o INPI publica a seguinte exigência:

Preste esclarecimentos quanto aos serviços reivindicados à época do depósito, tendo em vista a legislação relativa à exploração de jogos de azar em vigor no país, bem como o disposto no § 1º do art. 128 da LPI. Alternativamente, apresente especificação suprimindo os itens mencionados ou substituindo os mesmos por serviços compatíveis com a classe reivindicada e considerados lícitos pela legislação vigente na data desta exigência.” (grifos nossos -pedido de registro # 926129660, cobrindo “provimento de serviços para jogos on-line [computadores]; Serviços de jogos de azar ou apostas” – exigência publicada em 20/02/2024).

Contra essa decisão, caberia cumprimento de exigência, restringindo os serviços de “jogos de azar ou apostas” para tão somente “serviços de apostas esportivas”, sem deixar de chamar atenção do INPI para a nova Lei em vigor, permitindo a exploração de serviços de aposta esportiva, no país.

O problema é que, apesar de legal a exploração comercial de apostas esportivas no país desde 2018 (embora ainda em regulamentação por meio da Lei 14.790/2023), os examinadores do INPI parecem não estar totalmente familiarizados com o tema, além de ainda não existir uma diretriz formal por parte da diretoria de marcas sobre o assunto, resultando em um rastro de decisões contraditórias em âmbito administrativo. Não por outra razão, decisões como a que se verá a seguir, publicada em 07/03/2023, não são incomuns:

Esclareça se deseja manter o item 'Jogos de apostas on-line', considerado ilícito pela legislação brasileira, ou se opta por substituí-los por outros que não se enquadrem nesta condição. Observe que marcas contendo serviços de loteria só podem ser requeridos pela Caixa Econômica Federal. No entanto, consta da Lista Auxiliar de Serviços da NCL(11) o serviço, legal, de 'venda de bilhetes de loteria', o qual pode ser requerido, caso seja desejada a alteração da especificação. Quanto aos serviços de 'apostas em geral' observe que à exceção de apostas sobre corridas de cavalo, o serviço é ilegal, de acordo com o art. 50 do Decreto Lei 3688/41.” (grifos nossos - pedido de registro nº 925652865, assinalando “organização de competições [educação ou entretenimento];organização de competições desportivas; provimento de publicações eletrônicas on-line, não baixáveis; provimento de serviços para jogos eletrônicos; provimento de serviços para jogos on-line [computadores];serviços de entretenimento; serviços de premiação; organização de competições esportivas eletrônicas; organização de eventos de entretenimento; organização e apresentação de eventos esportivos; serviços de esportes eletrônicos; Jogos de apostas on-line” – exigência publicada em 07/03/202).

Claro que contra decisões indevidas, sempre cabe recurso, e apesar de o assunto não estar previsto na agenda regulatória do INPI para o biênio de 2024/2025, sabemos que o INPI vem trabalhado para evitar decisões contraditórias. Em contato com o INPI, fomos informados que, para evitar exigências ou indeferimentos, é preciso que o pedido de registro reivindique tão somente “apostas esportivas” ou “serviço de apostas (somente apostas esportivas)”, na classe 41.

Pois Bem! A regulamentação das apostas esportivas no Brasil traz consigo a necessidade de as empresas legalizarem uma atividade que, até então, se operava em um ambiente de incertezas ou através de plataformas internacionais, e isso inclui pedido de licença ou autorização junto ao Ministério da Fazenda (MF), bem como a proteção de marcas por meio do (INPI, além de outros aspectos regulatórios.

O processo de autorização para atuação no mercado de apostas brasileiro, assim como o registro das marcas correspondentes, pode ser complexo e exigir uma preparação cuidadosa e atualização diária, incluindo, em muitos casos, a revisão de estratégias do portifólio de marcas e autorização regulatória, além de uma consulta com especialistas locais.

Considerando essas diretrizes, os atores do mercado de apostas brasileiro podem não apenas navegar com sucesso pelo ambiente regulatório e operacional, mas também contribuir para o crescimento ético do setor no país. A chave para o sucesso envolve uma combinação do aspecto legal, com a inovação tecnológica, o marketing e um compromisso com a responsabilidade social.

Adriane Nogueira Bonato
Chefe do departamento de marcas, da empresa de consultoria especializada em Propriedade Intelectual, Venturini Ip.