MIÉ 27 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 01:39hs.
Decisão da conselheira Cristiana de Castro Moraes

Tribunal de Contas suspende novamente a licitação da loteria estadual paulista

A licitação que definiria quem assumiria a concessão dos serviços lotéricos em São Paulo, marcada para esta quinta-feira, 1/12, foi suspensa pela conselheira Cristiana de Castro Moraes, do Tribunal de Contas do Estado pouco menos de 24 horas antes do leilão na B3. Ela acatou os recursos apresentados por Intralot do Brasil e pelo consórcio IGT/Scientific Games.

No interesse da lisura do certame e, considerando que este Tribunal [de Contas do Estado de São Paulo] poderá decidir pela alteração do ato convocatório, determino a suspensão do procedimento licitatório impugnado até apreciação final da matéria”, apontou a conselheira Cristiana de Castro Moraes em seu despacho.

Com isso, a licitação ora suspensa terá de aguardar decisão final do TCE a partir da apresentação de defesa por parte da Secretaria de Orçamento e Gestão do Estado de São Paulo às peças apresentadas pela Intralot do Brasil e pelo consórcio IGT/Scientific Games.

Entre os principais pontos atacados pela Intralot estão:

1 – Falha nas projeções econômico-financeiras

Para a empresa, há aspectos econômico-financeiros viciados, especialmente no tocante ao valor estimado do contrato, que teve uma redução de cerca de R$ 100 milhões e o valor da outorga fixa ter sido multiplicado por três, chegando à casa de R$ 906 milhões.

Pelas argumentações da Intralot do Brasil, “não foi disponibilizada documentação correspondente a título de termo de referência... que conta somente com alguns gráficos sem qualquer interpretação, fonte ou explicação da forma como alcançaram tais resultados”.

A conselheira afirmou em seu despacho que a empresa salienta que "os dados ofertados não estão acompanhados de elementos que os embasem, problema que levou à desconstituição da licitação anterior”.

2 – Exigência de qualificação técnica aquém do objeto licitado e do número de transações

Entre as argumentações apontadas pela Intralot diz respeito ao fato de que, quanto à qualificação técnica, "deixou de especificar o número de transações que deverá ser comprovado a título de experiência anterior pelas licitantes”.

Ainda acrescenta em seu pedido de impugnação que “não se solicita demonstração de realização anterior de operação de loterias por meio físico, passível de ser delegada a empresa sem nenhuma comprovação” e que “há desprestígio indevido às empresas que desenvolveram ao longo de anos plataformas e estruturas de gestão e operação em loterias”.

3 – Falta de realização de audiência pública

O requerente informa que “não foi realizada audiência pública após a publicação da nova concorrência, argumentando, com amparo no artigo 39 da Lei Federal n.º 8.666/93, que o processo licitatório pertinente ao presente instrumento não deve ser considerado o mesmo do anterior, tendo em vista as alterações substanciais realizadas, razão pela qual a falta de manifestação do representado a esse respeito ‘deixa a sociedade e eventuais empresas participantes às cegas, sobretudo quanto à importante questão financeira’”. Defende ainda que “a Administração não pode se valer da audiência pública antes implementada, porquanto tratou de outra documentação. Cita, a propósito, orientações jurisprudenciais e manifestação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina”.

Já o consórcio formado pela IGT e Scientific Games apresentou os seguintes pontos que também foram acatados pela conselheira:

1 – Prazos incongruentes e não divulgação do edital em idioma estrangeiro

O consórcio aponta que “a Secretaria disponibilizou interregnos incompatíveis para a realização dos atos em torneio cujo objeto é inovador, complexo, vultoso e relevante, assim como aberto à participação de competidores estrangeiros, em violação a diversos princípios incidentes na matéria... Não foram franqueados documentos traduzidos, a retardar toda a preparação para a disputa de interessados internacionais, o que, entre outros pontos, também desrespeita orientação deste Tribunal [de Contas]”.

2 – Falhas na modelagem econômico-financeira

Após narrar os antecedentes do procedimento licitatório, inclusive a determinação anterior do TCE, “censuram a falta de apresentação, em conjunto com a concorrência, de estudo de viabilidade econômico-financeira de todas as premissas, informações e dados adotados para modelagem do projeto referencial, uma vez que foi ofertado apenas resumo a acerca dos valores e balizas adotados para a concessão. Consignam a impossibilidade de deduzir, a partir desse material, detalhes técnicos que fundamentaram a estipulação dos valores apresentados, a inviabilizar a compreensão das variáveis envolvidas na contratação”.

Segundo a conselheira, o consórcio “salienta, em especial, traçando comparativo com as fragilidades evidenciadas no certame pretérito, que o resumo da modelagem, além de não constar como anexo do edital, não traz elemento ou referência dos estudos apresentados na PMI e materializa documento superficial, fragmentado e desconectado da realidade”.

