A licitação, prevista para acontecer às 14 horas, tem como objetivo “contratar empresa especializada na prestação de serviços de criação de produtos lotéricos, aqui compreendidos os jogos e eventos que envolvam sorteios e registros de apostas; a distribuição e comercialização dos produtos de loteria de prognósticos, de loteria instantânea de jogos que envolvam aposta de cotas fixas em modalidades esportivas, sejam em meio físico ou não, e, também, a elaboração, a propositura, a orientação e a execução de campanhas publicitárias relativas aos jogos desenvolvidos e comercializados no âmbito do Estado do Rio de Janeiro”.
Nos últimos dias, a Loterj já havia feito esclarecimentos e negado pedidos de impugnação do Edital, demonstrando em suas justificativas todos os aspectos legais referentes à licitação em si bem como apontando questões relativas ao mercado lotérico para comprovar a lisura do certame.
As empresas alegavam que o edital e seus respectivos anexos apresentavam graves vícios que colocavam em xeque a competitividade e a isonomia entre os licitantes, quais sejam:
(i) a modelagem jurídica eleita para a contratação não se adequa ao objeto contratual, e, tampouco, ao vulto dos investimentos necessários e ao prazo de vigência do Contrato;
(ii) a exigência de alguns requisitos de habilitação restringe, flagrantemente, o caráter de competitividade que se deve extrair do certame;
(iii) a exigência de alguns requisitos de habilitação restringe, flagrantemente, o caráter de competitividade que se deve extrair do certame;
(iv) há inconsistências e lacunas de informações no Edital, as quais prejudicam a aferição do preço; e
(v) é impossível a execução do contrato - ao menos da forma proposta pela LOTERJ, o que poderá causar graves prejuízos para a Administração Pública.
IGT e SG salientaram, ainda, que a LOTERJ optou pela modalidade de licitação por concorrência do tipo menor preço global, e, pelo art. 57, II e §4º da Lei de Licitações, o prazo de vigência, segundo a modalidade de licitação eleita, não poderia ultrapassar 60 meses, o que torna inviável o objeto do certame, eis que a licitação busca um operador que seja capaz de instalar três sistemas de loteria central para:
(i) jogos instantâneos,
(ii) loteria de prognósticos, e
(iii) apostas esportivas
Todos os sistemas certificados pela WLA e capazes de operar no modo físico e virtual e, além disso, o operador precisava competir com a operadora de loteria nacional (CAIXA), que conta com uma permissão legal sem qualquer limitação de tempo, e a LOTEX, que conta com uma concessão de 15 anos. Para as empresas, o prazo de 5 anos era incompatível com o que se espera do contratado, e traz uma desvantagem significativa ao contratado, que competiria principalmente com a Loteria da CAIXA e a LOTEX.
Sustentavam, ainda, que a licitação discutida estava fadada ao insucesso, justamente porque não é a modalidade de concorrência propícia para a contratação de serviço de exploração de loteria, pois seria muito mais factível um modelo de concessão de serviço público, nos moldes da Lei Federal nº 8.987/1995 ("Lei Geral de Concessões"), uma vez que a partir dele, seria possível a estipulação de prazo contratual maior, sendo uma opção viável, além de questionarem outras inconsistências e lacunas constantes no referido Edital.
Por fim, aduziam que, além da modelagem proposta no Edital não se adequar ao objeto do contrato, aos investimentos necessários e ao prazo de vigência do contrato, diversos requisitos de habilitação restringem o caráter de competitividade, que deve ser inerente ao certame e, do mesmo modo, havia diversas inconsistências e lacunas de informações do Edital que prejudicavam a aferição do preço e, portanto, a execução do contrato, nos termos propostos pela LOTERJ, que poderia, segundo elas, inclusive, ensejar graves prejuízos para Administração Pública.
Pensando essas considerações, a Juíza indeferiu a inicial, e julgou extinto o processo sem resolução do mérito, na forma do artigo 485, inciso I, do Código de Processo Civil.
Examinando os requisitos do presente remédio jurídico, é cediço que o mandado de segurança tem como pressuposto a violação a direito líquido e certo do impetrante, na forma do disposto no art. 5º, LXIX, da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:
'LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.'
Assim, a liquidez e certeza do direito alegadamente violado é pressuposto específico de admissibilidade do mandado de segurança, conforme se verifica nos termos do art. 5º, caput, LXIX, da CRFB e do art. 1º, caput, da Lei 12.016/09. Para compreensão de direito líquido e certo, e sua estreita ligação com a prova pré-constituída, traz-se à colação a doutrina do Desembargador Alexandre Freitas Câmara, no sentido de que não existindo os citados elementos, incabível o mandado de segurança:
"Deve-se, então, entender o direito líquido e certo como o direito subjetivo cujo fato constitutivo é demonstrável em juízo através de prova documental pré-constituída. Em outras palavras, e dadas as limitações probatórias existentes no procedimento especial do mandado de segurança, através deste remédio processual só se pode proteger o direito subjetivo se seu fato constitutivo puder ter sua veracidade demonstrada em juízo através de prova exclusivamente documental e pré-constituída. Havendo necessidade de produção de outras provas além destas não se terá direito líquido e certo (ainda que haja direito subjetivo) e, por conta disso, não se poderá conceder o mandado de segurança."
(Manual do mandado de segurança, 2ª ed., São Paulo: Atlas. 2014, p. 94).
Significa dizer que a via estreita do mandamus só pode ser utilizada para defender o direito do impetrante, contra ato ilegal ou abusivo praticado por agente público, quando puder ter sua veracidade demonstrada em juízo por meio de prova exclusivamente documental e pré-constituída. Nesse passo, não é demais assinalar que o mandado de segurança investe contra ato público, que goza de presunção de legitimidade.
Outrossim, de acordo com Luiz Fux, "[o] direito líquido e certo é, pois, requisito lindeiro ao âmbito probatório, posto referir-se à comprovação dos fatos e não ao direito objetivo em si, emigrando para o campo eminentemente processual" (FUX, Luiz. Mandado de segurança. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 47).
É sabido que a ausência do direito líquido e certo implica extinção do processo sem resolução do mérito ante a ausência de pressuposto específico de admissibilidade, nos moldes do art. 10 da Lei 12.016/09.
No presente processo, o conjunto probatório não demonstra o direito líquido e certo alegado. Não há nos autos prova de ilegalidade de ato administrativo emanado pela autoridade coatora, restando patente que a citada discussão acerca da modalidade licitatória não ser a ideal, demanda regular instrução em contraditório e provas.
Assim, diante da especialidade da via mandamental, que não admite dilação probatória para constatação do direito alegado, bem como a inexistência de provas pré-constituídas nesse sentido, impõe-se o indeferimento da medida, inadequadamente manejada pelas impetrantes.
Fonte: GMB