Entre os principais pontos da decisão supracitada, pode-se citar:
a) A exploração de loterias ostenta natureza jurídica de serviço público (artigo 175, caput, da CF/88), dada a existência de previsão legal expressa;
b) Os artigos 1º e 32 do Decreto-Lei 204/1967, ao estabelecerem a exclusividade da União sobre a prestação dos serviços de loteria, não foram recepcionados pela Constituição, pois colidem frontalmente com o artigo 25, §1º, da CF/88, ao esvaziarem a competência constitucional subsidiária dos estados-membros para a prestação de serviços públicos;
c) A competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios (artigo 22, inciso XX, da CF/88) não preclui a competência material dos estados para explorar as atividades lotéricas nem a competência regulamentar dessa exploração;
d) As legislações estaduais instituidoras de loterias, seja via lei estadual ou por meio de decreto, devem simplesmente viabilizar o exercício de sua competência material de instituição de serviço público titularizado pelo estado-membro, de modo que somente a União pode definir as modalidades de atividades lotéricas passíveis de exploração pelos estados.
O julgamento em questão tornou-se um marco para o mercado de jogos no Brasil, não somente para assegurar a legitimidade das loterias estaduais existentes à época (Rio de Janeiro, Paraíba, Minas Gerais e Ceará), mas também para exponencializar o mercado brasileiro para todo o mundo.
Após a decisão supracitada começaram diversos movimentos em estados que até então não demonstravam interesse pela exploração de produtos lotéricos, ou tinham decidido encerrar suas respectivas operações nos últimos anos.
O fato é que atualmente estamos vivenciando uma revolução mercadológica na qual os estados buscam as melhores formas de construir suas respectivas loterias, aumentar sua arrecadação e atrair operadores idôneos e competentes.
Antes de nos debruçarmos nas formas possíveis de "construção" desse nem tão novo modelo de exploração estatal, faz-se necessário entender como até então é o modus operandi dos contratos existentes.
Atualmente, a maioria das loterias estaduais existentes opera poucos produtos, em sua maioria múltiplas chances (prognóstico passivo) e/ou produtos instantâneos (raspadinhas). Os contratos firmados são de prestação de serviços, tendo como prazo cinco anos de operação.
Potenciais formas de contratualização
Ao analisarmos o cenário supracitado, os movimentos existentes e as formas possíveis de contratação aplicáveis, é possível chegarmos a três formatos aparentemente viáveis: 1) credenciamento; 2) contratos de prestação de serviços; 3) concessões públicas.
1) A loteria estadual faculta a players do mercado a se credenciarem por determinado tempo, para exploração de um ou mais produtos lotéricos. Prós: processo mais célere e potencialmente mais barato, uma vez que, pode não ser necessário o dispêndio de valor de outorga inicial; Contras: elevada taxa concorrencial, uma vez que diversos players podem explorar as mesmas modalidades.
2) A loteria estadual publica edital de concorrência para contrato de prestação de serviços que objetiva a exploração de uma ou mais modalidades de produtos lotéricos. Prós: o vencedor da licitação poderá explorar o mercado por tempo determinado e com baixos índices concorrenciais; Contras: obrigatoriedade de adaptar-se ao modelo licitatório proposto e possibilidade de propostas financeiras predatórias.
3) A loteria estadual publica edital de concorrência para concessão pública que objetiva a exploração de uma ou mais modalidades de produtos lotéricos. Prós: o vencedor da licitação poderá explorar o mercado por elevado período de tempo, possibilitando adaptações financeiras e maiores inovações mercadológicas; Contras: obrigatoriedade de adaptar-se ao modelo licitatório proposto e potencial concorrência com grandes corporações.
Entretanto, faz-se necessário salientar que existe um desafio orçamentário para a estruturação de um procedimento de concorrência pública, sobretudo para os estados que não possuam loterias estaduais constituídas, nem tampouco know how para implementá-las.
Objetivando sanar a deficiência em questão e impactar o mínimo possível os cofres públicos, alguns estados estão optando pelo procedimento de manifestação de interesse (PMI). Através do presente modelo, o estado faculta a players do setor privado a apresentação de estudos relacionados ao mercado lotérico.
Alguns estados já iniciariam seus respectivos processos de PMI, como por exemplo Maranhão, São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais. O que demonstra uma tendência de os demais estados adotarem o mesmo modus operandi.
Dessa forma, somente nos resta aguardar os próximos passos dos players de mercado e acompanhar de perto o impacto dos modelos que serão adotados pelos estados de todo o Brasil.
João Rachid Motta
Head of legal da MCE Intermediações e Negócios
Fonte: Revista Consultor Jurídico