O ano de 2021 traz uma esperança de novas receitas para os combalidos cofres estaduais, em meio à grave e duradoura pandemia da COVID-19. Em 3 de fevereiro, transitou em julgado a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que possibilitou a exploração do serviço público de loterias estaduais, seja diretamente pelos governos locais, seja por empresas privadas mediante licitação.
Diante dessa abertura, vários Estados já começaram a estruturar suas loterias ou a expandi-las, no caso de alguns poucos que as mantiveram em funcionamento desde o restritivo Decreto-Lei nº 204, de 1976.
No fim de 2020, o STF julgou procedentes as arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) nº 492 e nº 493, que questionavam a operação ampla de loterias estaduais, e julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 4.986, que discutia se as normas do Estado de Mato Grosso que regulamentam a exploração de modalidades lotéricas invadiam a competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios.
Entendeu o STF que, embora a competência legislativa sobre loterias seja exclusiva da União, os Estados têm competência administrativa para operar loterias, desde que em observância à legislação federal, pois a Constituição Federal não prevê nenhum monopólio da União nesse segmento.
Como a competência legislativa da matéria permanece da União, os Estados somente poderão operar as modalidades de loterias previstas na legislação federal, especialmente na Lei nº 13.756, de 2018. Além disso, cabe ao Ministério da Economia, por meio da Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap), fiscalizar o cumprimento da legislação federal pelos Estados.
Desde o fim de 2020, vários Estados têm se movimentado para a criação de suas loterias próprias e, aquelas já operacionais, poderão explorar as novas modalidades criadas por lei federal, gerando novas oportunidades de atuação no mercado.
Dentre as expectativas do setor, destaca-se a regulamentação das apostas esportivas (apostas de quota fixa), programada ainda para o primeiro semestre de 2021. Essa modalidade representa entre 30% e 40% de todo o mercado mundial de jogos. A possibilidade de exploração das apostas esportivas foi aprovada pela Lei nº 13.756, de 2018 e, após sua regulamentação, deverá ser explorada em ambiente concorrencial mediante autorização ou concessão, podendo seu faturamento variar entre R$ 4 bilhões e R$ 10 bilhões em nível federal, de acordo com projeção do governo.
Diante da liberação das loterias estaduais, será necessário entender como a União e os Estados atuarão em harmonia. A União deverá uniformizar as regras federais para a realização de apostas e exploração das loterias estaduais. A Secap já demonstrou preocupação na manutenção da concorrência leal entre a União e os Estados, principalmente no que tange às apostas virtuais.
O Estado do Rio de Janeiro realizou, a partir de 22 de janeiro, uma consulta pública para discutir a contratação de prestador de serviço responsável pela exploração das modalidades lotéricas de prognósticos numéricos e de loteria instantânea, pelo prazo curto de cinco anos, sem concessão pública, o que deverá afastar operadores tradicionais.
Na licitação pretendida pela Loterj, o operador será responsável pela montagem de toda a rede de distribuição dos bilhetes e pelo desenvolvimento da plataforma tecnológica, sendo esta uma alternativa eficaz e com melhor custo-benefício. Há de se pensar, porém, nos limites de operação de cada operador estadual e quais os mecanismos e critérios podem ser adotados para evitar apostadores de outros Estados.
Nesse sentido, as loterias dos Estados americanos de Michigan e Pennsylvania, que são vistas como referência em apostas on-line, adotam regras distintas para limitação de apostas: enquanto a loteria de Michigan requer que todos os apostadores sejam residentes do Estado, a de Pennsylvania permite que apostadores de todo o país façam apostas, contanto que estejam fisicamente no Estado, o que é verificado por meio de geolocalização.
A tecnologia de geolocalização usa uma combinação de métodos que não apenas garantem que os clientes estejam dentro dos limites do Estado, mas também que os clientes não estejam usando tecnologia de spoofing (como VPNs) para mascarar suas localizações reais.
O Estado do Maranhão editou, no fim de 2020, legislação permitindo a exploração de loterias pela Maranhão Parcerias (Mapa), sociedade de economia mista vinculada à Secretaria de Estado de Governo. A partir de janeiro, a Mapa lançou edital de chamamento público, na forma de Procedimento de Manifestação de Interesse Privado (PMIP), para coletar estudos e projetos para a implementação do serviço de loteria estadual.
O mesmo caminho foi trilhado pela Loteria do Estado de Minas Gerais, que lançou o Procedimento de Manifestação de Interesse LEMG nº 01/2021, cujo prazo para os interessados apresentarem o requerimento de autorização para apresentação de estudos venceu no dia 9.
A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, em uma tentativa de antecipar as discussões acerca do reinício das operações de sua loteria estadual, havia aprovado o Projeto de Lei nº 40/2021, que trazia em um dos artigos vetados pelo governador uma previsão acerca da destinação dos recursos advindos da Lotesp.
Outras questões práticas ainda requerem discussão e cooperação entre a União e os Estados, mas os avanços no mercado de apostas e loterias têm sido rápidos por parte dos Estados, carentes de recursos. Mediante a recriação das loterias estaduais e a regularização de assuntos pendentes, será possível demonstrar a segurança jurídica esperada para que players privados do setor façam significativos investimentos no país.
Jun Makuta e Claudio Timm
Sócios de TozziniFreire Advogados
Stefania Gomes Toschi
Advogada de TozziniFreire Advogados
Especial para Valor