Nos últimos meses vem ocorrendo certa polêmica em torno do tema loterias municipais, com muitos Projetos de Lei tramitando em diversos municípios da nação, com o objetivo de criação de seus respectivos serviços de loterias, a fim de promover angariação de fundos a serem destinados em políticas públicas locais.
Toda essa movimentação tem se dado em razão do julgamento das ADPFs 492 e 493, pelo Supremo Tribunal Federal, cujo acordão foi publicado há pouco mais de um ano.
Pois bem, há uma dualidade de posicionamentos acerca da possibilidade legal/constitucional dos municípios deterem competência para o exercício e exploração de atividades lotéricas em seus territórios, o que tem gerado um cenário de certa dúvida e insegurança no meio especializado.
Contudo, é de fácil percepção a desmotivação da polêmica em comento, pelo simples fato da clareza do julgado das citadas ações constitucionais e da ausência de competência privativa e/ou exclusividade em favor dos entes União e Estados, na Constituição Federal, em relação ao tema loteria, o que restou mais do que pontificado pelo STF.
Nesse sentido, destaca-se que o voto do relator das ADPFs 492 e 493, ministro Gilmar Mendes, traz em várias oportunidades posicionamentos taxativos nesse sentido e de forma bastante categórica pontua às fls. 45 do referido julgado:
“Dessa forma, em resumo, a mim me parece acertado inferir que as legislações estaduais (ou municipais) que instituam loterias em seus territórios tão somente veiculam competência material que lhes foi franqueada pela Constituição.
Tais normas estaduais, sejam leis ou decretos, apenas ofenderiam a Constituição Federal caso instituíssem disciplina ou modalidade de loteria não prevista pela própria União para si mesma, haja vista que, nesta hipótese, a legislação estadual afastar-se-ia de seu caráter materializador do serviço público de que o Estado (ou município, ou Distrito Federal) é titular, isto sim incompatível com o art. 22, XX, da CF/88.
É lícito concluir, portanto, que a competência da União para legislar exclusivamente sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive loterias, não obsta a competência material para a exploração dessas atividades pelos entes estaduais ou municipais.” (sem grifos no original)
Assim, vê-se claramente o posicionamento expresso do relator pela competência material dos municípios na instituição e desenvolvimento de seus serviços lotéricos, tais quais a União, Estados e Distrito Federal. Em ato contínuo no referido julgado paradigmático, o ministro Alexandre de Morais (segundo a votar), pontua de forma expressa e clara tal competência dos entes municipais, senão vejamos:
“Em outras palavras, aqui, Senhor Presidente, quem tem o poder, o verdadeiro poder de regulamentar, de estabelecer todo o sistema de loterias é a União, competência privativa. Ao estabelecer isso, quem pode explorar não é só a União. Os estados e municípios podem, desde que observem estritamente a normatização federal. É isso que faz sentido, a meu ver, ao interpretarmos, de forma diversa, como devem ser realizadas as competências legislativas, de um lado, e as competências administrativas, do outro lado. Não poderíamos cercear ou permitir, porque isso seria extremamente perigoso, que a União, no exercício de suas competências legislativas privativas, pudesse começar a cercear as competências administrativas dos outros entes federativos.” (grifo nosso)
Nesse sentido, é imperioso observar que todos os demais ministros da Corte Suprema acompanharam a integralidade do voto do relator e não divergiram em nada do voto do segundo a votar, min. Alexandre de Morais. Destarte, é patente a validação de todos os termos do voto do relator, pela unanimidade dos membros do Supremo Tribunal Federal, que entenderam no sentido da não recepção dos 1.° e 32, caput e § 1º, do Decreto Lei 204/67 e seus consequentes efeitos: a competência material para regulamentação e exploração de modalidades lotéricas pelos estados e municípios, tais quais a União.
Ademais, nem por interpretação das mais extensivas pode-se afirmar a existência de mandamento constitucional que impossibilite os municípios em explorar loterias, após o julgado das ADPs 492 e 493, posto que inexiste em todo o corpo da Lei Maior disposição nesse sentido, sendo privativo da União apenas a inovação legal acerca dessa matéria, conforme exaustivamente pontificado pelo Supremo Tribunal, não só nas referidas ADPFs, mas em outros diversos julgados de ações constitucionais, que serviram de base jurisprudencial para o resultado do julgado em comento.
Diante de todo explanado, percebe-se que “levar a cabo nova guerra” federativa nesta seara, desta vez entre estados e municípios, além de inócua, só fragilizará ambas classes de entes federados perante as instituições, o que atrapalhará o desenvolvimento de suas atividades lotéricas, após tantos anos de luta para se obter segurança jurídica para tanto.
O Consórcio GDA, especializado em produtos e políticas de loterias, composto pela empresa portuguesa GetLucky, pela americana Apus Payments e pela búlgara Decart, enviou à Prefeitura de Aracaju ideias para a criação de uma loteria municipal na capital sergipana.
Péricles Laudier de Faria Lima
Advogado e Consultor Jurídico do Consórcio GDA