No despacho, Cristiana Moraes aponta outra argumentação da IGT/SC: “a forma atabalhoada como a SOG lançou essa Concorrência nº 02/2022, a dois meses do fim do mandato do governador atual, e com mudanças inexplicáveis em características tão importantes da concessão, como a triplicação do valor mínimo da outorga (sem a previsão dessa receita seja na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Estado de São Paulo seja no projeto da lei orçamentária estadual de 2023), sem as devidas justificativas técnicas, levantam fundadas suspeitas sobre a lisura do certame, sendo de todo aconselhável que o TCE-SP paralise e anule a Concorrência nº 02/2022”.

3 – Ausência de distinção entre receitas da concessão

O consórcio reclamou ainda “da falta de diferenciação entre as receitas advindas de vendas de bilhetes lotéricos em pontos de vendas físicos e virtuais, o que impossibilita a estimativa da margem de distribuição para melhor arrecadação em cada um destes canais” e sustentam “ser contraproducente imaginar que as receitas acessórias eventualmente existentes no primeiro ano da concessão sejam suficientes para o custeio da operação e repartição com a Administração no percentual fixado na minuta contratual”.

Acrescentam, no mais, que “os valores previstos para essa categoria de receitas foram estipulados em patamares desproporcionais, exemplificando com a situação da loteria desportiva (cota fixa)”.

4 – Falta de qualificação técnica compatível com a concessão

Assim como a Intralot do Brasil, o consórcio IGT/SC também apontou incoerência no quesito qualificação técnica, dizendo que “embora o objeto da licitação seja a criação, distribuição e comercialização de produtos lotéricos, incluindo a captação e manutenção de rede de pontos de vendas físicos, demanda-se experiência genérica, aquém da extensão e complexidade do objeto da licitação, como responsável pela operação de sistema de vendas virtual e/ou pela operação de vendas em meio físico, que tenha contabilizado ao menos 25.000.000 (vinte e cinco milhões) de TRANSAÇÕES efetuadas em um intervalo máximo de 12 (doze) meses consecutivos”.

O consórcio aponta “ser apropriado que se solicite a comprovação de qualificação técnica e experiência compatíveis à operação de loterias em meios físico e virtual.”

5 – Previsão de subcontratação ilegal, a configurar verdadeira subconcessão

Entre outros pontos, indicam que há “possibilidade de subcontratação total do objeto em violação a princípios administrativos, além de gerar prejuízos ao Estado e cidadãos” e que há “tentativa de permissão de subconcessão sem concorrência prévia, em violação ao subitem 32.9 da minuta da avença e ao artigo 26, § 1º, da Lei Federal n.º 8.987/95."

6 – Ausência de respostas fundamentadas aos pedidos de esclarecimentos e pendência de apreciação de pedido de prorrogação das representantes

Censuram “a oferta de respostas a pedidos de esclarecimentos de forma genérica, sem fundamentação ou justificativa adequada, a qual contribui para macular o processo licitatório, por não sanear as dúvidas apresentadas”, bem como “não se conformam, ademais, com a falta de resposta a pedido de prorrogação de prazo das representantes, a qual conta com previsão no subitem 8.9.2 do instrumento”.

Os requerentes detalham, “a exiguidade dos prazos para a prática de diversos atos pertinentes ao certame, caracterizado por ser de natureza internacional e envolver valor vultoso”.

Diante dos argumentos apresentados pela Intralot do Brasil e pelo consórcio IGT/SC, a conselheira resume que “ambas as postulantes requerem a concessão de medida de suspensão do certame, para que, ao final, seja determinado o saneamento de todas as irregularidades”.

Assim, Cristiana de Castro Moraes despachou que pôde vislumbrar, “ao menos em tese, disposições editalícias contrárias à norma de regência”.

E decidiu:

Todos os aspectos são cruciais para a higidez do certame, de maneira que bastam para justificar a intervenção prévia deste Tribunal no procedimento licitatório.

Por esses motivos, com fundamento no parágrafo único do artigo 221 de nosso Regimento Interno, assino à autoridade competente o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para que encaminhe cópia integral do instrumento convocatório impugnado e seus anexos, inclusive eventuais documentos acerca dos estudos de viabilidade da concessão não constantes do instrumento, assim como para que ofereça as justificativas pertinentes sobre os pontos questionados, assim como sobre aqueles acrescentados na presente decisão, a abranger comprovação do atendimento às orientações constantes processos n.ºs TC-008544.989.22-1, TC-008622.989.22-6, TC-008769.989.22-9 e TC-008936.989.22-7.

No interesse da lisura do certame e, considerando que este Tribunal poderá decidir pela alteração do ato convocatório, determino a suspensão do procedimento licitatório impugnado até apreciação final da matéria.”

Fonte: GMB